Confira na íntegra a Carta aberta aos Parlamentares criada por diversos órgãos da sociedade civil.

À sociedade interessa o desenvolvimento sócio-econômico-ambiental

Carta aberta aos e às parlamentares brasileir@s   

As organizações signatárias entendem o papel estratégico fundamental das duas casas legislativas para fazer avançar uma agenda socioambiental que pode colocar o país em uma posição mais atrativa economicamente, equitativa socialmente e sustentável ambientalmente.

Temos a expectativa de que o Congresso Nacional possa corresponder aos nossos anseios, fundamentados nos valores da Democracia e da Constituição Brasileira e das responsabilidades das instituições estatais e da sociedade brasileira para a promoção da sustentabilidade do desenvolvimento, redução da desigualdades sociais e regionais, da paz e da segurança socioambiental em todo o planeta. Notadamente para honrar o papel do Brasil em zelar pelos compromissos globais associados às duas importantes conferências da ONU sobre desenvolvimento sustentável ocorridas no País (a Rio-92 e Rio+20, em 1992 e 2012).

Nesse sentido, apontamos abaixo alguns desafios que consideramos relevantes na atual conjuntura e sobre os quais nos interessa aprofundar o diálogo plural e democrático com o Parlamento.

Tratamos aqui de oportunidades que visualizamos para as políticas com impacto positivo para a segurança climática, hídrica, alimentar, agrícola, energética associadas ao enfrentamento do aquecimento global e das mudanças no clima. Objeto de avaliação pela Comissão de Meio Ambiente do Senado, políticas públicas para a mitigação e/ou adaptação às mudanças climáticas devem ser determinadas por diretrizes importantes originadas deste Parlamento. Tais políticas podem ajudar o Brasil na promoção da sociedade de baixo carbono, transição para energias renováveis e sustentáveis, além de cumprir os compromissos assumidos no âmbito do Acordo de Paris e outros acordos regionais e globais.

