20 novembro, 2019

Países planejam produzir 120% mais combustíveis fósseis do que podem até 2030

Especialistas das principais organizações de pesquisa e da ONU quantificam, pela primeira vez, a lacuna entre as metas do Acordo de Paris e a produção de carvão, petróleo e gás

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Principais dados

– Os governos de todos os países planejam produzir, somados, 120% mais combustíveis fósseis até 2030 do que os que podem ser queimados para que o aquecimento global se mantenha abaixo de 1,5°C – medida limite para que a crise climática não chegue aos piores cenários.

–  Elaborado pelas principais organizações do mundo em pesquisa sobre clima e pela ONU, o Relatório sobre a Lacuna de Produção de Combustíveis Fósseis (Production Gap Report) é a primeira avaliação científica a quantificar a lacuna entre as metas assumidas pelos países no Acordo de Paris e os planos que os governos de fato pretendem implementar para a produção de carvão, petróleo e gás em seus territórios.

– Para os cientistas, o relatório traz um recado claro à sociedade: se quisermos limitar os impactos mais severos da crise climática, temos 10 anos para reduzir a menos da metade a produção de petróleo, gás e carvão, em relação ao que está nos planos dos governos.

– A ONG 350.org lembra que, além de agravar a crise climática global, a extração e comercialização de petróleo, gás e carvão causam graves danos às comunidades. “A eliminação dos combustíveis fósseis também é uma questão de justiça social e climática, já que as pessoas mais vulneráveis ​​são as mais afetadas por esse setor. O derrame de óleo no Nordeste brasileiro, que está prejudicando mais de 60.000 famílias que dependem da pesca, é um exemplo.”, afirma Nicole Oliveira, diretora da 350.org na América Latina.

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Texto completo

GLOBAL, 20/11/2019 – O mundo está a caminho de produzir muito mais carvão, petróleo e gás do que seria condizente com a meta de limitar o aquecimento global a 1,5°C ou mesmo a 2°C. É o que informa o Relatório sobre a Lacuna de Produção de Combustíveis Fósseis (Production Gap Report), primeiro estudo científico de avaliação dos planos e projeções dos países para a produção de combustíveis fósseis.

Esse estudo complementa um levantamento realizado pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), o Relatório sobre a Lacuna de Emissões, que mostra que as promessas dos países quanto a reduções de emissões ficam aquém do que seria necessário para cumprir os compromissos climáticos assumidos no âmbito do Acordo de Paris – que já estão longe de ser adequados. 

O relatório destaca que o sobreinvestimento em carvão, petróleo e gás estimula a infraestrutura de produção de combustíveis fósseis e dificulta a redução das emissões.

“Na última década, a conversa sobre o clima mudou. Há um maior reconhecimento do papel que a expansão desenfreada da produção de combustíveis fósseis desempenha para minar o progresso do clima”, disse Michael Lazarus, autor principal do relatório e diretor do Centro Americano do Instituto Ambiental de Estocolmo. 

Para ele, o relatório mostra, pela primeira vez, quão grande é a desconexão entre as metas de temperatura do Acordo de Paris e os planos e políticas dos países para a produção de carvão, petróleo e gás. O levantamento também compartilha soluções que podem ajudar a sociedade civil e os governos a se empenharem para mudar o cenário do clima nos próximos dez anos.

“Sugerimos maneiras de ajudar a preencher essa lacuna por meio de políticas domésticas e cooperação internacional”, diz Lazarus.

O relatório foi produzido por algumas das principais organizações de pesquisa do mundo, incluindo o Stockholm Environment Institute (SEI), o International Institute for Sustainable Development, o Overseas Development Institute, o Centre for International Climate and Environmental Research e o Climate Analytics, além da participação do PNUMA, da ONU. Mais de cinquenta pesquisadores contribuíram para a análise e revisão dos dados.

