Interessados em se proteger dos danos sociais e ambientais provocados pela extração de carvão, óleo de xisto e gás de xisto, os estados da região Sul do Brasil estão se mobilizando e, em alguns casos, adotando restrições inéditas a esse tipo de atividade.
A mudança mais recente veio de Santa Catarina, onde a Assembleia Legislativa aprovou, por 31 votos a dois, em 16 de julho, um projeto de lei que torna o estado um território livre da exploração de óleo e gás de xisto. Esse último produto foi apelidado pelos ambientalistas de “gás da morte”, por causa do alto risco de contaminação dos solos, da água e dos alimentos decorrente do seu processo de extração (veja mais informações no box abaixo).
De autoria do deputado estadual Valdir Cobalchini (MDB), o projeto só depende da sanção do governador de Santa Catarina, Carlos Moisés (PSL), para virar lei. Essa decisão do Poder Legislativo catarinense foi tomada menos de duas semanas depois da entrada em vigor de uma lei que baniu do estado vizinho, o Paraná, o fraturamento hidráulico (fracking), técnica mais usada na exploração do gás de xisto.
Na Assembleia Legislativa paranaense, assim como na de Santa Catarina, o apoio à proibição foi esmagador: todos os deputados do estado votaram a favor do projeto de lei, proposto por quatro parlamentares, de três partidos diferentes (PSC, PDT e PPS). Pouco depois da aprovação, o governador do Paraná, Carlos Roberto Massa Júnior, o Ratinho Júnior (PDC), sancionou a proposta .
A medida tornou permanente a decisão estadual de vetar o uso da fratura hidráulica para a exploração do gás de xisto, que já estava em vigor desde 2016. Naquele ano, o Paraná adotou, de forma pioneira no país, a Moratória do Fracking, uma resolução dos deputados estaduais para proibir essa prática por dez anos.
“Foram vitórias extremamente importantes das comunidades que lutaram em defesa do clima, da água e do bem-estar das pessoas, nesses dois estados. Somadas as populações, mais de 20 milhões de brasileiros devem passar a viver sem essa ameaça às suas terras e às suas famílias”, diz Juliano Bueno de Araújo, diretor associado de Campanhas e Mobilizações da 350.org América Latina e diretor fundador da Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida (COESUS).
Comunidades se mobilizaram contra o fracking
Juliano lembra que a interdição do gás de xisto nos dois estados ganha ainda mais relevância quando se observa que Paraná e Santa Catarina localizam-se sobre a maior reserva dessa substância no hemisfério sul. Os lotes para extração do gás foram objetos de um leilão da Agência Nacional de Petróleo (ANP), em 2013. Só no Paraná, 254 municípios, dos 399 do estado, receberam pesquisas para a implantação da extração de gás de xisto. O processo foi avançando sem uma consulta apropriada às populações locais e sem que os moradores soubessem de todos os potenciais efeitos do fracking.
Nesse cenário, a mobilização das próprias comunidades e das instituições locais foi fundamental para reverter o quadro. Em 2013, representantes de organizações de produtores rurais, sindicatos, universidades, instituições religiosas e ONGs se uniram para discutir os potenciais impactos do fracking e promover palestras em todo o estado.
A coordenação da tarefa ficou sob responsabilidade da COESUS, em conjunto com o Instituto Internacional Arayara e a 350.org no Brasil. Com argumentos baseados nas pesquisas científicas desenvolvidas em lugares onde o fracking é permitido, como algumas regiões dos Estados Unidos e da Argentina, as organizações rodaram pelo Paraná e obtiveram, município a município, o apoio da comunidade necessário à apresentação de projetos de lei municipais contra a exploração do gás de xisto.
Pelo menos 123 municípios do estado aprovaram medidas restritivas ao fracking em seus territórios. Do âmbito municipal, a mobilização se expandiu para o nível estadual, em 2016, e resultou na lei aprovada em 2019. Em Santa Catarina, a sequência de eventos foi bem parecida, com ações de mobilização em 63 municípios.
Porto Alegre luta para barrar mina de carvão gigante
No Rio Grande do Sul, a mobilização popular contra as técnicas poluidoras de extração de combustíveis agora se concentra em barrar o projeto da Mina Guaíba. O empreendimento pretende instalar a maior mina de carvão a céu aberto do Brasil em plena Grande Porto Alegre.
Na 5ª maior região metropolitana do país, com 4,2 milhões de habitantes e todos os desafios ambientais que qualquer metrópole brasileira enfrenta, a companhia chinesa Zheijang Energy Group e a brasileira Copelmi Mineração querem abrir um canteiro de extração com mais de 4 mil hectares, uma área equivalente a 363 vezes a do Parque Moinhos de Vento, um dos mais conhecidos da capital gaúcha.
De acordo com o Estudo de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) da própria Copelmi, a exploração de carvão nesse pólo agrícola, industrial e populacional exigiria esvaziar dois lençóis freáticos com um volume total equivalente ao de meio Rio Guaíba.
A perspectiva da instalação da mina preocupa agricultores, comerciantes e organizações comunitárias da região. Além de criar um abaixo-assinado que já reúne mais de 5 mil assinaturas, eles também estão realizando manifestações por mais transparência sobre os impactos do empreendimento e por mais diálogo entre os órgãos do governo estadual que analisam o projeto e as pessoas que seriam afetadas pela extração de carvão.
A expectativa das famílias que coordenam o movimento é que a tendência regional de restringir atividades nocivas ao meio ambiente e à saúde pública se estenda também a empreendimentos de carvão como o da Mina Guaíba.
Mais informações
Paulinne Giffhorn
Especialista em Comunicação da 350.Org
[email protected] / (41) 99823-1660