19 de abril. Dia do Índio. A data comemorativa foi criada em 1943 pelo Presidente Getúlio Vargas e, com o passar dos anos, foi sendo carregada e sustentada por uma série de estereótipos. A data não deixa de ser um importante marco de reflexão sobre a atual situação dos povos indígenas, mas é preciso ir além. Além da imagem caricata do indígena com cocar, penas, pinturas e corpo nu. É preciso entender que no Brasil hoje existem mais de 300 etnias em todas as regiões do país, que falam mais de 200 línguas diferentes e vivenciam realidades completamente distintas. É preciso reforçar os desafios de quem segue na luta constante em defesa do território, da cultura e ancestralidade, pela sobrevivência das comunidades e dos recursos naturais dos quais elas dependem.
A principal questão indígena hoje é territorial. Você já imaginou se tivesse que lutar pela sua casa, que é sua por direito? Pois esse é um embate que a maioria dos povos indígenas enfrenta diariamente há séculos. Aproximadamente 460 terras indígenas são regularizadas hoje no Brasil, representando cerca de 12,2% do território nacional, e outras dezenas ainda estão em processo de regularização fundiária, muitos deles paralisados nos órgãos competentes. A não demarcação desses territórios é uma ameaça aos povos que os habitam e à relação direta deles com a terra.
As terras indígenas são fundamentais para a reprodução física e sociocultural dos povos indígenas. Os benefícios e serviços prestados por estas áreas ao clima e ao desenvolvimento sustentável do planeta também são ainda muito pouco reconhecidos. Elas são fundamentais para a conservação da biodiversidade, pois as comunidades reconhecem o valor da floresta em pé. E os dados falam por si só: enquanto 20% da floresta amazônica brasileira foi desmatada nos últimos 40 anos, por exemplo, as terras indígenas na Amazônia Legal juntas perderam apenas 2% de suas coberturas florestais originais.
Resistência local e mobilização nacional
Os povos indígenas do Brasil vivem hoje o pior contexto político dos últimos 30 anos no que diz respeito à afronta de seus direitos constitucionais. O governo assumiu uma política declaradamente anti-indígena, pondo fim à demarcação e proteção dos territórios, acarretando invasão dessas terras por empreendimentos governamentais e privados. Isso não só vai contra os direitos garantidos pela Constituição brasileira de 1988, como também outras leis internacionais como a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), da qual o Brasil é signatário, e que prevê, entre outras coisas, a consulta livre, prévia e informada às populações tradicionais sobre quaisquer projetos que as impactem diretamente.
Medidas administrativas, legislativas e jurídicas estão sendo adotadas com o objetivo de restringir os direitos indígenas, legalizar a invasão e usurpação dos territórios para fins de exploração ilegal dos recursos naturais e implantação de empreendimentos de infraestrutura. Fazem ainda parte dessa ofensiva as práticas de cooptação, intimidação, perseguição e assassinato de lideranças.
Face a esse cenário de barbárie, que atinge não apenas os povos indígenas, mas a população brasileira como um todo, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) convoca a todos os povos e organizações indígenas de todas as regiões do país para a maior mobilização nacional do ano – o Acampamento Terra Livre (ATL), que será realizado em Brasília de 23 a 27 de abril. O lema do ATL este ano é: “Unificar as lutas em defesa do Brasil Indígena – Pela garantia dos direitos originários dos nossos povos”.
A importância do intercâmbio cultural
A evolução vem com o conhecimento. E para evoluirmos com relação à nossa percepção sobre a questão indígena no Brasil, além de olharmos para trás, para os erros e injustiças cometidas no passado, precisamos dar atenção ao que está sendo feito agora. Abrir a mente e fazer da empatia uma aliada é indispensável para que possamos respeitar e entender a importância da diversidade cultural, da memória, da história e do presente dos povos indígenas. Tantos costumes, tanta sabedoria não podem ser vistos como retrocesso. Temos muito o que aprender.
Momentos de troca são valiosos. Exemplo disso foi a Semana Cultural Indígena na Aldeia Tupã Nhe’é Kretã, localizada no município de Morretes, no estado do Paraná. A aldeia e a escola estadual indígena Emília Jera Poty realizaram a semana cultural indígena. O evento aconteceu de 16 a 18 de abril e foi um espaço para a troca de experiências, costumes e conhecimentos tradicionais. Um grande intercâmbio de culturas.
Para Kretã Kaingang, cacique do Paraná e membro da coordenação-executiva da Apib, a ideia é que as pessoas possam conhecer a aldeia, mas não como “um zoológico”, onde as pessoas observam passivamente, e sim como um espaço participativo de troca e de vivência na comunidade. Os participantes tiveram a oportunidade de saber como foi a chegada das famílias indígenas nesse território e como a aldeia se formou; qual o significado das danças indígenas; qual a importância dos rituais indígenas; além de experimentar a culinária local, que inclui itens como a mandioca, batata doce e o milho, feitos direto na brasa.
A aldeia recebeu durante a semana cultural várias turmas escolares. Um bom exemplo de que é possível falar sobre os povos indígenas sem usar dos mesmo estereótipos enraizados na educação escolar tradicional. É preciso entender que os indígenas são tão contemporâneos quanto nós, e que suas culturas se renovam e se atualizam tanto quanto a(s) nossa(s). E é fundamental entender que a luta dos povos indígenas é a mesma que a nossa: luta por um planeta melhor, mais saudável, sustentável, mais justo e igualitário.