A repressão policial a um protesto de cerca de 400 indígenas do povo Kukama contra a empresa de petróleo canadense PetroTal, na madrugada de sábado (08) para domingo (09), deixou três manifestantes mortos e 11 feridos, dos quais seis em estado grave, no departamento de Loreto, no nordeste do Peru. Seis policiais também ficaram feridos. As informações são do site de notícias RPP e da agência de notícias OjoPúblico, ambos peruanos.
Os indígenas pediam a paralisação das atividades da PetroTal, o envio de medicamentos para ajudar no tratamento da Covid-19 nos hospitais da região e uma melhor compensação pelo uso do território indígena por parte da empresa.
Segundo a Organização de Povos Indígenas do Oriente do Peru (Orpio), as três pessoas mortas tinham feridas de bala em seus corpos. A Polícia local afirma que está investigando se as mortes se deram em decorrência de disparos ou por outras causas.
Participantes do protesto relatam que a Polícia agiu com violência desproporcional. O líder indígena Mayter Flores Crispin, irmão de um dos manifestantes assassinados, Cheminson Flores Crispin, contou à equipe da OjoPúblico que os indígenas levavam apenas lanças, mas que mesmo assim a Polícia não hesitou em usar armas de fogo quando a situação ficou mais tensa.
“A Polícia praticamente veio para nos matar. Somos um povo pacífico”, afirmou Mayter.
Já na versão da Polícia, os indígenas também portavam escopetas com balas de chumbinho e dispararam contra os policiais primeiro, o que motivou a reação das forças de ordem. O ministro do Interior do Peru, Jorge Montoya afirmou que os seis policiais feridos têm marcas de balas de chumbinho pelo corpo.
Mesmo depois do enfrentamento, que terminou em pleno Dia Internacional dos Povos Indígenas (09 de agosto), o clima na região segue tenso. A Polícia enviou reforços para o local e uma comissão formada por representantes do governo federal, entre eles o ministro da Cultura, Alejandro Neyra, viajou à região para buscar uma “pronta solução” para o conflito.
O presidente da Orpio, Jorge Pérez Rubio, diz que os indígenas da região exigem uma investigação da ação policial no fim de semana, o fim da repressão aos protestos e a abertura de um diálogo para que as demandas dos povos da região sejam atendidas.
Petróleo levou contaminação, mas não desenvolvimento
Em depoimento à OjoPúblico, o pesquisador de comunidades indígenas Alberto Chirif Tirado, um dos maiores especialistas peruanos no tema, disse que os Povos Indígenas da região estão cansados das empresas extrativas. Na visão desses Povos, as companhias não beneficiam suas comunidades e retiram-se do território depois que o petróleo ou o gás acabam, deixando como legado só a contaminação.
O protesto de 09 de agosto dirigia-se especificamente à petrolífera canadense PetroTal, que opera em dois lotes na Amazônia peruana, entre eles o 95, no distrito de Puinahua, no departamento de Loreto. Concedido à companhia pelo governo peruano, em 2005, o lote ocupa uma área de 3450 quilômetros quadrados e responde por uma produção de 12 mil barris de petróleo por dia.
As operações no lote 95 começaram em novembro de 2018 e foram anunciadas pelo presidente peruano, Martín Vizcarra, que à época reconheceu que havia “riqueza no solo, mas pobreza na superfície” daquela região.
Quase dois anos depois, o cenário segue desalentador. Dados oficiais mostram que apenas 45% da população do departamento consomem água tratada da rede pública e que só 42% têm acesso à rede de esgoto. Na província onde o lote 95 se encontra, existem quatro centros de saúde, todos de atendimento básico e com infraestrutura inadequada, segundo o próprio Ministério da Saúde peruano.
De acordo com o líder da Associação Indígena de Desenvolvimento e Conservação do Baixo Puinahua (Aidecobap), Hans Pérez, que participou do protesto do fim de semana, as demandas dos indígenas incluem que a PetroTal crie um fundo econômico com valores correspondentes a 10% da produção de petróleo. Esses recursos seriam destinados a projetos de segurança alimentar, fornecimento de água, esgoto e energia elétrica, além de remédios para tratamento da Covid-19.
O que pensa a 350.org
A 350.org lamenta profundamente a morte dos manifestantes que perderam suas vidas no protesto de 09 e 10 de agosto e apoia a busca de soluções não-violentas para as demandas dos Povos Indígenas da região.
Ao longo de séculos, as populações indígenas foram atacadas em todo o continente americano e tiveram seus direitos negados. Está mais do que na hora de nossos países corrigirem esse erro histórico e oferecerem às comunidades indígenas os serviços públicos adequados, a segurança e o respeito que elas merecem.
O respeito dos governos e das empresas deve se estender também aos territórios indígenas. A 350.org apoia a demanda de líderes e movimentos indígenas pelo fim da exploração de suas terras e por uma visão de desenvolvimento baseada em um mundo livre de combustíveis fósseis.
“Não precisamos de petróleo, gás e carvão para garantir recursos que permitam investimentos em uma recuperação justa frente à pandemia de Covid-19. Pelo contrário, o mundo estará bem melhor econômica, social e ambientalmente se investirmos em energias limpas e controladas pelas comunidades”, afirma Ilan Zugman, diretor interino da 350.org na América Latina.