20 abril, 2023

Indígenas da Argentina alertam brasileiros sobre os perigos do fracking

Mapuches originários da Patagônia sofrem com impactos do fraturamento hidráulico não convencional na reserva de Vaca Muerta; lobby tenta implementar técnica no Maranhão

A formação geológica de Vaca Muerta, na província de Neuquén, na Patagônia argentina, é a segunda maior reserva de gás de xisto do mundo e a quarta maior reserva de óleo de xisto. Esses compostos, no entanto, só podem ser extraídos de forma não convencional por meio do fracking (fraturamento hidráulico), que perfura a terra de forma incisiva com a ajuda de produtos químicos. Os impactos dessa exploração são uma tragédia para os argentinos dessa região, em especial para os povos originários, como os Mapuche. Mesmo assim, um forte lobby empresarial tenta implementar essa técnica no Maranhão.

O fracking é proibido em vários países, incluindo França, Alemanha e Reino Unido. Na Colômbia, o governo liberou projetos piloto de fracking em 2022, mas a repercussão negativa foi tão forte que um projeto de lei para proibir o uso dessa técnica entrou em tramitação e já foi aprovado em dois turnos no Senado. No Brasil, o Paraná foi o primeiro estado a proibir o fracking, acompanhando a decisão de várias de suas cidades que já tinham banido essa exploração em nível municipal. Em 2019, Santa Catarina também aprovou uma lei antifracking.  

Em visita do presidente Lula à Argentina, em janeiro, o governo brasileiro sinalizou que pode financiar uma extensão do Gasoduto Néstor Kirchner, em Vaca Muerta, o que estimularia o setor fóssil no país vizinho e ampliaria o potencial de escoamento do gás até centros de consumo em Buenos Aires, Rosário ou mesmo para o Brasil. O presidente chegou a mencionar que a obra poderia ser realizada com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), mas a instituição negou que tenha planos nesse sentido

Independentemente da fonte de financiamento, se o Brasil se envolver na expansão da infraestrutura de petróleo e gás em Vaca Muerta, marcará um novo descompasso com seus compromissos climáticos sob o Acordo de Paris e agravará consideravelmente os impactos socioambientais na região. 

Para chamara atenção para esses riscos, lideranças do povo Mapuche participarão do encontro da sociedade civil Boas Energias Maranhão, em São Luís, no próximo fim de semana, em 21 e 22 de abril.  Eles farão um apelo à sociedade brasileira para que o país desista de financiar a ampliação do projeto de Vaca Muerta e alertarão as comunidades maranhenses sobre os danos que o fraturamento hidráulico pode trazer. Além do Maranhão, há projetos que ameaçam os estados de Mato Grosso do Sul, Tocantins e Piauí. 

“Não é possível ignorar que as empresas que o praticam estão proibidas por lei de realizar fracking nos territórios de seus próprios países”, afirma Fernando Eliseo Barraza, indígena Mapuche que participará do evento no Maranhão. Ele destaca que é importante o Estado brasileiro barrar o avanço do fracking em todas as suas regiões. 

Para o indígena, o desenvolvimento do fracking em Vaca Muerta configura racismo ambiental.

“É a negação da existência da população originária que já existia. Em decorrência da própria atividade poluidora e perigosa, a população envolvida no ecocídio é obrigada a abandonar parte de seu território caso faça fronteira com o extrativismo, senão a totalidade. A falta de aplicação dos direitos de moradia comunitária sancionados por leis nacionais e tratados internacionais (como o 169 da OIT) também favorece a sessão de terras cadastradas como ‘fiscais’ para as petrolíferas, condenando aqueles que as habitam e habitaram ancestralmente”. 

Barraza aponta que as empresas responsáveis pela exploração de petróleo e gás em Vaca Muerta descumprem acordos de recuperação ambiental baseados em estudos que elas mesmas apresentam. Na região, estão presentes gigantes petrolíferas multinacionais como Shell, Total e Chevron, além de empresas argentinas como a YPF.

Entre os impactos ambientais destacados pelo representante indígena estão a escassez de água potável e envenenamento dos lençóis freáticos, a piora nos quadros de saúde da população local, causada pela contaminação por metais pesados e poluição do ar, levando inclusive a aumento da taxa de abortos, além de terremotos induzidos pelo homem. 

“Temos o sonho de que ao levarmos nosso testemunho vivencial sobre o que esse ecocídio está gerando, dispare o alerta e com ele o trabalho consciente em busca de uma militância mais ativa contra o fracking”, finaliza Barraza.

 

Mais informações sobre o evento com a jornalista Susiane Moreira (98) 98231-4611

Pedidos de entrevistas podem ser organizados com a jornalista Tatiane Matheus +55 11 95850-0128.