Bill McKibben

O alerta do órgão da ONU sobre as emissões de carbono é difícil de ignorar, mas romper o poder da indústria dos combustíveis fósseis não será fácil.

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Horizonte de Bangkok coberto por névoa. O relatório do IPCC diz que as mudanças climáticas aumentaram o risco de severas ondas de calor e outros eventos climáticos extremos. Foto: Adrees Latif/Reuters

Neste momento, os cientistas que lideram o Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas devem estar pensando que é hora de trocar seus satélites, seus termômetros e espectrômetros cuidadosamente calibrados, seus refinados modelos de computador – trocar todos seus equipamentos por um dicionário de sinônimos. Certamente, em algum lugar deve haver palavras que possam levar os líderes mundiais a agir.

Nesta semana, com a divulgação do seu mais recente relatório síntese, eles tentaram palavras como “severos, abrangentes e irreversíveis” para descrever os efeitos das mudanças climáticas – que para cientistas, conservadores por natureza, é quase como anunciar que as mudanças climáticas vão produzir um apocalipse zumbi + decapitações aleatórias + Ebola. É difícil imaginar como eles poderão ser ainda mais enfáticos até o próximo grande encontro global, em Paris.

Mas mesmo com tudo isso, este novo documento – na verdade, a síntese dos relatórios de três grandes grupos de trabalho, divulgados ano passado – quase certamente subestima a real gravidade da situação. Como o Washington Post apontou na semana passada, relatórios passados sempre tentaram pecar pela atenuação; este é problema principalmente quando se trata do aumento do nível do mar, já que o relatório atual nem sequer menciona a descoberta divulgada no mês de maio, de que as grandes camadas de gelo do Ártico estão começando a derreter (estes estudos foram divulgados depois do prazo final do IPCC).

Mas indo direto ao ponto, quem se importa? Os cientistas fizeram o seu trabalho. Nenhuma pessoa consciente, incluindo os candidatos ao senado dos Estados Unidos, pode continuar acreditando, no fundo do seu coração, que não existem problemas. O método científico triunfou: por mais de um quarto de século, pesquisadores chegaram a um admirável consenso sobre um problema básico de química e física.

E os engenheiros fizeram um ótimo trabalho. O preço de um painel solar caiu mais de 90% nos últimos 25 anos, e continua a despencar. Nos poucos lugares em que realmente foram utilizados em larga escala, os resultados são impressionantes: em alguns dias deste verão, a Alemanha gerou 75% da sua energia usando o vento e o Sol.

Isso, é claro, não é porque a Alemanha seja tão ricamente dotada de luz solar (é raro encontrar alguém que planeje passar as férias nas praias do Mar do Norte). É porque os alemães produziram uma notável quantidade de vontade política, e a usaram bem.

A Alemanha vai à contracorrente do resto do mundo, onde a indústria dos combustíveis fósseis produziu um enorme medo na classe política e impediu que as coisas mudassem. As suas grandes pilhas de dinheiro até agora pesaram mais no balanço político do que as vastas pilhas de dados acumuladas pelos cientistas. De fato, o IPCC pode calcular o tamanho deste gap com exatidão. Eles estimam que, para entrar no caminho certo, o mundo precisaria cortar os investimentos em combustíveis fósseis anualmente entre agora e 2029, e usar estes recursos para acelerar o ritmo dos investimentos em fontes de energia renovável.

É uma tarefa difícil, mas não é impossível. Na verdade, o movimento popular simbolizado pela gigantesca Marcha Climática em Nova York começou a causar impactos em dólares e cents. Um novo relatório desta semana mostra que com o adiamento do oleoduto Keystone, na América do Norte, os manifestantes impediram um investimento de ao menos US$ 17 bilhões (R$ 42 bi) nas areias betuminosas do Canadá – investimento que teria produzido uma quantidade de carbono equivalente a 735 usinas de energia movidas a carvão. Este foi realmente um ótimo trabalho!

Os nossos líderes políticos poderiam fazer muito mais, é claro. Se eles colocassem um preço sério sobre o carbono, poderíamos passar mais rapidamente da era dos combustíveis fósseis para o futuro das energias renováveis. Mas isso não vai acontecer até que nós rompamos o poder da indústria dos combustíveis fósseis. E por isso é uma ótima notícia que as campanhas de desinvestimento têm conquistado vitórias em um continente após o outro, com universidades de Stanford a Sydney e passando por Glasgow anunciando que começaram a vender seus investimentos em combustíveis fósseis, como forma de protesto – ei, até mesmo o fundo dos irmãos Rockfeller, herdeiro de uma das maiores fortunas de petróleo já vistas, se uniu a luta.

Romper o poder da indústria dos combustíveis fósseis não será fácil, especialmente porque isso precisa acontecer rápido. Isso precisa acontecer, de fato, antes que o carbono que nós liberamos na atmosfera destrua o planeta. Não tenho certeza se nós venceremos esta luta – mas, graças ao IPCC, ninguém nunca mais poderá dizer que nós não fomos avisamos.

O artigo original foi publicado pelo The Guardian