* Por Flávia Lima Moreira

Em plena pandemia de Covid-19, como se o Brasil não tivesse motivos suficientes para se preocupar, as queimadas voltaram a crescer na maior floresta equatorial do planeta e a atrair olhares preocupados do mundo para o Brasil.

O número de incêndios na Amazônia, no mês de junho de 2020, foi o maior observado para o mês dos últimos 13 anos. Os dados foram gerados com base em imagens de satélite e são do Programa Queimadas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Em junho de 2020, foram 2.248 focos ativos, ante 1.880 em 2019.

Ao que parece, tem muita gente que acredita que a floresta vale mais queimada do que viva. 

A quem interessam os incêndios? 

As queimadas e o desmatamento estão diretamente ligados. Os dados apontam que, após o fogo, o uso do pasto costuma ser a primeira ação na consolidação da tomada da terra. Segundo o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), 71% das queimadas em imóveis rurais entre janeiro e junho de 2020 ocorreram para manejo agropecuário. Grileiros e agricultores lucram muito com essa péssima prática.

Nos casos em que a ocupação não é contestada e a terra é de qualidade, o passo seguinte é a exploração pela agricultura. Ou seja, o fogo é parte fundamental da estratégia de limpeza do solo para uso na pecuária ou no plantio. 

Ainda de acordo com o levantamento do Ipam, outros 24% das queimadas foram resultado de incêndios florestais, enquanto 5% decorreram de desmatamento recente.

Há, ainda, o desmatamento feito para a extração ilegal de madeira – aqueles em que, logo depois de coletada a madeira, é ateado fogo no solo para o seu “preparo”. 

E se a terra não for usada para plantio?

Se depois do desmate nada for feito, há uma chance grande de a floresta se regenerar. Mas ela jamais será como na sua origem. Apenas parte da biodiversidade consegue se restabelecer. Agora imaginem quantos anos são necessários para isso?!

Além da destruição do bioma, tem a poluição

Se pensarmos apenas no desmatamento promovido por grileiros e agricultores, a queimada proposital e ilegal já seria um crime gravíssimo, porque seus impactos sobre a floresta serão sentidos por muito tempo. Porém, há outro problema fundamental decorrente das queimadas: a poluição e gases emitidos dos incêndios. Isso agrava ainda mais a emergência climática que o mundo vive.

Em um nível local, as queimadas agravam problemas respiratórios e prejudicam diretemente a saúde de uma população cada vez mais ampla. Basta observar que grandes cidades, como Cuiabá e até Belém, estão sufocando com a fumaça dos incêndios, nas últimas semanas.

O estudo “Quantificação dos efeitos na saúde da exposição à queima de biomassa: uma contribuição ao entendimento dos efeitos da exposição ao material particulado (PM 2.5) em grupos populacionais sensíveis na Amazônia Legal”, realizado em Cuiabá, no Mato Grosso, concluiu que as emissões de PM 2.5 estão relacionadas à maior prevalência de internações por doenças respiratórias em crianças nos municípios do estado de Mato Grosso. 

Além disso, os níveis de PM 2.5 também foram associados à ocorrência diária de internações por doenças respiratórias em crianças em Cuiabá e à ocorrência de BPN (baixo peso ao nascer) em municípios selecionados do estado de Mato Grosso.

Outra pesquisa, “Avaliação do risco a saúde infantil relativa à exposição ao PM 2.5 proveniente da queima de biomassa no município de Tangará da Serra”, avaliou o risco da exposição ao PM 2.5 em crianças de 6 a 14 anos do município de Tangará da Serra, também de Mato Grosso, no ano de 2008. O estudo concluiu que, durante a estação da seca, a exposição aos níveis de PM 2.5 representou risco toxicológico para crianças entre 6 a 14 anos residentes em áreas de queima de biomassa.

Já em um nível global, as queimadas produzem, além do dióxido de carbono, monóxido de carbono (CO), óxidos nitrosos (NO3), hidrocarbonetos e partículas de aerossóis. De acordo com pesquisadores, esses elementos, incorporados na atmosfera, são transportados e misturados, gerando, entre outros fatores, poluentes secundários como o ozônio (O3), aldeídos e os peroxiacil nitratos. Para o clima, as queimadas representam um agravamento do aquecimento global e de suas consequências.

Cadê a fiscalização?

Em 2018, quando o presidente Jair Bolsonaro foi eleito presidente do Brasil, uma de suas promessas de campanha era “afrouxar” a fiscalização na Amazônia. Ele tem cumprido a palavra: desde que assumiu, Bolsonaro enfraqueceu os órgãos de controle  ambiental e  fez reiterados discursos sobre a “indústria da multa” e os supostos exageros das ONGs ambientais. O resultado tem sido desastroso especialmente para os Povos Indígenas, que têm visto suas terras serem invadidas por grileiros de forma muito frequente. 

O presidente brasileiro já chegou a afirmar que a Amazônia “não pega fogo” e, ainda, que “não tem como fiscalizar toda a floresta”. 

Já o vice-presidente Hamilton Mourão admitiu publicamente que a devastação da Amazônia passou do nível considerado “aceitável”. Ele prometeu redução das queimadas e do desmatamento, mas não se comprometeu com números.

Refletindo sobre a questão

Diante desse cenário, ficam algumas perguntas que podem nos ajudar a agir para resolver o problema da devastação da Amazônia. A quem interessa essa destruição? A falsa oposição entre “desenvolvimento” e sustentabilidade serve a quem? E quem pagará o preço mais alto diante das queimadas da Amazônia? 

São questões que nos ajudam a refletir e a buscar caminhos para agir.

* Flávia Lima Moreira é jornalista e colabora com a 350.org.

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Créditos das fotos

  • Profissionais atuam para apagar incêndio em floresta:  Ibama from Brasil – Operação Verde Brasil, Rondônia, CC BY-SA 2.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=82606032