Indígenas de diversos povos e regiões do país se unem em uma semana de lutas (Fotos: Melissa Teixeira/350.orgBrasil/COESUS).

O cenário de retrocessos políticos e as estratégias necessárias para resistir à retirada de direitos são a principal pauta que une mais de 3 mil indígenas de todas as regiões do país no 15º Acampamento Terra Livre (ATL), que ocorre em Brasília durante toda esta semana. “A luta é o legado que nós povos indígenas deixamos para os nossos filhos”, destacou na plenária de abertura Kretã Kaingang, membro da coordenação-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e coordenador do programa indígena da 350.org Brasil.

Lideranças indígenas, representantes de organizações de apoio e de movimentos sociais discutiram a conjuntura e suas consequências para os povos indígenas durante a plenária geral desta terça-feira (24). A criminalização das lideranças indígenas foi um dos tópicos do debate. “É muito triste um momento em que nós, povos originários desta terra, somos criminalizados por lutarmos por nossos direitos”, lamentou Paulo Tupiniquim, também da coordenação da Apib.

Sônia Guajajara denunciou o domínio de representantes do agronegócio nos órgãos federais de assistência aos povos indígenas, como a Funai e a Sesai. “Muitas lideranças deram suas vidas para construir a Constituição Federal. Hoje, a responsabilidade é nossa de não permitir que rasguem nossos direitos”, concluiu. Ela também lembrou que Michel Temer é o primeiro presidente que não homologou nenhuma terra indígena, “numa tentativa clara de desconstrução da política indigenista”.

Já Kretã lembrou as perseguições que vem sofrendo e o afastamento forçado de seu território natal. “Fiquei um tempo preso, fui acusado de crimes que não foram provados e estou há quatro anos impedido por um juiz de me aproximar da terra onde eu nasci”, afirmou. Ele também frisou a importância do movimento indígena aderir à luta contra a exploração de combustíveis fósseis em seus territórios, e mencionou a campanha Não Fracking Brasil, encampada pela 350.org e pela Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida (COESUS).

“Nós temos uma campanha a nível nacional contra os combustíveis fósseis e contra a retirada do gás de xisto pelo método do faturamento hidráulico, que é totalmente tóxico e contamina os aquíferos. Temos 16 estados brasileiros hoje com terras sendo vendidas em leilão pela Agência Nacional de Petróleo e Gás (ANP). Tivemos uma vitória no último leilão, que não vendeu nenhum bloco. Não importa o tema, mas se for afetar nossos povos, temos que entrar e lutar para garantir nossos direitos. Contamos com vocês das outras regiões também para continuar essa luta, para que isso seja banido de uma vez por todas”, reforçou.

Na parte da tarde, a 350.org Brasil e a COESUS inflaram um balão gigante em frente ao Memorial dos Povos Indígenas do Brasil, onde acontece o acampamento, com a frase: “territórios livres de petróleo e gás”. A mensagem representa o apoio contínuo das organizações à luta indígena em defesa de seus territórios, dos recursos naturais ali presentes e dos direitos garantidos pela Constituição Federal e outras leis internacionais, como a consulta livre, prévia e informada sobre quaisquer empreendimentos que afetem diretamente as populações tradicionais.

Diversas lideranças tiraram fotos e deram seus depoimentos à equipe da 350.org e COESUS presente, contando seus desafios de cada território e região, e pedindo um modelo de desenvolvimento e energético que não impacte as comunidades. “Quando protegemos nossas terras nós protegemos toda a população brasileira. Queremos uma economia sustentável e com respeito aos povos indígenas”, defendeu Daiara Tucano.

História de resistência

Na plenária de abertura do primeiro dia de ATL, Kretã Kaingang, também representando a Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul (ArpinSul), contou um pouco da história de luta dos povos desde a primeira edição do acampamento, há 15 anos. “O ATL começou em 2003 com uma estrutura pequena e tivemos a coragem e audácia de naquela conjuntura pedir a demarcação das nossas terras. Hoje eu fiz questão de trazer a minha filha de 11 anos aqui para ela ver que a luta dos nossos povos não é fácil. E a luta é o legado que nós, povos indígenas, deixamos para os nossos filhos.”

Davi Popygua, da Comissão Guarani Yvyrupa, falou da luta pela demarcação da Terra Indígena Jaraguá, em São Paulo. “Ano passado estivemos aqui ocupando o Ministério da Justiça, cobrando uma resposta sobre a anulação da portaria da TI Jaraguá. Hoje temos uma vitória para contar aqui de toda essa luta que a gente faz, que é coletiva, de todos os povos indígenas do Brasil. A Portaria Declaratória do Jaraguá voltou a valer, a Justiça foi a nosso favor e hoje conseguimos essa vitória”, lembrou.

Alberto Terena, cacique do Conselho Terena, agradeceu aos mais jovens por estarem lá e os pediu para aprenderem com os mais velhos como fazer para conquistar seus direitos. “Ninguém tem que dizer como devemos viver, só nós mesmos. Esse Estado entra nas nossas terras para roubá-las. Para dizer o que tem que se fazer com elas. Não aceitamos. Os Guarani Kaiowá morrem no Mato Grosso do Sul. Não aceitamos.”

Valéria Paye, da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), reafirmou a necessidade da união para construir a luta por direitos: “Nós que vivemos nas terras indígenas sabemos o que sofremos. Três mil presentes nesse ATL 2018 é uma construção da nossa luta a várias mãos. É preciso ter clareza disso. A Apib somos todos nós”, frisou.

Antes e após as plenárias os indígenas de cada povo realizaram rituais, cânticos e danças tradicionais. Se apresentaram os Krahô-Kanela, Tapayuna, Xakriabá, Fulni-ô, Panará, Tabajara, Guarani, Guajajara, Potiguara, Tapeba, Tremembé, Kanindé, Kayapó, Pitaguary, Kalabaça, Kariri Xocó, Gavião, Tapuya, Awá Guajá, Pataxó e Munduruku.

*Com informações da Mobilização Nacional Indígena

Veja o album completo com as fotos do ATL 2018:

Acampamento Terra Livre 2018