Em novembro de 1995 o escritor nigeriano Ken Saro-Wiwa foi julgado injustamente e executado por liderar um movimento de resistência pacífica contra o genocídio do povo Ogoni na região do Delta do Níger, na Nigéria, operacionalizado por empresas petroleiras. Sua luta e militância contra a exploração de petróleo na região foi documentada pela pesquisadora brasileira Elisa Dassoler, documentarista e artista visual independente. Elisa é graduada em Geografia (UFSC), mestra e doutora em Artes Visuais (UDESC).

 

350: Elisa, conte um pouco do processo criativo do documentário, o que te levou ao nome de Ken Saro-Wiwa? 

ED: O filme Ken Saro-Wiwa, presente! (2017, disponível no YouTube) é fruto da minha pesquisa de doutorado. Quando eu ingressei no curso, em 2013, minha intenção era investigar coletivos artísticos de crítica à exploração de petróleo no Brasil. Por ser graduada em Geografia, minhas pesquisas tendem sempre a discutir conflitos territoriais e, naquela época, meu interesse era problematizar a comum retórica no Brasil de que a exploração do Pré-Sal seria nossa “salvação”. Então eu entrei no doutorado com esse desejo. Infelizmente na época não encontrei aqui nenhum grupo de artistas dedicados ao tema, mas descobri, pela internet, o coletivo britânico Platform, que desde 1995 vinha realizando diversos projetos artísticos de crítica aos combustíveis fósseis. Foi investigando sobre as ações desse coletivo que cheguei ao projeto Remember Saro-Wiwa e de cara me apaixonei pela história de luta do povo Ogoni. Então eu cheguei ao nome do Ken Saro-Wiwa pelo coletivo Platform.

 

350: Esse ano fará 25 anos da execução de Ken Saro-Wiwa. Em um momento em que todos falam de justiça climática, o quanto você acha que evoluímos nesses 25 anos? 

ED: Com certeza hoje em dia se fala muito mais sobre justiça climática do que nos anos 1990, mas isso não significa que as coisas tenham melhorado, especialmente no Sul Global. É muito triste ver que mesmo com o debate aquecido em torno da urgência de se praticar outro modelo energético, estamos avançando à passos curtos. Precisamos discutir mais sobre as consequências sociais e ambientais pautadas tanto na exploração de combustíveis fósseis quanto na destruição sistemática das florestas. A questão dos refugiados climáticos, por exemplo, que desterritorializa milhares de pessoas mundo afora, ainda é muito pouco discutida. Precisamos falar mais sobre esses assuntos e especialmente sobre como que os impactos das mudanças climáticas atingem as pessoas de diferentes modos, dependendo da sua classe social, localização, gênero, etnia.

 

350: Pela própria história de Ken, racismo ambiental é um tema forte em seu documentário. Existe um entendimento desse conceito pelas pessoas de modo geral? 

ED: Num país como o nosso, profundamente marcado pela escravidão, pelo genocídio indígena, pela violência no campo e pela negligência do Estado às necessidades básicas das populações em situação de vulnerabilidade social, acredito que as pessoas em nosso país saibam o que é o racismo ambiental, não pelo nome, pelo termo, mas porque elas vivenciam, elas sentem no seu dia-a-dia as práticas de racismo ambiental. Creio que o termo racismo ambiental, que surgiu lá nos anos 1980 nos Estados Unidos, em contexto de lutas por direitos sociais, esteja no Brasil mais difundido juntos aos movimentos sociais do campo e da cidade, aos circuitos acadêmicos e à uma pequena parcela da mídia que busca discutir, em maior ou menor medida, os impactos sociais gerados pelas práticas de racismo ambiental. Mas acredito que o termo é ainda bastante desconhecido pela população em geral.

 

350: Qual a principal lição e recado que gostaria que fosse compreendido pelos espectadores do seu filme? 

ED: Minha intenção com o filme Ken Saro-Wiwa, presente! foi apresentar ao público um pouco da história desse grande escritor nigeriano, um artista incrível que dedicou não somente sua arte, mas sua vida à luta do povo Ogoni, um grupo étnico minoritário que clama há mais de 50 anos por justiça social e ambiental. O modo pelo qual eu escolhi contar essa história, foi a partir da narrativa de familiares, artistas e ativistas que lutam para que a sua história não seja esquecida. Nesse sentido, o filme procura problematizar regimes de invisibilidade, como, por exemplo, com a criação e o aprofundamento de áreas de exclusão social e ambiental para atender as demandas crescentes por recursos naturais e energéticos. Em contrapartida, o filme também mostra formas de ativismos sociais e artísticos que buscam desvelar esse tipo de ações predatórias. Sabemos que a luta é grande, de um lado temos a força política, econômica e jurídica das grandes corporações multinacionais petrolíferas em conivência com os Estados nacionais, mas por outro há milhares de pessoas em todo o mundo que já estão convencidas de que precisamos criar modos de vida mais sustentáveis, pois esse que estamos vivendo não está dando certo.

 

Assista ao documentário Ken Saro-Wiwa, presente!

Conheça o coletivo Platform
Mais trabalhos da Elisa Dassoler 

 

Sobre a 350.org e as mudanças climáticas

A 350.org é um movimento global de pessoas que trabalham questões de mudanças climáticas e luta contra os fósseis para construir um mundo de energias renováveis, limpas e livres, lideradas pela comunidade e acessíveis a todos.

Desde o início, trabalhamos junto às comunidades indígenas e tradicionais que são as principais impactadas pelas mudanças climáticas e pelas ações da indústria fóssil, pois acreditamos que seu modo de vida deve ser respeitado, e ao respeitar seu modo de vida, preservamos a todos e todas que dependem de um meio ambiente equilibrado para sobreviver.

 

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Livia Lie – coordenadora de Campanhas Digitais da 350.org Brasil e América Latina, comunicóloga e Voluntária da Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima Água e Vida.

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