24 outubro, 2024

Líderes indígenas na COP16 cobram financiamento climático direto e o fim do petróleo e gás na Amazônia

Representantes de seis regiões apontam que países amazônicos só alcançarão suas metas climáticas e de biodiversidade se agirem para tornar o bioma uma área livre de combustíveis fósseis

FOTOS: Baixe aqui (para uso apenas em conteúdos sobre o evento)

Cali, Colômbia – Líderes indígenas de seis diferentes regiões da Amazônia uniram-se hoje no evento Amazônia Livre de Petróleo e Gás, na COP16 (conferência da ONU para a biodiversidade, na cidade colombiana de Cali), para pedir o fim da exploração de combustíveis fósseis no bioma amazônico e o impulso ao financiamento direto a povos indígenas para promoverem ações pela preservação da biodiversidade e do clima.

Os participantes compartilharam relatos sobre seus territórios para mostrar que a exploração de combustíveis fósseis tem trazido uma série de impactos negativos nas últimas décadas: degradação de rios e terras, problemas de saúde devido aos vazamentos, insegurança alimentar pelos impactos sobre a pesca e a caça e perseguição aos representantes indígenas que se posicionam contra a atividade das empresas fósseis em suas terras.

Diante dessas ameaças, os participantes lembraram aos governantes de seus países que eles têm a obrigação de garantir os direitos dos povos indígenas e que as comunidades tradicionais têm se destacado há décadas como os melhores gestores dos recursos naturais, liderando a preservação de áreas fundamentais para a biodiversidade, o clima global e as economias nacionais.

Também cobraram das empresas estatais e privadas do setor fóssil que deixem de destruir o meio ambiente e nomearam os principais responsáveis pelos impactos em seus territórios (ver abaixo). Nessa lista de destruidores, incluíram os bancos e governos que financiam a infraestrutura desse setor e cobraram que essas instituições revertam seus recursos para o combate à crise climática, e não a ações que prejudiquem os povos indígenas.

Explicaram, ainda, que é importante direcionar recursos diretamente aos povos indígenas, para que possam acessar mais facilmente os fundos necessários e tenham autonomia para definir prioridades de investimento.

Os participantes trouxeram, ainda, um questionamento ao modelo econômico e político do qual o setor de petróleo e gás faz parte, o do extrativismo. As lideranças contaram que a extração petroleira e gasífera na Amazônia nunca trouxe melhoria das condições de vida dos povos indígenas. Ao contrário, causou poluição, doenças, violência e tentativas de apagamento de sua presença. Para os povos indígenas, desenvolvimento significa respeitar a vida, e não promover o enriquecimento de poucas pessoas em detrimento da floresta.

Ao fim do encontro, vários representantes indígenas que assistiram ao seminário puderam reagir brevemente sobre o que ouviram e reforçar seu apoio às posições dos palestrantes. As falas de despedida reforçaram que os povos indígenas estão unidos na luta por uma Amazônia livre de petróleo e gás e por um modelo de desenvolvimento que priorize a biodiversidade, o clima e a visão de mundo dos povos da floresta.

O seminário Amazônia Livre de Petróleo e Gás recebeu o apoio da 350.org e do Climainfo.

Veja a seguir destaques da fala de cada participante.

Cacique Jonas Mura, pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) 

Jonas Mura afirmou que a extração de gás no Amazonas, em áreas próximas a territórios indígenas, prejudica as comunidades e obriga os povos indígenas a se posicionarem. Conclamou os povos indígenas a uma “corrente de união” pela floresta e pelos animais.

Frases:

“Estamos aqui, de braços dados, lutando por uma única causa, a da proteção dos nossos territórios. Não estamos tendo respeito, muito menos da parte dos nossos governantes, que estão vendendo nossas terras com nossos parentes dentro”.

“Nossos ancestrais há muitos anos vêm protegendo florestas, rios e lagos, mas os homens brancos vêm destruindo isso para tirar os combustíveis fósseis que existem debaixo das nossas terras. Quem está pagando por isso, somo nós, os povos indígenas”.

“Com a venda de grandes lotes de petróleo e gás na Amazônia, quem acaba pagando somos nós, povos tradicionais. Nossas crianças sofrem com ar poluído, os rios sofrem a grande seca, a Amazônia pede socorro”. 

Empresas que prejudicam seu território:

  • Eneva, empresa brasileira de petróleo e gás que está explorando combustíveis fósseis no Amazonas.
  • BTG, Banco do Brasil, Basa e Itaú, acionistas da Eneva ou financiadores de seus empreendimentos.


    Elaine Shajian, presidenta da Coordenadora Regional dos Povos Indígenas (CORPI) San Lorenzo, no Peru

    Elaine Shajian lembrou que os vazamentos de petróleo vêm afetando territórios indígenas na Amazônia peruana há cerca de 50 anos. Contou que os milhares de vazamentos de petróleo ocorridos no Peru nas últimas décadas provocaram contaminação dos rios e dos peixes que alimentam comunidades tradicionais. Citou o exemplo do vazamento no Rio Pastaza, ocorrido em outubro deste ano, que deixou milhares de pessoas sem acesso a água potável, pesca e local para tomarem banho. Apontou, também, que petróleo e gás são o oposto do que os indígenas consideram desenvolvimento e ressaltou a necessidade de uma nova lógica de financiamento, em que as empresas donas dos recursos financeiros escolham apoiar ações para frear as mudanças climáticas, ao invés de projetos de combustíveis fósseis. Por fim, valorizou a importância da união dos povos indígenas para exigir que os governos garantam o seu “buen vivir” (conceito indígena que engloba valores como o bem-estar e a plenitude da vida).