No prefácio do relatório, a Diretora Executiva do PNUMA, Inger Andersen, observa que as emissões de carbono permaneceram exatamente nos níveis projetados há uma década, sob os cenários de “business as usual” usados nos Relatórios de Lacuna de Emissões. Para ela, isso significa que o mundo precisa de um olhar mais atento à necessidade de redução dos combustíveis fósseis.

“A oferta mundial de energia continua dominada por carvão, petróleo e gás, levando a níveis de emissão que são inconsistentes com as metas climáticas. Esse relatório introduz o tema da lacuna na produção de combustíveis fósseis, uma nova métrica que mostra claramente a diferença entre o aumento da produção de combustíveis fósseis e o declínio necessário para limitar o aquecimento global”, explica Andersen.

Número revelam o descompasso das políticas nacionais

Algumas das principais conclusões do relatório são:

– O mundo está a caminho de produzir cerca de 50% mais combustíveis fósseis em 2030 do que seria consistente com a limitação do aquecimento a 2°C e 120% mais do que seria consistente com a limitação do aquecimento a 1,5°C.

– Essa diferença de produção é ainda maior no caso do carvão. Os países planejam produzir 150% mais carvão em 2030 do que seria consistente com a limitação do aquecimento a 2°C, e 280% mais do que seria consistente com a limitação do aquecimento a 1,5°C.

– Petróleo e gás também estão a caminho de exceder os “orçamentos de carbono”. Os países devem produzir entre 40% e 50% mais petróleo e gás até 2040 do que seria consistente com a limitação do aquecimento a 2°C

– Ao comparar as projeções dos países para a produção de combustíveis fósseis com as metas que esses mesmos países assumiram no Acordo de Paris (as Contribuições Nacionalmente Determinadas ou NDCs), nota-se uma desconexão. Os planos são de uma produção 17% maior de carvão, 10% maior de petróleo e 5% maior de gás do que seria consistente com os compromissos assumidos. O relatório lembra, ainda, que as metas do Acordo de Paris, por si só, já não seriam suficientes para limitar o aquecimento global a 1,5°C ou 2°C. Ou seja, os planos dos países prevê que eles façam menos pelo clima do que a meta que eles mesmos assumiram e que já não é adequada.

Soluções

Os países têm inúmeras opções para reduzir a lacuna de produção, incluindo a limitação da exploração e extração de combustíveis fósseis, a remoção de subsídios e o alinhamento dos planos de produção futuros com os objetivos climáticos. 

O relatório detalha essas opções, bem como as disponíveis através da cooperação internacional ao abrigo do Acordo de Paris. Os autores também enfatizam a importância de uma transição justa dos combustíveis fósseis para energias renováveis.

“Há uma necessidade premente de assegurar que aqueles afetados pela mudança social e econômica não sejam deixados para trás”, dz o autor do relatório e pesquisador do SEI, Cleo Verkuijl. 

Ao mesmo tempo, segundo ele, o planejamento da transição pode ajudar a construir o consenso para uma política climática mais ambiciosa.

Para Nicole Oliveira, diretora da 350.org na América Latina, a produção e o consumo de combustíveis fósseis deixam um rastro destrutivo não só na política global do clima, mas também nas comunidades afetadas por essa indústria. Os exemplos latino-americanos são numerosos.

“No Brasil, um vazamento de óleo que já dura quase três meses está poluindo boa parte da costa e prejudicando mais de 60 mil famílias que dependem da pesca. No Chile, as centrais elétricas a carvão poluem o meio ambiente de tal forma que as áreas onde estão localizadas são chamadas de zonas de sacrifício. Na Argentina, a extração de gás pelo método do fracking ameaça contaminar os alimentos e afeta as famílias que dependem do cultivo de frutas”, afirma Oliveira.

Ela explica que a eliminação dos combustíveis fósseis é também uma questão de justiça social e climática, já que as pessoas em situação vulnerável são as mais afetadas por esse setor.

Acesse aqui o relatório completo (em inglês).

 

Mais informações

Peri Dias
Gerente de Comunicação da 350.org na América Latina
+591 7899-2202