* Texto originalmente publicado pela 350.org Argentina. 

No jornalismo há uma espécie de fórmula infalível, uma série de passos a seguir para que uma informação seja suficientemente apurada para poder ser tratada como tal. São seis perguntas que condensam todos os fatos de um fato. Respondê-las pode parecer simples, mas às vezes essas perguntas simples, que são a essência de qualquer pesquisa, são difíceis de responder. Especialmente quando se envolve a exploração de recursos poluentes que enchem os bolsos de alguns à custa dos esforços das pessoas. É como se houvesse algum tipo de dispositivo neutralizador, como o usado pelos personagens de Homens de Preto, que fica entre os entrevistadores e as pessoas encarregadas de nos dar respostas.

Por esta razão, pensamos que seria essencial retomar estas perguntas para explicar o incêndio que ocorreu em Vaca Muerta, na Argentina. E, claro, para fazermos outras. Porque, afinal, é disso que estamos falando: sobre fazermos todas as perguntas necessárias.

Onde

Vaca Muerta é uma formação geológica, que inclui as províncias de Neuquén, Rio Negro, La Pampa e Mendoza, na Argentina, e se estende por 30 mil km². Área equivalente a quase 150 vezes a superfície da Cidade Autônoma de Buenos Aires, capital do país. A região abriga a segunda maior reserva de gás de xisto e a quarta de óleo de xisto no mundo, sendo a principal formação de hidrocarbonetos não convencionais na Argentina.

Este reservatório é explorado por meio do fracking, também conhecido como fraturamento hidráulico, conhecido mundialmente por suas consequências ambientais e sanitárias. O procedimento, que consiste em injetar produtos químicos tóxicos em alta pressão e depois bombear as águas residuais a grande profundidade, foi proibido por decreto em 70 municípios de seis províncias e por lei em Santa Fé e Entre Rios, enquanto os projetos de La Pampa, Mendoza, Buenos Aires e Chaco aguardam tratamento legislativo, com o envolvimento da 350.org América Latina, COESUS – Coalición Latioamericana No Al Fracking e Arayara.

Aqui no Brasil, mais precisamente no estado do Paraná e Santa Catarina, bem como em várias cidades latino-americanas, o fracking foi proibido totalmente ou, pelo menos, uma moratória de 10 anos foi decretada para avaliar e prevenir riscos.

Mas os problemas não se tratam apenas de contaminação da água ou do solo. Foram detectados pelo menos 20 gases nas diferentes instalações de hidrocarbonetos, incluindo a emissão de metano, um poluente com um potencial de aquecimento 21 vezes superior ao do CO2, diretamente relacionado com as mudanças climáticas, visto que é um gás de efeito estufa.

O que aconteceu

Um vazamento de gás relatado pela YPF no sábado (14) causou um incêndio na madrugada de domingo (15). De acordo com um comunicado oficial da empresa, o acidente ocorreu no poço LLLO X-2 na área oeste de Loma La Lata, perto do depósito. Segundo fontes oficiais, o controle do incêndio exigiria pelo menos duas ou três semanas de esforço.

“É um poço de gás de alta pressão”, explicou o subsecretário Gabriel Lopez na conta oficial do Twitter do Ministério de Energia e Recursos Naturais de Neuquén.

No entanto, especialistas indicam que estas chamas de cerca de 5 metros de altura e estendidas para os lados, não são apenas uma pressão difícil de controlar, mas também um problema de estrutura. Quando um vazamento tem apenas chamas verticais significa que o poço está bem construído e não tem outros vazamentos, mas quando há chamas horizontais – como você pode ver nos vídeos do incidente – poderia sugerir que a boca do poço está deformada pela temperatura e pressão, que há falhas na instalação da profundidade, falhas nas cimentações ou quebras subterrâneas nos tubos, o que tornaria as operações para controlar a perda de gás muito mais difíceis. Algo semelhante ao que aconteceu em Porter Ranch, na Califórnia, em outubro de 2015.

Quem participa

À operação desenvolvida pelos Bombeiros, Defesa Civil, Polícia de Trânsito e Prefeitura, somaram-se os esforços de um “Comitê Preventivo” – para monitorar um incêndio que já estava acontecendo – formado pelo governo de Neuquén, YPF e uma equipe de especialistas norte-americanos da empresa Wild Well Control. Além disso, na segunda-feira passada, foi publicada no Jornal Oficial, da Argentina, uma resolução que permite à Gendarmería operar na região. Um comunicado do Ministério da Segurança Interna informa que “a extensão da jurisdição da Gendarmería Nacional será notificada, que agora também participará na segurança da formação geológica de Vaca Muerta”.

Além disso, menciona que “é essencial proporcionar proteção física às instalações das Usinas de Exploração de Hidrocarbonetos localizadas na Bacia de Neuquén, mais precisamente em Vaca Muerta, com o objetivo de garantir os interesses econômicos vitais do Estado Nacional”.

Mais adiante, acrescenta: “O reservatório não convencional de petróleo e gás que se estende na referida bacia constitui um ativo de vital importância para a estratégia de energia e crescimento econômico do Estado Nacional. Isto atribui um valor primordial à área, cujo desenvolvimento deve ser salvaguardado através de medidas que garantam segurança para todos e para os bens que são indispensáveis para o cumprimento do objetivo”.

