Este é o quarto artigo da série “Dinheiro fóssil”, que aborda como o sistema financeiro global apoia e alimenta o colapso climático. Leia o primeiro artigo aqui, o segundo aqui e o terceiro aqui. Fique atentx às próximas publicações!

Você acorda e se vê perdidx no labirinto do dinheiro fóssil. À sua volta, muros chamuscados e o cheiro forte de fumaça. Aos seus pés, o duto de dinheiro fóssil que alimenta toda a operação. À medida que você desce pelo labirinto, ele se divide e se mescla em diferentes corredores. Esse duto, como você já sabe, começa nas instituições financeiras. Mas para onde ele vai? Siga-nos para descobrir!

Quando falamos de combustíveis fósseis, na verdade estamos falando de várias coisas diferentes. Há tipos variados, do carvão ao gás, e cada um deles tem subcategorias. É preciso contabilizar também outras partes da indústria, como instalações de transporte – como gasodutos, oleodutos e terminais de gás natural liquefeito (GNL).

Por que isso é importante? Bem, quando o poder das pessoas faz com que as instituições financeiras retirem seu dinheiro dos combustíveis fósseis – o que chamamos de desinvestimento –, isso não costuma acontecer imediatamente. Embora muitos bancos, gestores de ativos e fundos de pensão tenham anunciado que vão parar de financiar projetos de combustíveis fósseis, na maioria das vezes, há ressalvas. Por exemplo, quando prometem parar de financiar o carvão. Ou o fracking. Ou perfurações no Ártico. Ou a extração. Ou o transporte.

Isso não é suficiente: precisamos que esse fluxo seja completamente – e não apenas parcialmente – interrompido. Por isso, criamos esta lista. Para que você saiba exatamente o que seu governo, banco, fundo de pensão ou seguradora está prometendo.

Carvão

Foto: Ativistas do Ende Gelände entrando numa mina de carvão. Marco Kühne/350.org

 

O infame carvão é o maior destruidor do clima entre todos os combustíveis fósseis, além de ser o mais barato e abundante. Seu uso é alvo de ações populares há mais tempo por ser muito prejudicial e onipresente, o que levou muitos governos e instituições financeiras a anunciarem que não financiariam mais esse combustível. Mas infelizmente esses anúncios não costumam se transformar em ação.

O investimento na indústria do carvão geralmente assume duas formas: os bancos investem em mineração ou usinas de carvão. A indústria precisa de ambos, e eles são igualmente destrutivos. Tanto uma quanto outra são dominadas mundialmente por bancos chineses – que estão por trás de cerca de 80% do dinheiro que entra nesse fluxo (ver o relatório Apostando no caos climático para mais informações). Esses, contudo, não são os únicos investimentos possíveis. Há outros como terminais portuários para transporte de carvão.

Os gestores de ativos financeiros despejam grandes quantias no fluxo do carvão. A Reclaim Finance mostrou em 2021 que a maioria dos grandes gestores do mundo não tinha políticas abrangentes de desinvestimento em carvão.

Petróleo e gás

Foto: Guarda Costeira dos EUA via Getty Images

 

Petróleo e gás são os outros dois principais combustíveis fósseis. O petróleo é uma substância líquida, processada para se tornar diferentes tipos de combustível – como gasolina, diesel ou querosene (usado na aviação) – e para uso em sistemas de aquecimento em países com temperaturas mais baixas. Já o gás é usado principalmente para geração de eletricidade, aquecimento e cozinha, mas também tem outros fins.

Ao longo da sua trajetória no ativismo climático, você poderá ouvir – falsamente – que o gás é um combustível de “transição”. Isso significa que os governos planejam substituir a eletricidade gerada a carvão pela gerada a gás, em vez de adotar fontes limpas, como solar ou eólica. Na maioria dos casos, se não em todos, esse suposto passo intermediário nos prende a emissões que explodem as metas climáticas globais e nacionais.

As instituições financeiras investem dinheiro em petróleo e gás em diferentes etapas da cadeia de fornecimento. Os investimentos a montante referem-se à perfuração (extração do combustível do planeta). Há também investimentos relacionados ao transporte por dutos e navios-tanque, bem como o processamento dos combustíveis, e ainda investimentos na ponta – venda e uso, incluindo usinas a diesel e gás.

