Após diversas manifestações contrárias à Medida Provisória 795, tanto por parte da sociedade civil quanto por parlamentares, ela sofreu uma reviravolta no Senado Federal nesta terça-feira (12). Durante a votação, os senadores oposicionistas reforçaram a inconstitucionalidade da matéria, o que obrigou o presidente, Eunício Oliveira (PMDB-CE), a cobrar uma correção no texto, que entrou na forma de uma emenda de plenário, reduzindo o prazo para os incentivos fiscais de 25 para cinco anos. Com essa alteração no texto-base, a medida, que propõe incentivos fiscais de centenas de bilhões às petroleiras durante suas atividades de pesquisa e exploração no Brasil, foi aprovada por 27 votos a 20, mas precisa voltar à Câmara dos Deputados para uma nova votação antes de seguir para sanção presidencial.
A emenda partiu de um requerimento do senador Lindbergh Farias (PT-RJ), líder do partido no Senado, sob o argumento de que, segundo a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), desonerações fiscais só podem ser concedidas por, no máximo, cinco anos, e a MP previa isenções até 2040. Segundo ele, foi o relator da proposta, deputado Júlio Lopes (PP-RJ), que inseriu no texto original da MP a prorrogação do benefício fiscal até 2040. “Mesmo alterando o prazo, essa Medida Provisória continua sendo a oficialização de um assalto aos cofres públicos nacionais. O governo fala de ajuste fiscal, mas quer votar uma aberração dessas”, defendeu.
Outra manobra para driblar a legislação já havia sido denunciada em uma Ação Popular ajuizada na Justiça Federal do DF na última semana por Nicole Oliveira, diretora da 350.org Brasil e América Latina. A ação alega que a MP, rebatizada de PLV 36 após sua passagem pela Câmara, descumpre a Lei de Responsabilidade Fiscal, uma vez que as perdas totais decorrentes da renúncia fiscal não foram consideradas na estimativa de receita do Projeto de Lei Orçamentária, que ainda está para ser votado.
“O que estava ao alcance da sociedade civil nós fizemos. As votações foram apertadas na Câmara e no Senado porque nós estávamos lá todo esse tempo, trazendo o contraponto. O governo federal, que deveria proteger os direitos dos cidadãos brasileiros, quer tirar a Previdência Social e permitir o incentivo à indústria fóssil. Mas nós acreditamos que essa briga não acaba aqui. Se o governo não faz a sua parte, cabe a nós impedir que este enorme contrassenso siga em frente. Vamos continuar mobilizando a população contra essa que é a indústria mais poluente de todas, e também vamos apelar à Justiça para que essas manobras políticas não passem impunemente”, declarou Nicole.
O prazo para a Câmara dos Deputados votar a proposta está apertado. A MP expira na próxima sexta-feira (15), em um cenário que antecede as férias dos parlamentares e que tem como prioridade a votação da reforma da Previdência. Enquanto os senadores discutiam a matéria, líderes da base aliada na Câmara agiram rapidamente e já incluíram a MP como primeiro item de pauta da sessão desta quarta-feira (13). A matéria retorna para análise dos deputados como prioridade, trancando a pauta de votações.
Para o secretário-executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl, o governo brasileiro joga contra os interesses do país e o tão desejado equilíbrio fiscal. “O Acordo de Paris faz dois anos e líderes mundiais se reúnem na capital francesa para acelerar a agenda global de Clima. Enquanto isso, o presidente Temer e sua base seguem na contramão da história. Além das petroleiras, a quem mais interessa esta Medida Provisória, às vésperas de um ano eleitoral?”
A renúncia fiscal que acompanha a MP, seja com prazo estendido ou não, leva a uma enorme perda de recursos dos cofres públicos. Se os deputados rejeitarem o destaque, terão aprovado um texto inconstitucional. Se o aprovarem, reduzirão a farra das petroleiras, mas ainda assim concederão subsídios imorais à atividade, num momento em que o Brasil sofre com a crise fiscal e os gastos públicos são congelados. “Ambos os textos assaltam o caixa do país e são uma tragédia para o clima. A diferença entre eles é só o tempo pelo qual autorizam que os crimes sejam cometidos”, disse Marcio Astrini, coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace.
Em discurso na tribuna, a senadora Gleisi Hoffmann lembrou outro ponto polêmico e que não foi retirado do texto: o perdão às dívidas das petroleiras com a Receita Federal entre 1997 e 2014. Segundo análise da Associação Nacional dos Auditores da Receita Federal (Unafisco), essa anistia equivale a um benefício extra de cerca de R$ 54 bilhões a gigantes como a Exxon, Shell, BP e Petrobras. “Essa MP prevê um benefício retroativo, que é na verdade um perdão. Ao aprovar essa MP, estarão zerando o imposto de importação sobre serviços ou equipamento vindos do exterior, e abrindo mão bilhões em tributos.”
Em sua intervenção, Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) frisou que, apesar de o regimento da Casa permitir até cinco discursos contra e cinco a favor das propostas em debate, apenas o senador Fernando Bezerra (PMDB-PE) se pronunciou em defesa da matéria. “Isso quer dizer que o plenário do Senado Federal ou não domina o conteúdo ou é contrário à medida”, disse a senadora, que em seguida parabenizou o colega pela “coragem” em defender a matéria.
Randolfe Rodrigues (REDE-AP), lembrou os impactos dessa MP em pleno aniversário do tratado climático global no qual o Brasil declarou seu compromisso em reduzir as emissões de gases-estufa e limitar o aquecimento global abaixo de 2ºC. “Exigimos que essa medida seja repelida, rejeitada e arquivada. Ela vai na contramão de todos os acordos de redução de CO2 assinados pelo Brasil, e portanto ela é imoral, anti-ambiental e um arranjo do Temer as grandes multinacionais do petróleo.” Já Jorge Viana (PT-AC) chamou-a de “a materialização do golpe” e da “destruição do patrimônio brasileiro”.