O que o comunicado omite é que, para garantir a segurança dos bens e de todos, o investimento deve ser feito em energias livres e renováveis, como demonstra a tendência mundial de desinvestimento dos combustíveis fósseis. Por outro lado, somente em Allen, na província de Rio Negro, foram aprovados 93 poços no ano passado em uma área que ameaça uma fonte de água vital e põe em risco a vida dos trabalhadores e moradores da região.

Quando aconteceu (ou melhor: desde quando)

Antes de o incidente começar, segundo um comunicado oficial, no sábado (14) com o vazamento de gás e no domingo (15) com o incêndio, já havia inúmeros antecedentes no país que destacam os riscos ambientais, sociais e de saúde dessas práticas.

De acordo com dados oficiais da Subsecretaria de Meio Ambiente da província, entre 2015 e 2018 houve 3368 acidentes no setor de hidrocarbonetos, dos quais 48% (1637 casos) ocorreram entre 2017 e 2018. No período de janeiro a outubro do ano passado, 934 incidentes foram registrados em Vaca Muerta.

Outros eventos que ocorreram na região e merecem ser mencionados

  • Maio 2019 – Na cidade de Allen, Río Negro, um derramamento de produto químico em um poço YPF foi relatado.
  • Outubro 2018 – Um derramamento de óleo em um poço da YPF e da americana Schlumberger, também em Loma La Lata, ficou fora de controle por 36 horas e afetou entre 40 e 80 hectares no campo de Bandurria Sur, a onze quilômetros da cidade de Añelo.
  • Outubro 2016 – Um derrame nos poços de gás EFO 360 e 362 em Ysur (YPF), também em Allen, teria afectado quase 250.000 litros de água, secando álamos e árvores frutíferas perto do poço.
  • Setembro de 2015 – O poço EFO 280 (Estação Fernández Oro) da Ysur, subsidiária da YPF, explodiu na cidade de Allen. O derramamento de hidrocarbonetos causou a contaminação do Rio Negro e colocou em cheque a produção agrícola.
  • Setembro de 2014 – Um vazamento durou 16 horas na área de Loma Campana, localizada no território da comunidade Mapuche Campo Maripe, em uma área operada pela YPF e Chevron.
  • Julho / Agosto de 2013 – Incêndio no poço 1513 da Pluspetrol, localizado no depósito Centenário, perto da cidade de Plottier e perto de um bairro onde viviam mais de 2.000 pessoas.

Por quê?

Luis Sosa, secretário geral do sindicato privado de petróleo e gás da Argentina, disse: “Quando há um incidente dessa natureza, pensamos muitas coisas. A YPF é uma empresa pública e não tem feito investimentos em diferentes partes do país. Está se mantendo com o pouco que tem e, inclusive, já chegou a não ter o que é necessário para manter um dispositivo de bombagem e muitas outras coisas. E estas são apenas as palavras de um porta-voz do sindicato.

De fevereiro de 2018 a maio de 2019, oito trabalhadores do petróleo morreram em Neuquén como resultado da flexibilização do setor (com regimes de 14×7) e da falta de medidas de segurança.

A médica Sandra Steingraber já havia afirmado em uma entrevista em 2016 que “as taxas de mortalidade nos Estados Unidos por causa da indústria de fracking são sete vezes maiores do que em outras indústrias e duas vezes mais altas do que na força policial, que é considerada uma das mais perigosas”. Ninguém parecia prestar atenção aos seus avisos na altura. Três anos depois, podemos ver as consequências.

O que é paradoxal é que, neste mesmo contexto de insegurança no emprego, o setor – que já recebe subsídios multimilionários do Estado Nacional – recebeu na semana passada a aprovação de um empréstimo dos Estados Unidos no valor de 1100 milhões de dólares.

Como

Estes incidentes evidenciam a falta de cálculos necessários para medir os riscos na perfuração do solo. Embora neste caso se trate de uma zona isolada, distante de centros populacionais, não vimos nos comunicados oficiais qualquer menção aos sítios que estão expostos a estas mesmas contingências, próximos de zonas urbanas e de produção e de cursos de água vitais.

A exploração destes recursos afeta diretamente as comunidades locais, não só pela poluição sonora, mas – principalmente- pela filtração dos solos e napas e pelas emissões de gases tóxicos. Mas a estratégia de comunicação parece estar orientada para ignorar estes pormenores. Referindo-se ao perímetro de um quilômetro de restrição estabelecido pela operação ao redor do local, como diz uma canção popular argentina: “você não pode ver de longe”.

Outras perguntas

Onde estão os estudos necessários para medir o impacto ambiental destas práticas nocivas para a saúde e o ambiente, que ceifaram a vida de cinco trabalhadores apenas no ano passado?

Como irão as autoridades garantir a segurança dos bens e das pessoas quando estiverem perfurando perto de fontes de água vitais, como os lagos Los Barreales e Mari Menuco?

Por que a principal estratégia econômica do governo para o financiamento internacional promove a exploração de recursos poluidores não renováveis, quando a tendência global é o desinvestimento?

Até quando vamos permitir que continuem a utilizar os impostos argentinos para pagar subsídios absurdos ao preço do petróleo bruto?

##

Rocío Almaraz – [email protected]