A liberação de árvores transgênicas requer maior precaução tendo em vista que as árvores têm ciclos bem mais longos de vida e a sua interação com o meio ambiente é bem mais complexa do que a interação de plantas anuais, como a soja e o milho. A liberação do eucalipto transgênico exige uma preocupação ainda maior, uma vez que boa parte da produção de mel brasileira é oriunda do pólen dos eucaliptos.
O eucalipto transgênico foi desenvolvido pela empresa FuturaGene, uma subsidiária da Suzano Papel e Celulose, a segunda maior produtora de celulose de eucalipto do mundo. De acordo com a empresa, o eucalipto transgênico pode elevar a produtividade do volume de madeira em até 20% em relação ao eucalipto convencional.
A Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio), responsável pela autorização do uso de transgênicos no Brasil, realizou, em setembro de 2014, uma audiência pública sobre o eucalipto transgênico. Com o objetivo de acelerar o processo de liberação de seu produto, a audiência pública foi solicitada pela própria empresa. Essa audiência contou com a presença maciça de funcionários da empresa e foi um espaço insuficiente para um debate mais aprofundado com a sociedade civil. Vários questionamentos levantados pela sociedade civil e por gestores públicos não foram devidamente respondidos.
No relatório de biossegurança apresentado pela empresa à CTNBio, consta como justificativa, para a não realização de uma avaliação mais aprofundada, a reduzida disponibilidade de tempo e a liberação tardia dos recursos destinados a financiar as pesquisas sobre os efeitos do eucalipto transgênico. Baseando-se nessa desculpa, a FuturaGene eximiu-se de realizar o estudo sobre as proteínas do mel, o efeito desse mel sobre as bactérias da flora intestinal, a possibilidade de transferência dos genes transgênicos para os micro-organismos e os possíveis efeitos tóxicos, mutagênicos e teratogênicos (efeito sobre fetos), entre outros.
Além disso, sob as mais diversas justificativas, outras análises obrigatórias deixaram de ser realizadas e estudos relevantes mais específicos, como a análise dos impactos da plantação de eucalipto transgênico sobre a disponibilidade da água, também não foram feitos da forma adequada. Parte dos estudos de campo ainda está em andamento. Mesmo sem a realização das devidas análises de impacto e risco e sem obtenção de resultados das pesquisas que ainda estão em curso, a empresa apressou-se em solicitar a audiência pública para acelerar a liberação do eucalipto transgênico.
Qual seria a atitude esperada da CTNBio diante da “estratégia” da empresa de alegar falta de recursos financeiros e de tempo, entre outras justificativas, para não realizar a devida avaliação de impacto e de risco? O esperado seria determinar a realização dos estudos e paralisar os procedimentos para a liberação até que as devidas avaliações estivessem concluídas ou aceitar essas justificativas e dar andamento ao processo?
O esperado de uma comissão que deve zelar pela proteção da saúde humana e do meio ambiente seria determinar a realização de novos estudos e a conclusão dos que estão em curso. Mas, não foi isso o que aconteceu. Sem que fossem realizados os estudos necessários, a CTNBio deu andamento ao processo e a Subcomissão Setorial Permanente de Saúde Humana e Animal do colegiado aprovou, em novembro, a liberação comercial do eucalipto transgênico. Agora, falta a aprovação na Subcomissão Setorial Permanente das Áreas Vegetal e Ambiental, para que posteriormente o pedido de liberação possa ser encaminhado à plenária para a aprovação final.
Até recentemente, a CTNBio estava sem representantes do Ministério do Meio Ambiente (MMA), os quais foram nomeados após a realização da referida audiência pública. Além disso, os cargos (titular e suplente) de especialista de meio ambiente a ser indicados pela sociedade civil e nomeados pelo MMA continuam vagos. A dimensão ambiental está enfraquecida na composição da CTNBio e, a despeito disso, ela tem dado continuidade à aprovação dos transgênicos. Em abril, por exemplo, o colegiado aprovou a liberação comercial do mosquito transgênico Aedes aegypti para combater a dengue sem que os especialistas da área ambiental estivessem presentes. Aspectos relevantes como o impacto desses mosquitos sobre o saneamento ambiental e o controle biológico de pragas não foram avaliados com a ausência desses especialistas.
É importante recordar uma decisão política que facilitou a aprovação dos transgênicos no Brasil. Em 2007, o então presidente Lula sancionou uma lei que reduziu o número de votos necessários à liberação de transgênicos, que passou de dois terços dos membros da comissão à maioria simples. Como a CTNBio tem 27 membros, o número de votos necessários à aprovação caiu de 18 para 14. Essa diferença de quatro votos foi essencial para “destravar” a liberação dos transgênicos. Mais de 90% das plantas transgênicas permitidas hoje no país foram liberadas após essa mudança.
Postura irresponsável
A postura do Estado brasileiro frente aos transgênicos não tem sido de responsabilidade. Além dos riscos de sua liberação sem os estudos adequados, hoje o consumidor brasileiro não têm sequer seu direito à informação respeitado, para que possa escolher consumir ou não transgênico, pois nem a rotulagem tem sido cumprida. A liberação da primeira árvore transgênica no mundo não pode ser mais um exemplo da omissão do Estado brasileiro frente aos riscos e impactos que os transgênicos podem oferecer.
Caso o eucalipto transgênico seja liberado sem as pesquisas necessárias, não é apenas a saúde humana e ambiental que poderá ser prejudicada. Aspectos socioeconômicos também poderão ser afetados. O Brasil é o segundo maior exportador de mel orgânico do mundo. Essa atividade poderá ser prejudicada, uma vez que as normas de orgânicos não permitem transgênicos e haverá riscos de as áreas de produção orgânica de mel serem afetadas pelo pólen de eucaliptos transgênicos. Além disso, ao aprovar a liberação do eucalipto transgênico, o Brasil estará caminhando na contramão do mercado internacional, tendo em vista que a certificação Forest Stewardship Council (FSC) não admite que produtos oriundos de árvores transgênicas sejam certificados.
A questão de fundo sobre os transgênicos não é mais ser contra ou a favor dessa tecnologia. Hoje, os transgênicos (infelizmente para uns e felizmente para outros) são uma realidade que a sociedade precisa saber como lidar e definir quais limites irá impor. Uma das questões essenciais refere-se aos interesses dos diversos atores e como estes estão sendo representados. Se a CTNBio optar por autorizar a liberação comercial da primeira árvore transgênica no mundo sem que os devidos estudos tenham sido realizados, ela terá considerado os interesses da empresa acima dos da sociedade e do meio ambiente.
Que legitimidade tem a comissão, que tem como competência legal proceder à análise da avaliação de risco e emitir decisão técnica sobre a biossegurança dos transgênicos, se ela não exige da empresa os estudos necessários e assim favorece o interesse privado em detrimento do interesse público? A continuar a tendência atual, talvez esteja mais do que na hora de a sociedade brasileira exigir uma mudança da estrutura e da forma de atuação da CTNBio.
FONTE
Instituto Sociambiental