Deputado Amarildo Cruz durante audiência pública sobre os impactos da exploração do gás de xisto (Foto: Wagner Guimarães/Assembleia Legislativa do Estado do Mato Grosso do Sul).

A exploração não convencional de petróleo e gás pelo método do fraturamento hidráulico, ou fracking, para geração de energia elétrica, tem causado preocupação e gerado uma série de debates no Estado do Mato Grosso do Sul. Preocupado com as consequências que a atividade pode trazer para a economia local, os ecossistemas e a saúde da população, o deputado estadual Amarildo Cruz (PT-MS) ingressou há alguns meses com um projeto de lei que propõe suspender por 10 anos a expedição de licenciamento ou autorização ambiental às empresas detentoras dos direitos de exploração e produção de petróleo e gás natural. Se a moratória virar lei, o estado seguirá os passos do Paraná, que desde 2016 já tem seu território protegido contra o fracking por pelo menos uma década.

Natural de Presidente Epitácio, município do Estado de São Paulo que faz fronteira com o Mato Grosso do Sul, localizado às margens do Rio Paraná, o deputado está no seu terceiro mandato na Assembleia Legislativa Estadual, onde é defensor das causas sociais, ambientais, de igualdade racial, saúde e habitação. Durante seu último mandato, Amarildo Cruz apresentou diversas propostas que visam a melhoria da qualidade de vida da população, como a política estadual de incentivo à geração e aproveitamento de energia solar, e a criação da Frente Parlamentar em Defesa do Meio Ambiente. Agora ele também abraçou a luta contra o fracking.

Confira abaixo a entrevista completa.

350.org – Como você teve conhecimento pela primeira vez sobre a técnica do fraturamento hidráulico, ou fracking?

Deputado Amarildo Cruz – A partir de pesquisas e estudos que comecei a fazer, uma vez que tomei conhecimento da sondagem que uma empresa contratada pela ANP [Agência Nacional do Petróleo e Gás] estava fazendo no Vale do Ivinhema, sobre a possibilidade de existência do gás de xisto na região. Também acompanhei o assunto através de discussões que já estavam sendo feitas dos estados do Paraná e São Paulo. Eu vi que ambos discutiam com profundidade essa questão. Fui tomando conhecimento de que essa ameaça não era restrita apenas a esses estados, mas ao Mato Grosso do Sul também, uma vez que estava sendo discutida a exploração desse gás na bacia do rio Paraná. E vendo que aqui não existia nenhuma discussão a respeito disso, então procurei estudar mais profundamente e fazer as ações parlamentares cabíveis.

350.org – Qual foi seu sentimento quando soube que esse método exploratório poderia ameaçar seu estado?

Dep. AC – De imediato foi preocupação, precaução. E, junto com a minha equipe, fui pesquisar em vasto material de vídeo, escritos, relatos e pesquisas. À medida que fomos nos aprofundando, fomos ficando cada vez mais preocupados. Foi aí que decidimos pelo Projeto de Lei, para que, no mínimo durante a sua tramitação, essa questão possa ser discutida com mais profundidade aqui no estado.

350.org – Quais serão os impactos mais diretamente sentidos na sua região caso o fracking venha de fato a acontecer? Quais as implicações para a economia local, o meio ambiente, a saúde, o clima?

Dep. AC – Os impactos ambientais aqui são bem maiores do que em qualquer outro lugar. Se observar as regiões onde há exploração do gás de xisto no mundo, a maior parte é em região de deserto, onde não há tanta riqueza de água e de solo. Diferente do que temos aqui no estado. Eu particularmente falo que o Mato Grosso do Sul é um oásis. Esse estado é rico em recursos naturais, com solo de qualidade, rios, aquíferos, mananciais. Então aqui o estrago é maior, e a preocupação tem que ser maior também, pois é o grande patrimônio que nós temos. Os danos têm que ser mais amplamente discutidos aqui até pelas nossas peculiaridades. Só no nosso estado nós temos pelo menos três biomas dos mais importantes do mundo: o Pantanal, o Cerrado e a Mata Atlântica.

350.org – Quais foram as primeiras atitudes que você tomou com relação a isso?

Dep. AC – Fazer ampla pesquisa, ter intimidade com o assunto, conversar com as pessoas que já estão discutindo essa questão, por isso entrei em contato com a COESUS [Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida], o Ministério Público de São Paulo, ambientalistas, pesquisadores e pessoas da academia.

Juliano Bueno de Araujo, fundador da COESUS e coordenador de campanhas climáticas da 350.org Brasil, fala sobre os impactos do fracking em audiência pública no MS (Foto: Melissa Teixeira/COESUS).

350.org – Quais as suas principais críticas ao processo conduzido pela ANP?

