Uma entrevista com o diretor 350.org Bill McKibben, republicado de Folha:

AFRA BALAZINA
da Folha de S.Paulo

“O número 350 é o mais importante do planeta”, diz o escritor e ambientalista americano Bill McKibben, 48. Essa cifra, diz, significa “segurança climática”. Neste caso, ele se refere ao limite de concentração de carbono na atmosfera que o mundo deve adotar para evitar uma catástrofe ambiental, medido em partes por milhão.

McKibben lidera um grupo que pretende disseminar o “350” pelo mundo como palavra de ordem. O nível atual de concentração já é maior do que isso: 381 ppm. No período pré-industrial era de 278 ppm.

No mês passado, militantes da campanha que adota o lema estiveram em Bonn (Alemanha) para protestar durante a reunião em que os países começaram a negociar suas metas de redução de gases-estufa. O acordo será fechado em dezembro, em Copenhague.

Em entrevista à Folha, McKibben diz que sua intenção é ajudar o presidente dos EUA, Barack Obama, a enfrentar aqueles que se opõem à intenção de reduzir as emissões de gases-estufa em seu país.

FOLHA – As pessoas comuns já sabem o que “350” significa?
BILL MCKIBBEN – Não, ainda não. Elas precisam entender que é uma forma abreviada de dizer “segurança climática”.

FOLHA – De onde o grupo tirou essa informação?
MCKIBBEN – De um estudo de James Hansen, da Nasa, e sua equipe. Quando o gelo do Ártico derreteu tão rápido no verão de 2007, cientistas constataram que qualquer quantidade de carbono na atmosfera que exceda 350 partes por milhão é demais. E isso é uma má notícia, porque agora já estamos em 387 partes por milhão e em crescimento constante. O mundo é como um paciente que vai ao médico e ouve: “Sua pressão está muito alta”. Sem reduzi-la, pode ocorrer acidente vascular cerebral. E o planeta já começou a ter AVCs -é por isso que o Ártico está derretendo, que grandes secas já atingiram muitas partes do mundo, que os mosquitos da dengue têm se alastrado tão rápido.

FOLHA – E como vão disseminar o número para o mundo?
MCKIBBEN – Além do site (www.350.org), no dia 24 de outubro, que é o Dia Internacional da Ação Climática, faremos milhares de protestos criativos para comunicar esse número [até agora existem 573 ações inscritas, em 50 países].

Teremos alpinistas no alto do Himalaia, 350 mergulhadores na Grande Barreira de Corais [Austrália], manifestações na ilha de Páscoa. E que tal ter 350 cariocas de biquíni darem o recado na praia de Ipanema? Ou 350 ciclistas nas maravilhosas ciclovias de Curitiba?

FOLHA – Seu livro “Hope, Human and Wild” (Esperança, Humana e Selvagem) fala sobre Curitiba. Qual é a sua opinião sobre a cidade?
MCKIBBEN – Foi um prazer mostrar Curitiba para o resto do mundo. O que mais gosto de lá é que é um lugar que conseguiu ser profundamente ambiental sem ter isso como objetivo. A meta parecia ser fazer a cidade funcionar, mas foi útil para o ambiente. Um bom sistema de ônibus faz com que as pessoas se movam melhor sem carros.

Mas, como é realmente bom, até as pessoas que podem comprar um veículo começam a usar o transporte público porque é fácil e prazeroso.

FOLHA – O Brasil pretende dobrar o número de termelétricas em dez anos. O que acha da ideia?
MCKIBBEN – Como planeta, nós temos de nos livrar dos combustíveis fósseis o mais rápido possível. Parte disso significa não construir mais usinas movidas a combustíveis fósseis.

Nos EUA, temos tido sucesso em impedir novas usinas a carvão. Não é justo para o Brasil, China e Índia deixar de fazer o que as nações ricas fizeram.

Mas a física e a química do aquecimento global mostram que não temos outra escolha. A única cura para essa injustiça é ter certeza de que as nações ricas irão fornecer alguns subsídios que permitam aos países em desenvolvimento evitar os combustíveis fósseis e encontrar outras fontes de energia.

FOLHA – Qual é a sua contribuição pessoal contra o aquecimento?
MCKIBBEN – Tenho painéis solares no telhado, para energia e água quente. Dirijo o primeiro carro híbrido da Honda no meu Estado [Vermont, EUA]. Procuro comer alimentos locais.

Mas a verdade é que estarei no avião boa parte do ano, tentando coordenar essa grande campanha global para combater a mudança climática. Por isso, minha pegada de carbono neste ano será muito muito grande.

FOLHA – O sr. acha que Obama terá sucesso em tornar os EUA engajados na questão do clima?
MCKIBBEN – Obama claramente quer fazer algo. A luta será no Congresso, onde os interesses da indústria de energia são muito fortes. É seguro afirmar que a Câmara dos Representantes e o Senado não farão o suficiente. Mas temos que fazer algo digno de crédito, para pelo menos iniciar o processo.