Este artigo mostra que, apesar dos muitos motivos para preocupação com relação às mudanças climáticas, algumas decisões anunciadas às vésperas da COP 20 conferiram novo fôlego – e expectativas – às negociações climáticas.

Omundo não vai bem. Enchentes na Itália, um ano do tufão Hayan, o ano mais quente da história do planeta, secas antes inimagináveis mas já previstas por cientistas em vários pontos do mundo como na Califórnia e em São Paulo.

Nesta última, uma das maiores metrópoles do mundo, 20 milhões de habitantes podem ficar desabastecidos de água nos próximos dias pela seca inédita que atinge a região. Catástrofes climáticas não faltam.

E mesmo com tantas evidências e fatos já consumados, ainda há uma forte resistência de governos de todo o mundo para agir no combate às mudanças climáticas. Embora seja difícil de compreender a razão disso, a explicação mais plausível parece ser o forte interesse econômico em torno da questão ambiental e climática. Mas de que adianta o dinheiro em um planeta com recursos esgotados e devastado pelas mudanças climáticas?

Em reação à necessidade urgente, movimentos de grandes governos mostraram, nas últimas semanas, que ainda há esperança na promoção de mudanças positivas que estão por vir. Anúncios significativos no combate ao aquecimento global foram feitos. Os membros do G-20 — grupo que reúne 85% do produto interno bruto (PIB) mundial, 80% do comércio global e dois terços da população total — anunciaram a contribuição de US$ 3 bilhões para o Fundo Verde para o Clima (GCF, sigla em inglês) das Nações Unidas. Na mesma direção, o Japão logo declarou a doação de US$ 1,5 bilhão, e o Reino Unido estuda a possibilidade de contribuir com mais US$ 1 bilhão.

Contudo, o anúncio mais surpreendente veio de um acordo entre as duas maiores potências econômicas mundiais — e também os maiores emissores de gases de efeito estufa. Após meses de negociações sigilosas, China e Estados Unidos declararam um compromisso sem precedentes com vistas a reduzir emissões de gases poluentes e potencializar o esforço para concluir um acordo global sobre mudanças climáticas em 2015. Considerado histórico, o acordo prevê que a China, conhecida por não se comprometer com questões climáticas, atinja o ápice de suas emissões de CO2 até 2030, quando então elas deverão começar a cair. Já os Estados Unidos deverão reduzir, até 2025, as emissões entre 26% e 28% em relação a 2005. Quão significativo é esse anúncio? Muito – se considerarmos que, juntas, as duas potências respondem por 45% do CO2 emitido em escala global. Isso sem mencionar o potencial do acordo para mudar os rumos da política climática e alterar os passos do modelo energético adotado hoje no mundo.

Apesar da relevância dos acordos firmados recentemente, a humanidade foi longe demais na exploração desmedida dos recursos naturais do planeta. Isso nos leva à necessidade de decisões mais drásticas que os acordos recentes se quisermos de fato reverter o processo do cenário climático atual. A mitigação é necessária e deve ser tratada como prioridade. Melhorias no sistema de transporte público, em eficiência energética e precificação de emissão de gases de efeito estufa são algumas possibilidades que gerariam resultados positivos para o clima.

No Brasil, a lista de adaptação requer prioritariamente a redução do desmatamento e a mudança do agronegócio, já que este é o setor da economia que mais contribui para as emissões brasileiras, responsável por 59% do total. No mundo, o modelo de desenvolvimento focado em combustíveis fósseis também é um obstáculo que deve ser

revisto. Nesse sentido, o acordo entre China e Estados Unidos constitui um importante passo para reverter as mudanças climáticas. Contudo, trata-se de uma medida insuficiente: é preciso que seja acompanhado de políticas de mitigação global.

Para analistas, o movimento encabeçado pelas duas maiores potências mundiais pode mudar o cenário de conformismo e inação visto nas últimas cúpulas do clima. “Isso deveria estimular os demais grandes emissores – Índia, Rússia, Indonésia e Brasil – a apresentarem também compromissos pós-2020 de ambição compatível”, afirmou Tasso Azevedo, do Observatório do Clima, em entrevista recente ao jornal Folha de S. Paulo. Um dos principais ganhos é que os dois países devem deixar de travar as negociações do almejado acordo global de redução de emissões.

Diante de tais anúncios relevantes e de um caminho aparentemente livre para negociações, a Conferência das Partes (COP, sigla em inglês) de Lima – que, há algumas semanas, era pensada como mais uma cúpula no rol de reuniões de líderes, com muitas falas e pouca atitude – mostra-se agora com grande potencial de surpreender em discussões positivas, propostas concretas e, quem sabe, viabilize um acordo que valha de fato a pena para o planeta na COP de Paris. A expectativa é de que menos pisco sours e mais ações estão por vir.

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por Nicole Oliveira
Líder de equipe da 350.org para América Latina.