Em audiência pública com pouquíssima representação da sociedade civil, ativistas e representantes de movimentos sociais manifestam repúdio aos novos leilões de petróleo e gás
RIO DE JANEIRO — Dando prosseguimento ao cronograma de leilões de blocos para exploração e produção de petróleo e gás no Brasil, a Agência Nacional do Petróleo e Gás (ANP) realizou, nesta terça-feira (27), uma audiência pública – a única de todo o processo, apesar do impacto de abrangência nacional – para analisar as contribuições recebidas durante a consulta pública referente à 14ª Rodada de Licitações, que irá ofertar 287 blocos para exploração de áreas em 9 bacias sedimentares. Mesmo sendo direcionada a discutir com a sociedade os impactos dos novos leilões, a audiência foi dominada pelas empresas petrolíferas. Ativistas da 350.org e COESUS – Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida, representando os movimentos sociais, ambientalistas e climáticos, estiveram presentes e manifestaram repúdio aos novos leilões e também à maneira com que a ANP vem conduzindo o processo de oferta e venda de blocos.
“A sociedade civil já manifestou diversas vezes que é contra a exploração de combustíveis fósseis, uma energia retrógrada, principal responsável pela emissão dos gases que causam o aquecimento global e que, para piorar, ainda coloca em risco a qualidade da água e do solo, ameaçando os territórios e a sobrevivência de diversas populações tradicionais. Mesmo assim, a ANP insiste em ignorar esses apelos e seguir conduzindo o processo de leilões de forma obscura e irresponsável, sem sequer levar em consideração as demandas e reivindicações das comunidades já impactadas ou que estão nas áreas de risco”, alertou Nicole Figueiredo de Oliveira, diretora da 350.org Brasil e América Latina e coordenadora da COESUS.
Desde a 13a Rodada, quando o leilão foi interrompido sob protestos da 350.org e COESUS, a ANP não diz explicitamente nos editais se os blocos incluem a exploração de gás de xisto pelo método não convencional do fraturamento hidráulico, mais conhecido como fracking. “A Agência se vale da ausência de uma legislação nacional que discipline a utilização do fracking para promover os leilões e abrir o Brasil à indústria mais devastadora e perversa que existe, e omitindo isso da população que será diretamente afetada. Sem transparência e avaliação de impacto ambiental, a ANP permite que o vencedor da concessão utilize qualquer tecnologia para a exploração do bloco sem a devida consulta pública e esclarecimento às comunidades impactadas ou aos gestores públicos e parlamentares”, cobrou em sua fala Suelita Röcker, pedagoga especialista em Educação Ambiental e Coordenadora de Engajamento e Comunidades da COESUS.
Desde 2013, a COESUS, 350.org Brasil e parceiros, através da campanha Não Fracking Brasil, realizam o trabalho de informar à população sobre os riscos e perigos desta atividade minerária e seus impactos para a biodiversidade, economia, produção de alimentos, saúde da população e para o clima do planeta. Mais de 350 cidades em diversos estados do país já aprovaram legislação municipal que proíbe operações de fracking – também conhecido como o “gás da morte” -, inclusive a fase da pesquisa sísmica que provoca danos severos à biodiversidade e às pessoas. Outras centenas estão debatendo o projeto idealizado pela campanha, e que está à disposição das prefeituras e Câmaras Municipais.
Segundo o advogado José Lira, especializado em Direito Ambiental e coordenador regional da COESUS em São Paulo, análises técnicas preliminares, como o Parecer Técnico Preliminar n. 2017, produzido pelo Grupo de Trabalho Interinstitucional de Atividades de Exploração e Produção de Óleo e Gás (GTPEG) do Ministério do Meio Ambiente, que trata da análise ambiental prévia das áreas relativas à 14a Rodada, já identificaram os potenciais impactos decorrentes da exploração dos blocos a serem leiloados. “Tudo indica que a ANP está novamente camuflando a possibilidade de exploração de gás natural por meio do fraturamento hidráulico, uma vez que os estudos do GTPEG mencionam a utilização da técnica. Requeremos a suspensão do leilão até que todas as intenções de exploração sejam colocadas de forma clara e objetiva”, afirmou Lira.
“Nós da COESUS e da 350.org, juntamente com nossos milhões de apoiadores, exigimos que a ANP aja com verdade e transparência para com a sociedade civil, banindo o uso da técnica do fraturamento hidráulico conhecida como fracking nos ambientes onshore e offshore para exploração do gás de xisto e dos mantos carboníferos metânicos que colocam em enorme risco a saúde pública, a agricultura nacional e o meio ambiente”, frisou o advogado.
A audiência acontece no mesmo mês em que o Acordo de Paris foi promulgado pelo governo brasileiro, passando a valer como lei nacional, e em que o presidente Michel Temer, juntamente com o presidente da Rússia, Vladimir Putin, emitiu uma declaração pública afirmando que o combate ao aquecimento global é “inadiável”. O leilão da 14a Rodada está previsto para o dia 27 de setembro.