Por Aaron Packard, coordenador de Impactos Climáticos Globais da 350.org
Ao observar as imagens aéreas do British Antarctic Survey, o primeiro sentimento que temos é de uma apreensão aterradora. Vemos uma grande fenda que se prolonga com rapidez pela plataforma de gelo Larsen.
É possível ver a imensa vastidão da Antártida cortada por uma falha, como um prato que caiu e se quebrou. As falésias de gelo prolongam-se centenas de metros até o oceano, exposto pela primeira vez em milhares de anos e de um azul profundo.
A expectativa dos cientistas é de que, em questão de dias, a fenda alcance o fundo da plataforma de gelo Larsen, colocando à deriva um iceberg gigantesco – do tamanho do estado norte-americano de Delaware, com duas vezes a área de Samoa – em uma das maiores mostras de destruição relacionadas ao aquecimento global.
É por isso que enviamos uma petição ao US National Ice Centre (comitê responsável pelos nomes antárticos) para mudar o nome desse iceberg para Exxon Knew 1 [Exxon sabia 1]. Deixe-me explicar por quê.
Desde 1950, a temperatura na região da plataforma de gelo Larsen subiu cerca de três graus Celsius. A Península Antártica é uma janela para um futuro perturbador, plausível e não muito distante, no qual entra em colapso o clima relativamente estável em que a Terra se desenvolveu até então. Três graus de aquecimento espalhados pelo planeta são uma indicação de sofrimento terrível. Esse aumento significa seca, fome, elevação do nível do mar, tempestades, incêndios e muito mais. Geralmente sou do tipo otimista, mas esse cenário me perturba quando me deparo com o prognóstico de um planeta totalmente estranho e inóspito.
A violenta ruptura da plataforma de gelo Larsen também me causa outro sentimento: um nó no estômago. Isso não é um acidente. Um planeta três graus mais quente não será acidente.
De agora em diante, o ritmo e a extensão do aquecimento global serão, em grande parte, determinados pela quantidade de carvão, gás e petróleo que extraímos e queimamos. Para fazer com que o aquecimento global não ultrapasse 2 graus – o que, na verdade, não é o ideal –, pelo menos 80% das reservas de combustível fóssil conhecidas devem ser mantidas no subsolo.
As empresas de combustíveis fósseis têm conhecimento dos números relacionados às mudanças climáticas há décadas. Primeiro, mesmo tendo consciência, eles batalharam para negar a situação: gastaram dezenas de milhões de dólares financiando grupos que negavam a existência das mudanças climáticas e procuraram influenciar as pessoas para que duvidassem da ciência relacionada a esse tema. No entanto, negações e mentiras não duram para sempre, e em algum momento a verdade começa a aparecer.
Poucas empresas entravam tanto as ações contra as mudanças climáticas como a gigante do combustível fóssil Exxon. Em uma campanha devastadora e consciente realizada em 1962, a Humble Energy, divisão da empresa que passaria a ser conhecida como Exxon, publicou um anúncio de página inteira na revista Life vangloriando-se de sua habilidade para derreter geleiras. Dizem que o tempo nos faz de tolos, mas a Exxon não foi tola: foi irresponsável e criminosa.
Após extinguir, na década de 1980, a equipe de cientistas que pesquisava mudanças climáticas, a empresa conspirou ao arquitetar a negação desse processo. Décadas mais tarde, depois de postergar com sucesso as ações globais contra as mudanças climáticas, a Exxon está sendo julgada em tribunais norte-americanos por enganar o público a respeito dessas questões.
Com a derrocada da negação das mudanças climáticas, as empresas de combustíveis fósseis agora fingem se preocupar com o assunto ou adotam uma abordagem que poderia ser chamada de absolutamente gananciosa. No mês passado, Peter Coates, presidente da Santos, uma das maiores empresas de petróleo e gás da Austrália, admitiu que o modelo de negócio de sua empresa se baseia em um cenário de 4 graus de aquecimento, dizendo aos acionistas que tal visão era “sensata” e que “valeria a pena”. Esperarei alguns minutos para que você possa digerir isso.
Ao me deparar com essa falta de cuidado em relação aos demais seres humanos e à vida no planeta, muitas palavras rudes me vêm à mente. De forma muito clara e simples: 4 graus de aquecimento é uma pena de morte para a vida na Terra como a conhecemos.
Há uma quantidade relativamente pequena de empresas públicas e privadas com foco absoluto em seu lucro e sem qualquer preocupação com o que isso representa para o aquecimento do planeta. Nunca na história tanta coisa dependeu do que acontece com essa quantidade limitada de empresas.
É importante que as pessoas saibam que a Exxon e outras empresas são criminosas. E que o público entenda as consequências de décadas de negação das mudanças climáticas.
A Exxon sabia. É por isso que entregaremos uma petição ao US National Ice Centre para mudar o nome desse iceberg para Exxon Knew 1.
Quanto ao iceberg em si, os cientistas acreditam que, ao se desprender da plataforma de gelo Larsen, ele será muito instável e provavelmente se desintegrará de forma rápida. Resta-nos torcer para que aconteça o mesmo com os planos de extrair quantidades perigosas de carvão, petróleo e gás.