‘Contaminação das águas de superfície e aquíferos, causa de doenças crônicas e impacto irreversível à biodiversidade são fatos comprovados que não podem ser ignorados´, afirmam especialistas
Por Silvia Calciolari
“A cada novo estudo divulgado, o fracking se revela mais mortal e devastador e nos certificamos que não queremos correr riscos”, defendeu Nicole Figueiredo de Oliveira, diretora da 350.org Brasil e América Latina durante palestra na 6ª Conferência Estadual das Cidades, realizada na noite desta quinta-feira (17) em Foz do Iguaçu, no Paraná.
Nicole apresentou um panorama dos estudos internacionais sobre os impactos do fracking e como cresce a cada dia a oposição em todo o mundo a essa tecnologia altamente contaminante. “Em função destas pesquisas, muitos países, estados, províncias e municípios já proibiram essa técnica. Inclusive nos Estados Unidos, os estados de Nova Iorque, Maryland e muitos outros estão debatendo o banimento”, informou. Recentemente, a Irlanda proibiu a tecnologia.
O fraturamento hidráulico é um método não convencional utilizado para explorar o gás de xisto (shale gas) contido no folhelho pirobetuminoso que fica no subsolo em grandes profundidades. Para quebrar a rocha, são necessários cerca de 35 milhões de litros de água, misturados à areia e um coquetel com mais de 700 substâncias químicas, muitas delas cancerígenas e até radioativas.
Os estudos recentes comprovam os riscos de contaminação da água, do solo e do ar. “Já estão disponíveis estudos de instituições internacionais, muitas americanas, que relacionam o fracking a doenças degenerativas, pulmonares, reprodutivas e vários tipos de câncer. Os mais impactados são as crianças e os idosos”, destacou Nicole.
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Nicole lembrou ainda que as emissões fugitivas dos gases de efeito estufa decorrentes do fracking estão contribuindo para o aquecimento global e intensificando as mudanças climáticas. “Uma pesquisa recente desmentiu a indústria ao demonstrar que as emissões são muito maiores que as previstas. O Brasil, caso aconteça o fracking aqui, passará de 5º para o 3º maior emissor desses gases”, completou.
O seminário sobre fracking foi mediado pelo professor e ex-secretário de Fazenda do município de Toledo, Neuroci Frizzo, que exaltou a importância da proibição. “Na nossa região, no Oeste do Paraná, temos duas safras por ano e não podemos ficar à mercê de interesses econômicos internacionais”, alertou. A região Oeste, que tem grande produção agrícola, de suínos e aves, foi a primeira do Brasil a ter uma mobilização popular e de gestores para proteger as cidades da contaminação do fracking.
Aquífero Guarani
O geólogo e professor da Universidade Federal de Santa Catarina, Luiz Fernando Scheibe, detalhou em sua palestra a relação da exploração do gás de xisto por fraturamento hidráulico e a contaminação das águas.
“Se olharmos as regiões do Brasil que tiveram os blocos vendidos para a exploração do gás de xisto vemos que coincidem com os nossos principais aquíferos. No Sul, o uso dessa tecnologia impactará diretamente os aquíferos Guarani e Serra Geral”, ressaltou Scheibe.
O Aquífero Guarani é uma reserva subterrânea de água doce, localizada na região sul da América do Sul, em partes do território do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. A reserva ocupa uma extensão de terra de, aproximadamente, 1,2 milhão de quilômetros quadrados. Para se ter uma ideia do tamanho, ela tem capacidade para abastecer, de forma sustentável, cerca de 400 milhões de habitantes, com 43 trilhões de metros cúbicos de água doce por ano.
Se houver fracking, toda a produção agrícola e a vida das pessoas nessas regiões estará comprometida. “As cidades precisam saber que haverá contaminação das águas de superfície e subterrâneas e barrar essa técnica”, enfatizou Scheibe.
Proibição total
“Por todos esses aspectos contaminantes e devastadores, é fundamental aprovar legislações banindo o fracking, seja nas cidades, estados e no país”. É o que defendeu Juliano Bueno de Araujo, coordenador de campanhas climáticas da 350.org Brasil e fundador da COESUS – Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida.
Desde 2013 a COESUS realiza a campanha Não Fracking Brasil para impedir que o gás não convencional aconteça no país. Mais de 350 cidades brasileiras já aprovaram legislação que proíbe operações de fracking, adotando um modelo idealizado pela campanha e disponibilizado às Prefeituras e Câmaras de Vereadores.
Juliano lembrou que o Paraná é o primeiro estado brasileiro a ter uma legislação que trata do fracking. A Lei 18.948/2016 suspende por 10 anos a emissão de licenças para a exploração do gás de xisto, proibindo inclusive a pesquisa sísmica. “Foi uma grande conquista, mas não é a mesma garantia que nos dá uma lei que proibisse definitivamente esse método. Vamos continuar a lutar por uma legislação banindo o fracking do Brasil por seus impactos à água, à vida e ao clima”, enfatizou Juliano.
A 6ª Conferência Estadual das Cidades foi organizada pelo Conselho das Cidades do Paraná (Concidades), da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Urbano, e aprovou as propostas que serão levadas para a Conferência Nacional das Cidades, que acontecerá em Brasília, em data ainda não definida.