    Frases:

    • “Temos 1462 derrames de petróleo e novas áreas de promoção de petróleo no Peru, quando o petróleo nos trouxe benefícios mínimos”.

      “Homens e mulheres indígenas pedem o fim da exploração petrolífera, porque os direitos dos povos indígenas são violados, a segurança alimentar está comprometida e cada vez mais doenças aparecem devido aos vazamentos”.“(As empresas que financiam os combustíveis fósseis na Amazônia) estão praticamente financiando a morte de cada indígena, o desaparecimento dos indígenas”.“Os indígenas somos os verdadeiros líderes, somos cuidadores da biodiversidade”.

    Organizações que prejudicam seu território:

     

  • Perupetro, órgão de governo que promove e supervisiona atividades do setor fóssil
  • Perenco, empresa anglo-francesa com projetos de exploração no norte da Amazônia peruana.
  • Geopark, empresa que se retirou do território do povo indígena Achuar, no Peru, devido à forte pressão desse povo pela preservação do local.
    Juan Bay, presidente da Nacionalidade Waorani do Ecuador (NAWE)

    Juan Bay explicou que o primeiro contato de seu povo com as culturas de fora da floresta foi forçado, 60 anos atrás, quando começou a exploração de petróleo na região onde hoje se encontra o Parque Nacional Yasuní. Apontou que os Waorani apresentam uma postura bem clara de rechaço à exploração petrolífera e que eles nunca viram essa atividade como desenvolvimento, mas, ao contrário, como fonte de problemas ambientais, sociais e culturais. Lembrou que, em 2023, o povo equatoriano escolheu, por meio de plebiscito, frear a exploração de combustíveis fósseis no Parque Nacional Yasuní, mas que o governo equatoriano ainda não colocou essa decisão em prática. Também apontou que a resistência indígena tem sido fundamental para proteger o parque Yasuní, um dos lugares de maior biodiversidade no mundo. Denunciou, ainda, que recebeu ameaças e foi perseguido, inclusive pelo governo de seu país, por defender o fim dos combustíveis fósseis na Amazônia equatoriana. Concluiu reforçando o compromisso total de seu povo com a proteção da Amazônia.

    Frases:

    “Somos parte da solução. Já afirmamos que vamos colocar nosso conhecimento, nosso território e nossas vidas a serviço de salvar a Amazônia”. 

    “Seguimos dizendo: “basta de petróleo, esta não é a solução!”. Nós, os indígenas, somos a solução, porque estamos na linha de frente (da preservação dos territórios)”.

    Organizações que prejudicam seu território:

    • Petroecuador, empresa do estado equatoriano que extrai petróleo no Parque Yasuní 
    • Petrobras, que já tentou explorar petróleo no Parque Yasuní 
    • Petro Oriental, empresa chinesa que atua no Yasuní

     

    Isabel, líder indígena das mulheres Waorani da NAWE

    Isabel avisou que estava presente à mesa para mostrar o apoio das mulheres do povo Waorani à fala de Juan Bay pelo fim do petróleo e gás na Amazônia. Lembrou que o Parque Nacional Yasuní é a casa do povo Waorani e que o plebiscito gerou nas famílias da região a esperança de resolução dos problemas socioambientais causados pelas empresas de combustíveis fósseis, mas que essa esperança não se concretizou até agora, por falta de cumprimento da decisão tomada no plebiscito.

    Homero Mutumbajou, da Organização Nacional dos Povos Indígenas da Amazônia Colombiana (OPIAC)

    Homero Mutumbajou afirmou que os povos indígenas estão cansados da economia extrativista na Amazônia e pedem há tempos o fim do petróleo e gás no bioma. Disse que, em oposição à economia que só extrai produtos da floresta, os países da Pan-Amazônia devem desenvolver uma economia própria da região, baseada na biogovernança (responsabilidade com a riqueza biológica). Lembrou que o conhecimento tradicional dos povos indígenas sobre a floresta é parte da riqueza da Amazônia. Também explicou que os indígenas estão exigindo o reconhecimento oficial da importância desse conhecimento e sua inclusão como parte central da discussão nos encontros sobre biodiversidade e clima.

    Frases:

    “Queremos que os Estados reconheçam os conhecimentos ancestrais que os povos indígenas da Amazônia e do mundo possuem, e que esta que seja uma das principais agendas da COP16”.

    “Os governos precisam ter em conta o papel dos povos indígenas (na preservação do meio ambiente e do clima), mas também a necessidade de financiamento direto a esses povos, para poderem implementar planos de vida, salvaguardas e ações de governança ambiental”.

    Organizações que prejudicam seu território: 

    •  Ecopetrol, empresa colombiana de combustíveis fósseis
    • Gran Tierra Energy, companhia colombiana que extrai petróleo e gás na Colômbia e no Equador 
    • Geopark, companhia com atuação na Colômbia e em outros países da região

    Luene Karipuna, líder do povo Karipuna do Amapá

Luene foi a mediadora. Além de coordenar o evento, fez uma breve fala sobre a importância da resistência indígena aos planos do governo brasileiro de liberar a exploração de petróleo e gás em alto mar em blocos que afetam a Foz do Rio Amazonas. O território do povo de Luene será diretamente afetado caso esse plano vá adiante.

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Mais informações

Peri Dias

Comunicação da 350.org na América Latina
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