Agência divulgou pré-edital para a participação de empresas nacionais e internacionais na 14ª Rodada de Licitações, marcada para 27 de setembro no Rio de Janeiro
Por Silvia Calciolari
Não chega a ser surpresa para os representantes dos movimentos ambientais, climáticos e sociais, lideranças indígenas, religiosas e políticas que o governo federal, através da Agência Nacional de Petróleo e Gás (ANP), dê prosseguimento ao cronograma de leilões de blocos para exploração e produção de petróleo e gás no país.
O que causa estranheza é a forma obscura e irresponsável com que a ANP conduz esse processo sem dar ouvidos ou sequer levar em consideração as demandas e reivindicações das comunidades já impactadas, ou que estão nas áreas de risco. Ainda mais quando sabemos que entre as principais funções de uma agência reguladora estão a criação de regras para o setor, controle da qualidade na prestação de serviços e a defesa do interesse público.
No papel é tudo muito lógico, mas infelizmente não é o que se vê na prática. Como já aconteceu nas rodadas anteriores, novamente o pré-edital para a 14ª Rodada de Licitações não explicita quais tecnologias serão permitidas para a exploração dos blocos arrematados. Nenhuma menção aos métodos convencional ou não convencional, este último realizado através do fraturamento hidráulico, ou fracking, na tradução em inglês, tecnologia altamente poluente e contaminante, e grande consumidora de água.
Programada para 27 de setembro, a 14ª Rodada oferta 287 blocos nas bacias sedimentares marítimas de Sergipe-Alagoas, Espírito Santo, Campos, Santos e Pelotas, e nas bacias terrestres do Parnaíba, Paraná, Potiguar, Recôncavo, Sergipe-Alagoas e Espírito Santo.
A rodada anterior, a 13ª, realizada em outubro de 2015 sob protesto da COESUS – Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida – e 350.org Brasil, terminou com apenas 14% das ofertas arrematadas. Ao todo, foram oferecidos 266 blocos, em 22 setores de 10 bacias sedimentares – mas apenas 37 foram arrematadas sem que Petrobras fizesse nenhuma oferta.
Veja no mapa as áreas ofertadas nesta 14ª Rodada de Licitações e as demais áreas de risco no Brasil.
“A ANP se vale da ausência de uma legislação nacional que discipline a utilização do fracking, para promover os leilões e abrir o Brasil à indústria mais devastadora e perversa que existe”, afirma Juliano Bueno de Araujo, coordenador de Campanhas Climáticas da 350.org e da COESUS.
Na prática, a agência age sem transparência e permite que o vencedor da concessão utilize qualquer tecnologia para a exploração do bloco sem a devida consulta pública e esclarecimento às comunidades impactadas, muito menos aos gestores públicos e parlamentares.
Juliano destaca ainda: “A ANP insiste em perseguir uma matriz energética suja e poluente que é diretamente responsável pelas mudanças climáticas, ao mesmo tempo que contraria as metas apresentadas pelo Brasil para redução de emissões e ratificadas no Acordo de Paris”.
Desde 2013, a COESUS, 350.org Brasil e parceiros, através da campanha Não Fracking Brasil, realizam o trabalho de informar à população sobre os riscos e perigos desta atividade minerária e seus impactos para a biodiversidade, economia e produção de alimentos, saúde da população e para o clima do planeta.
Mais de 350 cidades já aprovaram legislação municipal que proíbe operações de fraturamento hidráulico para extração do gás de xisto, inclusive a fase da pesquisa sísmica que provoca danos severos à biodiversidade, às pessoas e até terremotos. Outras centenas estão debatendo o projeto idealizado pela campanha e que está à disposição das prefeituras e Câmaras Municipais.
Desinvestimento Já!
“Realizamos centenas de audiências públicas, seminários, palestras e oficinas para capacitação, e estamos mobilizando milhões de mulheres e homens, além de muitos jovens, para defender as reservas de água, o solo fértil e saúde das famílias”, explica Nicole Figueiredo de Oliveira, diretora da 350.org Brasil e América Latina e coordenadora nacional da COESUS.
Quando as pessoas são informadas dos impactos ambientais, econômicos e sociais que a indústria dos combustíveis fósseis (petróleo, carvão e gás) provoca, há uma pressão para que os legisladores aprovem a proibição e não façam a população correr riscos. “As pessoas não querem estar sujeitas e nem conviver com a destruição que essa exploração minerária impõe. Elas querem energia renovável, limpa e segura, e principalmente livre”, completa Nicole.
Um exemplo de que não há licença social para a ANP sair vendendo o subsolo é o Paraná. A campanha Não Fracking Brasil informou, mobilizou e conseguiu sensibilizar os deputados estaduais, que aprovaram a Lei 18.947/2016 e suspenderam por 10 anos qualquer tipo de licenciamento ambiental para a exploração por fracking. Foi o primeiro estado brasileiro a ter uma legislação específica sobre o tema e que está sendo disseminada pelas Assembleias Legislativas do país.
Para não restar dúvidas sobre a postura da ANP, basta verificar o que aconteceu durante a 4ª Rodada de Acumulações Marginais, chamada ‘rodadinha’, realizada no último dia 11 de maio no Rio de Janeiro. Lideranças indígenas, de pescadores e ativistas da 350.org e outros coletivos foram constrangidos e impedidos de entrar no prédio para acompanhar o leilão.
Do total do grupo de cerca de 100 pessoas, apenas 11 pessoas puderam entrar, desrespeitando o horário e a ordem de chegada na fila em frente à sede da ANP. “Foi dada preferência às empresas, deixando literalmente à margem a sociedade civil, indígenas e pescadores, que são as populações mais vulneráveis a essa exploração”, denuncia Nicole.
A ação no Rio de Janeiro fez parte da Mobilização Global pelo Desinvestimento dos combustíveis fósseis, que aconteceu em mais de 40 países e teve por objetivo mostrar que a grande responsável pelas mudanças climáticas é a indústria que explora e queima os fósseis. “Temos que deixar os fósseis no chão e investir em renováveis para conter o caos climático que já é uma dura realidade no planeta, inclusive para nós brasileiros, impactando as populações mais vulneráreis que nunca serão beneficiadas por essa exploração”, finaliza a diretora da 350.org Brasil e América Latina.