A população de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, tem convivido diariamente com uma ameaça ao clima, meio ambiente e a saúde. Mesmo com todo o mundo deixando de lado o investimento em combustíveis fósseis, como o petróleo, gás e carvão, e destinando recursos à implementação de energias renováveis para auxiliar a conter a crise climática, o estado brasileiro pode ganhar a maior mina de carvão a céu aberto da América Latina a menos de 20 quilômetros de sua capital.

Para entender melhor quais são as consequências do empreendimento e qual é o trabalho que está sendo realizado na região, conversamos com o gestor ambiental e organizador de campanhas da 350.org Brasil, Renan Andrade, que vem acompanhando de perto as questões relacionadas ao projeto da Copelmi Mineração, chamado Mina Guaíba.

 

  • Qual é o atual cenário do Rio Grande do Sul e da Mina Guaíba? 

 

A Mina Guaíba encontra-se em um processo de licenciamento ambiental avançado dentro da Fundação Estadual de Proteção Ambiental do Rio Grande do Sul (Fepam). Quando nós tomamos conhecimento disso, começamos a participar de audiências públicas para acompanhar parte desse processo de licenciamento. Os eventos, que até hoje foram realizados em Charqueadas (RS) e Eldorado do Sul (RS), não ocorreram de maneira informativa, ou seja, as pessoas não faziam – e algumas ainda não fazem – ideia do tamanho do projeto e o que essa mina pode representar para a região.

A partir de disseminação de informações sobre as consequências, muitas pessoas começaram a se mobilizar e, hoje, existem inúmeras frentes contra o projeto. Tudo isso se dá porque estamos falando de uma mina de carvão gigantesca, com potencial para se tornar um pólo carboquímico. Visto que a 350.org atua contra as mudanças climáticas e os combustíveis fósseis, viemos para Porto Alegre e iniciamos a construção de uma frente de resistência à Mina Guaíba, inclusive fornecendo apoio às comunidades nos diversos tecidos sociais localizadas aqui.

 

  • Você cita que as pessoas não fazem ideia do que a mina pode representar à região. Quais seriam os impactos do projeto para a Grande Porto Alegre? 

 

Sobre os impactos, posso dizer que eles são inúmeros. Eles permeiam todo o tripé da sustentabilidade, visto que existem impactos econômicos, sociais e, é claro, ambientais. Além disso, também podemos contar com um impacto cultural muito grande. Na prática, podemos dizer que os problemas começam na poluição do ar – porque com a mina ativa, vai existir uma suspensão de material particulado das atividades (poeira) muito grande. Segundo o próprio Estudo e Relatório de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) da Copelmi, empresa responsável pelo projeto, a poluição do ar pode aumentar em 241% com o empreendimento. Levando em conta que os ventos dominantes sopram em direção à Porto Alegre – não só Eldorado e Charqueadas estariam sofrendo com essa poluição, mas a capital também, que já é a segunda cidade do país com a pior qualidade do ar no estado, esse tipo de situação, poderá trazer consequências terríveis à saúde pública, com o aumento de casos de câncer de pulmão e outras doenças respiratórias.

Outro fator preocupante, é o rebaixamento do lençol freático dentro do projeto da Mina Guaíba. Como será implantado em uma área úmida, com muita água – razão de existirem tantas plantações de arroz na região –, é possível que esse rebaixamento chegue a 100 metros de profundidade. Ou seja, todos que estão na rota desse lençol freático sofrerão as consequências, pois ficarão literalmente sem água.

Para mim, um dos impactos mais significativos é a contaminação em um raio de 200 quilômetros do empreendimento, das plantações de arroz. Todo o arroz poderá ser contaminado pelo arsênio (material volátil presente no carvão), e isso é muito complicado, visto que este material é extremamente cancerígeno e o arroz o absorve tanto pela raiz quanto pela parte aérea da planta. Além de tudo isso, existe a incompatibilidade do projeto, pois ele se instala próximo a uma área de preservação ambiental, a reserva do Delta do Jacuí, então trata-se área protegida legalmente e isso também não está sendo respeitado.

 

  • E quem seriam os principais afetados pelo projeto? Como eles estão reagindo à situação? 

 

Ao meu ver, os principais afetados seriam a comunidade indígena Mbya Guarani, que está há menos de 3 quilômetros da área destinada ao empreendimento e já vem sofrendo ameaças ao resistir ao projeto. No EIA/RIMA da Copelmi, inclusive, eles não foram reconhecidos como aldeia, mas como uma “possível aldeia indígena”. Porém, dentro de um processo de licenciamento ambiental é esperado que os povos originários e tradicionais sejam ouvidos muito antes de qualquer procedimento e instalação. É obrigatória uma consulta prévia, livre e informada – e isso não aconteceu nem com eles, nem com os pescadores do Rio Jacuí, outra comunidade que será profundamente afetada.

Além disso, o Assentamento Apolônio de Carvalho, que hoje é responsável pela maior produção de arroz agroecológico da América Latina, produtores de arroz convencional, e os moradores do Loteamento Guaíba City, que irão perder suas terras também. De qualquer modo, vejo que a população ainda necessita de mais informações sobre o projeto. O modelo de negócio dos combustíveis fósseis historicamente age dessa forma – apenas contam, ou até mesmo impõem, que vão implementar um negócio que será bom para a economia, mas nunca deixam claro todas as outras consequências que virão com o projeto. 

 

  • Quais são os trabalhos que estão sendo feitos para mobilizar e conscientizar a população geral acerca dos impactos da mina? 

 

Quanto ao nosso trabalho, primeiro foi feito um reconhecimento da área, fomos às comunidades possivelmente afetadas, às comunidades indígenas e tudo mais. Dessa forma, conseguimos conversar, criamos termos de cooperação técnica com eles e começamos a levar mais informações sobre o que seria esse empreendimento, quais as consequências dele sobre a ótica ambiental e social. 

Estamos realizando seminários técnicos e pretendemos seguir com isso, colocando-os também em outras cidades, principalmente Charqueadas e Eldorado do Sul, além de fortalecer as mobilizações em inúmeros tecidos sociais para chegar nas escolas, nas casas das pessoas. Porque esse é o nosso principal papel aqui: levar informação e, com a população empoderada por esse conteúdo, eles poderão decidir se a Mina Guaíba é benéfica ou não para a região. 

  • E qual é o principal objetivo da atuação na região? 

O nosso principal objetivo é barrar esse empreendimento, um projeto completamente obsoleto. A exploração do carvão é uma prática da Revolução Industrial – que terminou por volta de 1840 –, e tem sido abandonada em todo o mundo. A China, que é um dos principais países investidores desse projeto, está abandonando esta matriz também. Inclusive, quando vemos fotos de pessoas de máscaras por lá, essas são consequências claras da exploração de carvão no país. A linha é essa: vamos levar informação, juntar a população e manter os combustíveis fósseis no chão. 

E eu acho que nós teremos êxito! Estamos usando técnicas de advocacy bem estabelecidas, um plano estratégico bem alinhado, levando informações e mostrando às lideranças que não é o poder econômico que define o que é de interesse público, mas que é o público de verdade é quem deve tomar essas decisões. 

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Paulinne Giffhorn | [email protected]

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