  1. Agroecologia e orgânicos. Assegurar o acesso e a vantagem competitiva nos mercados nacional e internacional, mediante a minimização do uso de agrotóxicos e incentivo à produção orgânica no Brasil, por exemplo, com a aprovação do Projeto de Lei (PL) 6670/2016, que propõe a instituição da Política Nacional de Redução de Agrotóxicos – PNARA, aprovado em Comissão Especial da Câmara em 2018 e aguardando apreciação pelo Plenário. No mesmo sentido, é importante a rejeição pelo Plenário da Câmara do PL 6299/2002, uma vez que este flexibiliza o uso de agrotóxicos.
  2. Segurança de barragens. Os lamentáveis e criminosos episódios recentes de colapso de barragens de mineração, associado aos riscos sociais, econômicos e ambientais das estruturas requeridas pelo extrativismo mineral, controle de enchentes, regularização de cursos e preservação de água, despertaram a atenção da sociedade para as funções da legislação e dos órgãos estatais quanto às medidas de precaução e prevenção de impactos negativos e de agravamento de riscos. O Brasil não pode conviver com o temor e a iminência de novos colapsos e de ampliação de número de vítimas e de pessoas, comunidades e organizações afetadas.
    Neste sentido, esperamos do Congresso Nacional a atenção prioritária e urgente das proposições que foram preparadas pela Comissão Externa destinada a fazer o acompanhamento e fiscalizar as barragens existentes no Brasil, em especial, acompanhar as investigações relacionadas aos desastres causados pela empresa Vale do Rio Doce em Minas Gerais.
  3. Capacidade institucional. Uma nação democrática não pode prescindir de instituições governamentais com capacidade de exercer suas atribuições com eficácia e transparência, alicerçadas, obviamente, nos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Nesse sentido, a governabilidade e plena capacidade dos órgãos de meio ambiente para planejamento, execução de programas, licenciamento e fiscalização é condição para o avanço da agenda do desenvolvimento sustentável, que se vale tanto de programas e políticas subsetoriais para resíduos sólidos, florestas, biodiversidade, recursos hídricos, substâncias químicas etc., bem como dos ODS – Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e das metas pertinentes à Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC em inglês) do Brasil no regime de mudanças do clima. Processos e matérias legislativas podem concorrer para este êxito.
    Nesse sentido, entre as contribuições do Congresso, em plena sintonia com os instrumentos da democracia, destacamos o acompanhamento da implementação de políticas públicas pelo Poder Executivo, e o aprimoramento, vedado o retrocesso, da legislação de promoção social e ambiental.   Destacamos também nesse sentido a PEC 13/2015 que está pronta para ser votada no Plenário do Senado e que insere o meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito Direito Fundamental, no artigo 5º da Constituição Federal.
  4. Governança democrática. Assentados nos dispositivos constitucionais de participação cidadã e de controle social, ressaltamos a relevância da governança, como elemento de assertividade, da participação de representantes de diferentes grupos nos processos de desenho, da implementação e avaliação de políticas públicas socioambientais, que devem estar refletidos em instâncias deliberativas e consultivas para questões de meio ambiente em geral, mudanças de clima, biodiversidade, desertificação, recursos hídricos, substâncias químicas perigosas, resíduos sólidos etc., tais como o CONAMA – Conselho Nacional de Meio Ambiente, Fórum Nacional de Mudanças do Clima.
    Por isso, espera-se que o Projeto de Decreto Legislativo (PDL) 113/2019 seja aprovado e suste o Decreto nº 9.759, de 11 de abril de 2019, que “extingue e estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública federal”.Também apoiamos que seja sustado o Decreto nº 9.806, de 28 de maio de 2019, que dispõe sobre “Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama.”, para que este retome a sua composição anterior muito mais representativa da diversidade e complexidade da sociedade e do segmento privado no País e do Sistema Nacional de Meio Ambiente que envolve diferentes órgãos e as três esferas federativas (Federal, estados e municípios).   
  5. Biodiversidade como vetor de desenvolvimento. A Constituição, a legislação e a jurisprudência brasileira têm normas claras: a alteração e supressão de espaços territoriais especialmente protegidos (Unidades de Conservação) só pode ser admitida mediante lei específica, apreciada e deliberada pelo Congresso Nacional. Dada a relevância de tais áreas para as seguranças hídrica e energética, para a produtividade agrícola, para a conservação de funções e serviços ecossistêmicos, para o abrigo de comunidades diversas e para a resiliência frente aos impactos do aquecimento global, é importante que o Congresso Nacional não admita retrocessos procedimentais e materiais, zelando pela progressividade da proteção ao patrimônio ambiental do país. Também apoiamos iniciativa em curso no Senado no sentido de aprovar na nossa legislação federal a institucionalização como instrumento da política de conservação das chamadas “áreas prioritárias para conservação da biodiversidade” como ferramenta a orientar políticas públicas nas esferas federal, estaduais e municipais.
  6. Água e saneamento. A situação do saneamento básico no Brasil é drástica e demanda soluções urgentes. São mais de 100 milhões de brasileiros sem coleta de esgoto, 34 milhões sem acesso à água potável. 38,3% de toda a água captada e tratada se perde nas tubulações, enquanto que 110 mil km de rios em todo Brasil estão totalmente poluídos, sem qualquer possibilidade de serem utilizados para o abastecimento humano. E mais, 3256 municípios, o que corresponde a mais de 58% do total, não têm sequer seus respectivos planos para o setor, com um mínimo de planejamento e metas.
    Trata-se de uma agenda transversal e estratégica. As estimativas apontam que a cada $1 investido no setor se transforma em um retorno/economia da ordem de $4 na área da saúde pública. Estudos comprovam que crianças que convivem em um ambiente sem as condições básicas de saneamento e saúde não desenvolvem todo o potencial de suas capacidades cerebrais. São impactos diretos na educação, saúde, presente e futuro do País.
    O debate sobre a reestruturação do setor de saneamento básico é fundamental e precisa avançar. A complexidade e profundidade dos aprimoramentos demandam um debate urgente, mas que envolva todos os atores e setores interessados, especialmente a sociedade civil. No Congresso, duas tentativas não tiveram sucesso via Medida Provisória. Atualmente, a matéria tramita a partir dos PL 3189/2019 de autoria do deputado Fernando Monteiro (PP/PE), PLS 3261/2016, do senador Tasso Jereissati (PSDB/CE) e PL 3235/2019, do deputado Evair Vieira de Mello (PP/ES).
  7. Energia Sustentável. Um país solar, um país que aproveita racionalmente a energia eólica. Um país que protege e revitaliza seus cursos de água, valorizando os critérios de uso sustentável e de pequenas centrais hidrelétricas. A micro e mini geração distribuída de eletricidade, com a participação democrática dos consumidores na geração energética. São os caminhos que as políticas de eletricidade, de produção e uso de diversas fontes energéticas devem buscar mediante o aprimoramento e inovação das normas e políticas brasileiras, que considerem também o avanço tecnológico que permite o uso mais eficiente dos serviços de energia. A Reforma do Setor Elétrico, com base nos PL 1917/2015 e PLS 232/2016 que tramitam no Congresso Nacional, oferece-nos oportunidade de colocar o país rumo a uma matriz energética de baixo carbono, mais eficiente e justa, de menor impacto socioambiental e de menor custo financeiro.
  8. Código Florestal. O processo que resultou na aprovação do novo Código Florestal, em 2012 (Lei Federal 12651/12), foi um dos mais intensos debates já realizados no Congresso brasileiro, com grande mobilização e participação dos diferentes grupos de interesse. Passados sete anos desde a sua promulgação, o Código Florestal já alcançou resultados importantes, como os mais de 4 milhões de registros no Cadastro Ambiental Rural (CAR), equivalentes a quase 100% das áreas cadastráveis, formando um dos mais relevantes sistemas de informações geográficas do planeta relacionado ao uso e ocupação da terra.Até o ano passado, o prazo para registro no CAR foi adiado quatro vezes consecutivas, provocando um atraso de cerca de 4 anos na conclusão da fase de cadastro. Uma das consequências é a baixa adesão aos Programas de Regularização Ambiental (PRAs), etapa na qual os produtores apresentam seus planos para solucionar o passivo ambiental identificado.
    No entanto, uma série de Projetos de Lei e Medidas Provisórias tem sido apresentada no Congresso, visando alterar dispositivos essenciais para a implementação do Código Florestal. Essas iniciativas mantêm o clima de insegurança jurídica e prejudicam os esforços de implementação da lei.Entre instituições representantes do agronegócio, do setor florestal, das entidades de defesa do meio ambiente e da academia, há um claro consenso: a implementação do Código Florestal, em sua atual configuração, é o primeiro passo para fortalecer a produção agropecuária e, ao mesmo tempo, a conservação ambiental no país.
    Esse momento chegou e não pode mais ser adiado.A implementação do Código Florestal é decisiva para o cumprimento das metas assumidas pelo Brasil no Acordo de Paris. É imperativo fazer valer a lei, não podemos perder tempo com novas modificações em seus dispositivos. Por isso, as instituições signatárias deste documento recomendam ao Congresso Nacional e ao governo brasileiro que concentrem seus esforços nos próximos passos necessários para a efetiva implementação do Código Florestal e não em sua alteração precoce. Sua efetiva implementação não pode mais esperar.
  9. Lei Geral de Licenciamento Ambiental. O licenciamento ambiental ainda é o principal instrumento da política nacional do meio ambiente na medida em que por previsão constitucional é obrigatório para todo empreendimento causador de significativo impacto ambiental. De responsabilidade das três esferas de governo (federal, estadual e municipal) ela busca garantir a governança ambiental de empreendimentos de significativo impacto ambiental.