Os bancos europeus – que frequentemente anunciam metas de redução de emissões com alarde – na verdade não pararam de investir em mais petróleo e gás. Segundo um relatório publicado pela ShareAction em fevereiro de 2022, os bancos da Europa investiram mais de 400 bilhões de dólares apenas na expansão do setor.

Os gestores de ativos americanos também possuem grandes investimentos em petróleo e gás. Em 2019, o InfluenceMap publicou dados mostrando que o Vanguard e o BlackRock – dois dos maiores gestores de ativos do mundo – tinham cerca de 140 bilhões de dólares investidos nesses combustíveis fósseis..

Fracking

Em áreas onde a perfuração de xisto/fracking é pesada, uma densa rede de estradas, dutos e poços transformam florestas e pastagens em ilhas fragmentadas. Foto: Bruce Gordon na EcoFlight. Lic: CC BY 2.0

 

O fracking (ou fraturamento hidráulico) é uma técnica para extrair petróleo e gás de um tipo específico de rocha. Essa modalidade é muito problemática por diversas razões. Utiliza muita água, é uma importante fonte de metano e afeta comunidades, poluindo reservas hídricas locais e provocando atividade sísmica.

Muitos países, incluindo França, Irlanda e Holanda, já proibiram o fracking. Outros, como os EUA e a Argentina, baseiam grande parte de suas políticas energéticas nessa perigosa técnica.

Como o fracking se tornou mais presente nos EUA, não é de se estranhar que bancos americanos como o Wells Fargo e o JP Morgan estejam entre as instituições financeiras que investem mais dinheiro nessa técnica destruidora do clima. Os bancos japoneses também investem pesado no fracking.

Oleodutos

Eric Dooh mostra o petróleo bruto que contaminou as margens do arroio que cruza a aldeia Goi, em Ogoniland (Nigéria). Vários vazamentos de um oleoduto da Shell contaminaram fortemente esse curso d’água ao longo de quilômetros, matando peixes e eliminando outras formas de vida. Foto: Milieudefensie, 2013.

 

Combustíveis fósseis, como petróleo e gás, demandam transporte para serem processados e, em seguida, consumidos. Sem mobilidade, eles são inúteis! Aqui os oleodutos entram em cena, representando alguns dos maiores desenvolvimentos de combustíveis fósseis da atualidade.

Os oleodutos integram os ativos com alto risco de se tornarem ativos encalhados: sua construção e manutenção são caras, e o investimento nesse tipo de infraestrutura só pode ser recuperado a longo prazo.

Entre os maiores oleodutos em construção, podemos destacar:

  • o Oleoduto de Petróleo Bruto da África Oriental (EACOP), que poderá transportar – se finalmente construído, já que ainda depende de financiamento – petróleo bruto de Uganda para a costa da Tanzânia. Alguns bancos já afirmaram que não contribuirão para o projeto. Outros como Deutsche Bank (Alemanha), JP Morgan Chase (EUA) e MUFG (Japão) seguem apoiando. O financiamento do projeto é liderado pela francesa Total.
  • O Projeto de Expansão do Oleoduto Transmontanha (TMEP) é um grande oleoduto em construção no Canadá. Trata-se de um prolongamento de mais de 1.000 km de uma antiga infraestrutura com um longo histórico de vazamentos de petróleo. Ele poderá transportar petróleo das areias betuminosas de Alberta para a costa oeste canadense. O itinerário do oleoduto invadiria terras pertencentes às Primeiras Nações, que o denunciaram. O projeto ainda está em busca de recursos – em fevereiro de 2022, o governo canadense anunciou que não o financiaria.
Outras infraestruturas de combustíveis fósseis

A indústria de combustíveis fósseis precisa de uma vasta infraestrutura no caminho desde a extração até a queima. Entre os exemplos de infraestrutura altamente danosa, podemos citar expansões de aeroportos, terminais de GNL e estradas de serviço em áreas extrativas.

Portanto, fique de olho nos combustíveis fósseis, mas não esqueça que há outras coisas necessárias para produzi-los, transportá-los e, finalmente, usá-los. Seu banco ou fundo de pensão pode dizer que não está investindo em carvão. No entanto, se eles financiam a estrada que leva à mina de carvão, eles fazem parte do problema do dinheiro fóssil.