A ação realizada nesta quarta-feira (27) pela 350.org Brasil provou o seguinte: a violência emocional, física e a perseguição política não calam a voz ou ferem a honra de quem defende causas nobres. Após manifestação pacífica organizada em conjunto por diversas organizações, como a COESUS – Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida, durante a 14a Rodada de Licitações de blocos para exploração de petróleo e gás da Agência Nacional de Petróleo e Gás (ANP), ativistas e lideranças indígenas foram agredidos por seguranças e ainda continuam sofrendo perseguição e ameaças.
O Brasil continua se mostrando um país perigoso para quem defende causas relacionadas ao meio ambiente, ao clima e aos Direitos Humanos. Os manifestantes vêm sofrendo ameaças reiteradas, que colocam em risco a própria vida, sua liberdade e de seus familiares, e aumentam o sentimento de preocupação e vulnerabilidade. Para a diretora da 350.org Brasil e América Latina, Nicole Figueiredo de Oliveira, essa postura prova que, aliados a corporações extremamente poderosas e corruptas, este e outros governos querem silenciar os movimentos sociais e criminalizá-los pelo direito à livre manifestação.
“Nossas pautas têm cunho técnico, científico, político e ideológico. Defendemos um mundo melhor, mais saudável e justo para a toda a humanidade, com base em evidências publicadas pelos maiores centros de pesquisa e estudos do mundo. Sabemos que nossas demandas incomodam os interesses de grupos com muita influência política e financeira, e que muitas vezes são ligados a governos corruptos. Demonstrações como as de ontem sao legítimas e essenciais a qualquer sociedade democrática. Qualquer forma de repressão a elas é uma tentativa de calar aqueles que reivindicam seus direitos mais básicos”, afirmou.
A manifestação foi realizada no hotel cinco estrelas Windsor Barra, no Rio de Janeiro, onde aconteceu o leilão, que supostamente deveria ser público e aberto. Estavam presentes no ato ambientalistas, religiosos, agricultores, artistas e lideranças indígenas de diversos povos e regiões do país, como o cacique Kretã Kaingang. Representando a sociedade civil, eles foram parcialmente impedidos de participar, já que lhes foi reservada uma sala em separado, onde só se podia acompanhar o certame através de um telão.
Na linha de frente dos movimentos socioambientais há mais de uma década, Nicole encabeça a luta contra o fracking, técnica não convencional extremamente poluente para extração de petróleo e gás de altas profundidades, em países como Brasil, Argentina, Uruguai, Colômbia. É consultora e especialista em mudanças climáticas, direito e sustentabilidade, possui bacharelado em Direito e dois mestrados em Direito Internacional e Resolução de Conflitos, um pela Universidade para a Paz das Nações Unidas na Costa Rica, e outro pela Universidade de Innsbruck, na Áustria e Doutorado em Projetos. Nicole também foi especialista em mudanças climáticas para diversas organizações não governamentais internacionais, como a Humane Society International, a maior organização de proteção dos animais no mundo, e o Greenpeace.
“Para mim, testemunhar sem divulgar não faz sentido. Guardar a experiência e a sabedoria para si pode ser importante do ponto de vista da evolução pessoal, espiritual, intelectual, mas seguramente não provoca a mudança que eu quero para o mundo. Desde que percebi isso, decidi assumir uma postura mais ativa para incidir na tomada de grandes decisões e na formulação de políticas públicas, influenciando os rumos dos investimentos do país. Mas sempre fiz isso de forma pacífica e guiada pelos meus valores pessoais. Com a memória das catástrofes que testemunhei ao longo dos anos viva no meu coração, mantive minha mente focada nas estratégias e no objetivo que eu quero alcançar: conter as mudanças climáticas, revertendo o caminho quase sem volta ao qual estamos destinando nossa vida no planeta”, frisou a ativista.
À frente da 350.org Brasil e América Latina, Nicole luta contra a indústria dos combustíveis fósseis, a principal responsável pela crise climática global e uma das maiores envolvidas em casos de corrupção no Brasil e no mundo. Das 36 empresas que foram aprovadas para participar do leilão, mais de 60% são estrangeiras e pelo menos cinco delas estão envolvidas em casos de corrupção. Empresas como a Shell e ExxonMobil, por exemplo, compartilham casos de esquemas ilícitos envolvendo o governo nigeriano. A esta última ainda se soma o histórico agravante de ter omitido conhecimento sobre as mudanças climáticas há mais de meio século.
Ao todo, 17 empresas compraram áreas para exploração na 14a Rodada, sendo 7 delas estrangeiras. Apenas 13% dos blocos ofertados foram arrematados, mas dois deles sozinhos, comprados pelo consórcio Petrobras/ExxoMobil na Bacia de Campos, respondem por R$ 3,6 bilhões da arrecadação total de R$ 3,84 bilhões.
O líder indígena Kretã Kaingang, que foi agredido por seguranças da ANP, é um dos fundadores da Articulação dos Povos Indígenas do Sul (ARPINSUL), da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e do Acampamento Terra Livre (ATL), que é hoje o grande fórum do Movimento Indígena brasileiro. Ele é filho do cacique Ângelo Kretã, um dos principais comandantes do movimento pela retomada das terras indígenas no sul do Brasil na década de 1970. Ângelo foi também o primeiro vereador indígena do país, eleito em 1976, em plena ditadura militar, pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB).
Kretã luta pela demarcação das terras indígenas no Sul e Sudeste do país, contra a indústria do petróleo, o fraturamento hidráulico (fracking) e as mudanças climáticas. “Nós indígenas vivemos agressões, perseguições e intimidações diariamente em nossas terras. Não permitiremos que a água e a terra sejam contaminadas pelo petróleo ou pelo gás. E seguiremos lutando para evitar que destruam nossa vida”, destacou o cacique.