No dia do aniversário de dois anos da assinatura do Acordo de Paris contra os gases de efeito estufa, o Brasil se prepara para dar um presentão à indústria dos combustíveis fósseis: o Senado Federal deve votar nesta terça-feira (12) a Medida Provisória 795, a controversa MP do Trilhão. A medida concede subsídios de centenas de bilhões de reais às empresas de óleo e gás e pode ajudar a lançar na atmosfera 75 bilhões de toneladas de CO2 apenas do pré-sal – praticamente explodindo a chance da humanidade de cumprir as metas do tratado do clima, que visa estabilizar o aquecimento global bem abaixo de 2oC.
Aprovada por apenas 24 votos de diferença numa sessão conturbada que varou a madrugada do último dia 6 na Câmara dos Deputados, a MP promete um novo racha na base governista, já que divide a opinião também dos senadores.
A proposta concede isenções fiscais generosas às multinacionais do petróleo, levando o país a uma perda de arrecadação gigantesca em plena crise fiscal. Se aprovada, vai permitir que até o ano de 2040 todo o dinheiro investido na produção de óleo seja deduzido da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e do Imposto de Renda de pessoa jurídica, além de liberar a importação de equipamentos pelas multinacionais a imposto zero.
As estimativas mais conservadoras falam em benefícios de cerca de R$ 300 bilhões somente com os blocos do pré-sal ofertados nos últimos leilões. Mas, como a medida não afeta somente os campos do pré-sal, esse montante pode ultrapassar a cifra de R$ 1 trilhão.
A votação no Senado acontece quando líderes do mundo inteiro, inclusive o ministro do Meio Ambiente do Brasil, Sarney Filho, estão reunidos na França numa cúpula convocada pelo presidente Emmanuel Macron, que debaterá justamente o fim dos subsídios aos combustíveis fósseis.
“Se esta MP for aprovada pelo Senado, o governo e sua base aliada no Congresso terão enviado uma mensagem definitiva ao mundo de que não têm qualquer compromisso com a agenda global de clima. E fala muito sobre nosso país o fato desta votação acontecer no dia em que se celebram dois anos da aprovação do Acordo de Paris”, disse o secretário-executivo do Observatório do Clima, Carlos Rittl. “Mas se o presidente e os parlamentares que o apoiam não estão nem aí para o clima do planeta ou para o que o mundo pensa sobre suas decisões, como é que pretendem convencer os brasileiros de que estes têm que trabalhar mais e se aposentar mais tarde para equilibrar as contas públicas, se ao mesmo tempo oferecem centenas e mais centenas de bilhões para as ricas petroleiras mundiais?”, concluiu Rittl.
Na última quinta-feira (7), mais de 150 organizações da sociedade civil contrárias à medida protocolaram uma carta endereçada ao presidente do Senado, Eunício Oliveira (PMDB-CE), pedindo o arquivamento da MP. Também foi ajuizada na Justiça Federal do DF uma Ação Popular requerendo a nulidade do trâmite da MP, sob o argumento de que as efetivas perdas decorrentes da renúncia fiscal não foram consideradas na estimativa de receita do Projeto de Lei Orçamentária, violando o princípio constitucional da legalidade e a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Autora da Ação Popular, Nicole Oliveira, diretora da 350.org Brasil e América Latina, afirmou que a medida desrespeita não só os cidadãos como também a legislação brasileira. “Além de trazer retrocessos em setores como o meio ambiente, os direitos humanos, de povos indígenas e tradicionais, o governo Temer está agora minando as conquistas climáticas, o que irá afetar milhões de pessoas em todo o mundo. Ao invés de direcionar investimentos para fontes de energia renováveis, justas e acessíveis, prefere investir num setor em decadência como o petrolífero”, criticou.
Além de garantir o futuro das petroleiras, o governo Temer também está cuidando de seu passado. De acordo com análise da Associação Nacional dos Auditores da Receita Federal (Unafisco), a MP perdoa as dívidas das petroleiras com a Receita Federal entre 1997 e 2014, o que equivale a um benefício extra de cerca de R$ 54 bilhões aos acionistas de gigantes como a Exxon, Shell, BP e Petrobras.
“A MP tira dinheiro da saúde e da educação para rechear os bolsos das multinacionais do petróleo. Esses bilhões também irão incentivar a queima de combustíveis fósseis, agravando o aquecimento global. Com isso, o governo consegue, com uma mesma lei, criar uma tragédia ambiental e esvaziar os cofres públicos em favor de interesses privados”, afirmou o coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace Brasil, Marcio Astrini.
André Nahur, coordenador de mudanças climáticas do WWF-Brasil, lembrou o impacto que a MP 795 pode trazer para o clima do planeta no futuro imediato e de médio prazo. “Um aumento de 1,5o C no mundo irá causar danos irreversíveis para o bem-estar da sociedade brasileira e para setores importantes da economia nacional. Subsidiar a exploração do pré-sal é uma ação que, além de trazer perdas para a União, continuará gerando prejuízos sociais e econômicos por muitas décadas”.