Dep. AC –  A minha maior crítica é que o processo está equivocado desde o início. Desde quando começou-se a fazer sondagem não só aqui no estado, mas no Brasil inteiro, para verificar onde havia o gás de xisto, já devia ter sido feito um debate público com a sociedade. Eu conversei semana passada com o prefeito de Santa Rita do Pardo [cidade que já tem seu subsolo vendido pela ANP para exploração de gás de xisto] e ele me contou que uma empresa chamada Global, contratada pela ANP, esteve lá em 2013/2014, fez uma série de perfurações, levantamentos, levou caminhões com carga pesada, criou problemas, estragou estradas, quebrou asfalto, não consertou e foi embora. Estavam fazendo pesquisa e prospecção para ver se existia o gás de xisto. É inadmissível que esse processo seja feito pela União – já que a ANP é um órgão nacional – dessa forma, sem envolver os estados e municípios. Isso é uma vergonha. Parece que a ANP sempre fez um processo às escondidas, meio secreto, sem discutir isso com as autoridades, com a população. Nem a imprensa tem conhecimento aprofundado sobre esse assunto. Talvez por que no fundo eles saibam que os danos causados pela atividade são muito vastos e obviamente a população vai se preocupar.

350.org – Equipes da 350.org e COESUS, que integram a campanha Não Fracking Brasil, têm percorrido o estado há alguns meses levando informação, realizando capacitações e reuniões com a população e parlamentares. Qual a importância disso?

Dep. AC – Eu acho extremamente importante a participação da COESUS, da campanha Não Fracking Brasil e da 350.org, porque eles têm um trabalho muito bem feito, bem organizado, uma assessoria com informações, têm uma militância, material, pesquisa, conhecimento por parte dos integrantes. Então, para nós, tem sido um suporte, um instrumento muito importante para debater melhor e fazer esse enfrentamento aqui no estado. Coloco como determinante e estratégica a participação deles.

350.org – Qual a importância da mobilização junto à sociedade?

Dep. AC – É determinante. As pessoas precisam saber que a cidade onde elas moram corre o risco de, com a extração, ter o seu solo e água contaminados, pode aumentar a incidência de câncer, abalos sísmicos… todas as pessoas que estão em territórios que serão afetados precisam saber, isso têm que ser discutido. Colocar essa questão na agenda é fundamental.

Jovens seguram cartazes da campanha Não Fracking Brasil durante a audiência pública (Foto Melissa Teixeira/COESUS).

350.org – Como você tem percebido a resposta da comunidade sobre o assunto?

Dep. AC – O que eu tenho percebido é que, na maioria das vezes, o assunto chama a atenção, mas ainda está muito aquém do que nós gostaríamos. A resposta ainda tem sido muito tímida. Alguns setores que nós esperávamos que fizessem uma discussão mais acurada sobre a questão ainda não estão fazendo. Existe muita dúvida, pois há muito pouca informação sobre a questão. É de fato um assunto instigante, atraente, polêmico. Os impactos ambientais, principalmente, chamam atenção, mas ainda falta um posicionamento mais enfático da população. De fato, a cada 10 pessoas com quem falamos, no mínimo 9 demonstram indignação, até porque o assunto é novo. Então há preocupação, mas não há uma ação correspondente. Mas nós estamos nos aprofundando. O Parlamento é um dos lugares que tem mais responsabilidade de fazer esse debate e é o que estamos fazendo.

350.org – Você apresentou um projeto de lei para uma moratória de dez anos para o fracking no estado. Você acredita que uma moratória resolve o problema?

Dep. AC – Dez anos é, no mínimo, tempo suficiente para que se possa discutir melhor essa questão. Para que, durante esse período, possa haver um aperfeiçoamento da técnica, para que não haja esse impacto todo. E é também um tempo para que se possa cobrar da administração pública de maneira geral um investimento em energia limpa, como eólica e solar.

350.org – Como estão as articulações para a aprovação do projeto e quais são as expectativas de resultado?

Dep. AC – A Assembleia Legislativa aqui do estado é muito conservadora. Tivemos manifestações de alguns deputados e fiz questão de convidar a todos para a audiência pública que nós realizamos. Enviei matérias e vídeos individualmente para cada um. Tenho conversado com todos e, inclusive, os informado sobre como essa questão já foi tratada no Paraná, em São Paulo e como eu acredito que deve ser tratada aqui também. Sei das dificuldades que existem, mas acredito que com muito trabalho e colocando a questão no centro da discussão aqui no estado, minimamente por uma questão de precaução, podemos conseguir o mínimo de votos para aprovação do projeto.

Casa cheia demonstra preocupação e interesse da população no assunto (Foto: Melissa Teixeira/COESUS).