Há vários anos (desde 2004) tramita o projeto de Lei 3729, com suas dezenas de apensos. Embora já haja relatório aprovado na Comissão de Agricultura e na Comissão de Meio Ambiente o projeto ainda não tramitou nas Comissões de Justiça e Cidadania (CCJ) e Comissão de Finanças e Tributação (CFT). Novos textos têm surgido para apresentação e votação em Plenário, em regime de urgência, no entanto sem que tenham sido apresentados publicamente ao debate.

Houve compromisso do atual relator (designado ainda informalmente pelo Presidente Rodrigo Maia) de Plenário Deputado Kim Kataguiri em acordo com parlamentares da Frente Parlamentar Ambientalista e organizações socioambientais no sentido de que seja promovido um processo amplo de consultas a cientistas, organizações governamentais, privadas e da sociedade civil para que haja um efetivo esforço no sentido de buscar convergências e eliminar retrocessos.

As organizações signatárias deste documento defendem a criação da Comissão Especial para debater a proposta (o que foi feito por Ato assinado pelo Presidente Rodrigo Maia em 29 de maio último, porém revogado sem qualquer justificativa, dois dias depois de sua criação, pelo próprio presidente). Entendemos que o licenciamento ambiental pode ser aprimorado com eficiência, mas também mais transparência, controle social, segurança jurídica e participação social efetiva não somente com os empresários e empreendedores, mas também para as populações diretamente afetadas.

O grupo de organizações signatárias desta carta mobilizada por iniciativa da Rede de Advocacy Colaborativo (RAC) reitera o seu compromisso de colaborar com ambas as Casas Legislativas no sentido de fundamentar e conectar temas e grupos de interesse da sociedade civil com matérias legislativas que nos façam avançar a patamares mais democráticos e sustentáveis.

Assinam:

350.org América Latina

Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais – Abong

Associação Cunhambebe

Associação de Defesa do Meio Ambiente de Araucária – AMAR

Associação de Proteção ao Meio Ambiente de Cianorte – APROMAC

Associação Mineira de Defesa do Ambiente – Amda

Ciclovida

Coalizão Clima e Mobilidade Ativa – CCMob

Coesus – Coalizão Não Fracking Brasil

Coletivo Ame a Verdade

Conectas Direitos Humanos

Crescente Fértil

Desvelocidades

Engajamundo

Evangélicas Pela Igualdade de Gênero

Federação Paranaense das Entidades Ambientalistas – FEPAM

Fórum do Movimento Ambientalista do Paraná

Fundação Arayara

Fundação Grupo Esquel Brasil

Instituto Arayara

Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor – Idec

Instituto Democracia e Sustentabilidade – IDS

Instituto Escolhas

Instituto Ethos

Instituto Humanista para Cooperação com Países em Desenvolvimento – Hivos 

Instituto Migrações e Direitos Humanos – IMDH

Instituto MIRA-SERRA

Instituto Socioambiental – ISA

Fundación Avina

Movimento Nossa BH

Projeto Saúde e Alegria

Rede GTA – Grupo de Trabalho Amazônico

Renovar Nosso Mundo

Sistema B

Sociedade de Pesquisa em Vida Selvagem e Educação – SPVS

SOS Mata Atlântica

Tearfund Brasil

TOXISPHERA – Associação de Saúde Ambiental