Elites políticas, agências governamentais corruptas e corporações irresponsáveis não hesitam em usar ameaças ou violência para proteger seu capital e seu poder. Seja defendendo terras onde vivem povos originários ou protegendo florestas das garras de corporações de mineração ou fracking, seja atuando em ativismos urbanos que desafiam o poder da indústria dos combustíveis fósseis, ativistas ambientais e climáticos estão encarando um nível inédito de violência e ameaças que os defensores dos interesses extrativistas dirigem a eles.

Contrastando com esse cenário conflitivo, há uma esperança no horizonte: o Acordo de Escazú. Vale a pena saber mais sobre ela.

O Acordo de Escazú é um acordo multilateral inédito, assinado por 16 nações da América Latina e do Caribe em setembro, que pode – se sua implementação for bem-sucedida – se tornar uma ferramenta crucial para a proteção do meio ambiente e do clima nos próximos anos. As sessões de negociação deste acordo com força de lei, realizadas entre maio de 2015 e março de 2018, envolveram 24 dos 33 países da região.

O Acordo de Escazú obriga os estados a protegerem os povos e os grupos que defendem o meio ambiente. Isso quer dizer que todo mundo será capaz de:

  • Acessar informações sobre a situação ambiental e sobre como projetos particulares podem afetar o meio ambiente;
  • Ser consultado e participar de decisões que podem afetar nosso meio ambiente;
  • Buscar reparações judiciais se nosso meio ambiente for afetado ou se nossas opiniões não forem levadas em conta.

Em 8 de setembro, em Pasto, capital do departamento de Nariño, no sudoeste da Colômbia, dezenas de organizações camponesas, artísticas, acadêmicas, indígenas e sociais se reuniram para reivindicar e defender seus territórios de atividades extrativistas como o fracking, que ameaça as reservas de água e a biodiversidade. Foto de David Moreno-Galeano | Survival Media Agency

Estas são grandes vitórias para as comunidades e para o meio ambiente em uma região que tem as taxas mais altas de assassinatos e ameaças a defensores da ecologia.

Assinado por Antigua e Barbuda, Argentina, Brasil, Costa Rica, República Dominicana, Equador, Guatemala, Guiana, Haiti, México, Panamá, Paraguai, Peru, Santa Lúcia (um pequeno país insular no Caribe), Bolívia e Uruguai, o Acordo inaugura novas possibilidades, porque:

  • É o primeiro acordo multilateral a incluir o reconhecimento e os pedidos de proteção específicos dos direitos dos Defensores do Meio Ambiente;
  • É o primeiro acordo ambiental da região da América Latina e do Caribe;
  • É o primeiro tratado a emergir dos processos da Rio+20;
  • Une-se ao outro único acordo regional sobre democracia ambiental: a Convenção de Aarhus, assinada pela União Europeia.

Não foi desenvolvido somente pelos governos, mas foi resultado de anos de trabalho de grupos comunitários e da sociedade civil. Conversei com Rubens Born, que trabalha com a proteção de defensores do meio ambiente há 20 anos na América Latina e que atualmente está trabalhando com a 350.org na região. Ele participou, enquanto representante da sociedade civil, do desenvolvimento do Acordo de Escazú.

O processo

O processo de construção do Acordo de Escazú foi singular, bastante diferente do de outros acordos. Em muitas reuniões de altas autoridades como esta, geralmente as organizações da sociedade civil podem apenas fazer uma fala de 2 a 3 minutos ao final do dia. Mas no caso do Escazú, nossos representantes puderam sentar na mesa de negociação em que estavam os diplomatas. Se ao menos um país apoiasse nossa proposta, ela seria incorporada à versão preliminar do texto. E foi exatamente assim que os Defensores do Meio Ambiente acabaram aparecendo no acordo.

O acordo traz muita esperança e soa muito forte no papel, mas ele chega em um momento calamitoso – não há como saber o quanto ele será efetivo. Perguntei a Rubens o que será necessário para sua implementação efetiva:

A implementação é crucial

Precisamos estudar as oportunidades que Escazú nos oferece, identificar os estágios de implementação para cada país que assinou o acordo e transformar a linguagem genérica do acordo, ao estilo da ONU, em políticas no nível nacional. Precisamos nos assegurar de que os países sejam capazes de colocar essas políticas em vigor e de que a garantia de proteção dos defensores do meio ambiente seja implementada na prática. Este desafio é enorme. Precisamos fazer com que as interpretações domésticas do acordo reconheçam que não estamos protegendo apenas os seres humanos, mas as florestas, animais, rios, o clima e a terra também.

O Acordo de Escazú não é significativo apenas para a América Latina e o Caribe. Neste momento marcado por um autoritarismo crescente, pela redução dos espaços de participação cidadã e pelo desrespeito aos direitos humanos e ambientais, o Acordo pode ser uma luz para todos apoiarmos e aprendermos com ela. Este apoio pode se manifestar como solidariedade no que diz respeito à implementação doméstica, e o aprendizado pode inspirar uma nova onda de proteção para os defensores do meio ambiente em outras partes do mundo. Com uma janela temporal incrivelmente estreita para impor um limite às mudanças climáticas, precisamos de mais pessoas se posicionando para proteger nosso meio ambiente e clima da extração de combustíveis fósseis – e precisamos manter uns aos outros seguros enquanto fazemos isso.

Para mais informações:

O texto do Acordo de Escazú está disponível em inglês, francês, espanhol e português em https://www.cepal.org/en/escazuagreement

O texto completo em inglês pode ser acessado em: https://repositorio.cepal.org/bitstream/handle/11362/43583/1/S1800428_en.pdf

Existe um centro de informação para participação e justiça em questões ambientais na América Latina e no Caribe: https://www.cepal.org/en/publications/43302-access-information-participation-and-justice-environmental-matters-latin-america