Em um período marcado pela instabilidade política na América Latina, a Bolívia atravessa um momento de vácuo institucional e tensão nas ruas de suas principais cidades. À frente do Poder Executivo por 13 anos, Evo Morales renunciou neste domingo (10), depois de as Forças Armadas e a Polícia do país pedirem sua saída do cargo de Presidente do Estado Plurinacional da Bolívia, como forma de pacificar o país.

Segundo a Constituição boliviana, os sucessores de Morales deveriam ser, por ordem, o vice-presidente, a presidente do Senado e o presidente da Câmara dos Deputados, que também renunciaram, o que deixou o país em uma situação de indefinição sobre quem o governa. A 2a vice-presidente do Senado, Jeanine Añez, declarou-se chefe do Executivo, na terça-feira (12), mas a decisão não foi oficialmente aprovada pela maioria dos parlamentares, o que significa que a incerteza institucional continua. 

Enquanto o Congresso tenta resolver a crise de sucessão, manifestantes têm saído às ruas desde domingo para celebrar o fim da “era Morales” ou para  protestar contra o que consideram uma interrupção inconstitucional do mandato.

Os partidários da saída de Morales apontam que o ex-presidente não deveria ter sido candidato, depois que um plebiscito convocado por ele mesmo havia indicado que a maioria da população queria que se proibisse uma nova reeleição. Morales apresentou sua candidatura mesmo depois dessa derrota, contrariando a Constituição do país.

Nas eleições de outubro de 2019, a Organização dos Estados Americanos (OEA) foi convocada para verificar o processo eleitoral na Bolívia e identificou pelo menos 250 irregularidades no processo. Com base nisso, muitos analistas consideraram que houve fraude eleitoral.

Já os opositores à saída do ex-presidente afirmam que a sugestão das Forças Armadas de que ele deveria renunciar e a violência que alguns grupos usaram contra membros do governo antes da renúncia de Morales caracterizaram uma interferência inconstitucional. O ex-presidente afirma que foi obrigado a deixar o cargo e que continuará a defender o legado de seus três governos (de 2006 a 2019).

A maior parte dos manifestantes de ambos os lados tem exercido pacificamente seu direito de expressão, mas uma parcela desses grupos infelizmente tem recorrido à violência. Cenas inadmissíveis de perseguição a indivíduos, incêndios a residências e humilhações públicas têm sido registradas pela imprensa local, que também está sob ameaça.

Bandeira Wiphala, símbolo de diversos Povos Indígenas na Bolívia, tremula em La Paz (Crédito: Esteban Ignacio, no Flick)


Em um momento em que o país discute seu futuro imediato, parte da oposição a Evo Morales tem usado linguajar racista para referir-se ao grupos e indivíduos indígenas. Uma parcela dos setores mais conservadores também tem defendido
a eliminação de símbolos indígenas adotados como oficiais na nova Constituição Política do Estado de 2009, em reconhecimento à diversidade étnica do povo.

Nós, da 350.org observamos com preocupação o cenário atual da Bolívia e pedimos que os governantes e a sociedade do país reforcem seu compromisso com os valores fundamentais de respeito à democracia, aos direitos humanos e aos Povos Indígenas como pilares essenciais desse período de transição.

Na prática, isso significa que:

  1. Os manifestantes nas ruas, de quaisquer orientações políticas, a Polícia e o Exército atuem de maneira a garantir que nenhum indivíduo seja agredido, preso, torturado ou ameaçado pelas posições que defende.
  2. A Polícia e o Exército atuem de acordo com a lei no sentido de garantir que todas as pessoas tenham seus direitos humanos respeitados. 
  3. Manifestantes e líderes políticos evitem expressões racistas para se referir aos Povos Indígenas e respeitem a diversidade étnica e cultural da Bolívia, uma de suas maiores riquezas.
  4. A Polícia, o Exército e os manifestantes respeitem símbolos da diversidade étnica do país, como a bandeira Wiphala.
  5. A população indígena, por meio de suas organizações, tenha a liberdade efetiva de participação ativa nas discussões sobre o futuro do país, em seus aspectos político, econômico, social, cultural e ambiental. Convidamos os bolivianos de todas origens étnicas a reconhecer que os saberes tradicionais e as comunidades indígenas podem contribuir de maneira positiva para a resolução de problemas complexos.
  6. Os representantes políticos do país debatam seriamente os próximos passos a serem tomados, em especial a realização de novas eleições, dentro de preceitos democráticos e de valorização da pluralidade de opiniões, sem revanchismo e arroubos autoritários.
  7. Reprovamos totalmente o uso da violência em qualquer sentido.

Nas montanhas do altiplano, nas paisagens quentes das regiões de terras baixas ou na beleza diversa dos vales, a livre expressão do povo para alcançar soluções autônomas será sempre o melhor caminho.