Em meio ao cenário político atual pode parecer folclore, mas houve um tempo — em um passado recente — em que todos os países do mundo agiram rapidamente para discutir uma ameaça comum, concordaram com um plano de ação ambicioso e o fizeram funcionar. O protocolo de Montreal, que entrou em vigor há 30 anos, foi elaborado para abordar o alarmante desbaste da camada de ozônio na estratosfera da Terra. Foi o primeiro acordo na história das Nações Unidas que foi ratificado por todos os 197 países. Desde seu início, em 1º de janeiro de 1989, mais de 99% dos gases responsáveis pelo problema foram erradicados e o “buraco da camada de ozônio” — que, no final dos anos 80, disputava manchetes com a Guerra Fria, a Princesa Diana e Madonna — está retrocedendo tanto no céu quanto na memória.
De acordo com o último estudo das Nações Unidas, os buracos de ozônio (existem dois, um acima de cada polo) estão se restabelecendo à taxa de 1% a 3% por década e podem estar completamente restabelecidos no Hemisfério Norte no ano de 2030 e no Sul em 2060. Isso é um motivo para alegria, mas também frustração — visto que o mundo não conseguiu se unir de forma tão eficaz na crise climática e da biodiversidade. Por conta disso, aqui estão seis lições aprendidas no período:
O imaginário e a linguagem escolhida são importantes
A animação de satélite da atmosfera em mudança sobre a Antártica, divulgada pela primeira vez em 1985, parecia mostrar um crescente “buraco de ozônio”. Essa foi uma descrição cientificamente imprecisa do desbaste que estava concentrado nos dois pólos, mas a metáfora do telhado acima da nosso planeta sendo furado foi captada pela imaginação do público e gerou um senso de urgência. Em contrapartida, hoje muitas pessoas se sentem distantes dos problemas climáticos, que são normalmente ilustrados com imagens de ursos polares, cheios de alertas e destaques vagos, como “aquecimento global”, que pode soar benigno ou até desejável para quem vive em países muito frios, e mudanças climáticas, que parece ser uma declaração do óbvio.
Segurança em primeiro lugar
Quando os cientistas iniciaram os alertas sobre os gases de clorofluorcarbono (CFC), tiveram algumas incertezas sobre o impacto deles na atmosfera e o todo o processo, mas o bloqueio das as ameaças da luz do sol (câncer, problemas na agricultura, colapsos no ecossistema solar) pela camada de ozônio foi considerado tão importante que os líderes mundiais decidiram não esperar mais. Eles aplicaram o princípio da precaução: “se tiver dúvidas, é melhor acabar com o problema”. Mesmo antes da ciência ter uma definição, eles começaram a agir. Este também deveria ser o caso do clima, mas tentar influenciar a população para negar a legitimidade da ciência, principalmente nos EUA, tem impedido as ações.
A velocidade também importa
Na época, os governos deixaram as hostilidades da Guerra Fria temporariamente de lado e se reuniram rapidamente para buscar uma solução para o problema do ozônio. Desde a primeira pesquisa em 1973, só levaram 16 anos para o mundo discutir, concordar e definir uma solução para reverter a situação. Em comparação, alertas científicos que as emissões de dióxido de carbono podem desestabilizar o clima datam de 1962, no mínimo, visto que os riscos foram especulados muitos anos antes. Mesmo com inúmeros acordos internacionais envolvendo o tema desde então (Rio 1992, Kyoto 1998, Copenhagen 2009, Paris 2015), as emissões continuam a crescer.
Líderes devem liderar
Nos anos 1980, o meio ambiente ainda não era este problema polarizado que se tornou, mas as figuras dominantes — incluindo o presidente dos EUA, George W. Bush, o líder soviético, Mikhail Gorbachev, e a primeira ministra britânica, Margaret Thatcher — ainda tinham que relevar interesses comerciais, dúvidas de administração e a provisoriedade política para proteger a saúde do planeta. Eles recusaram aceitar as táticas demoradas das empresas químicas, algumas das quais argumentavam que deveriam esperar até a ciência ser mais clara. Atualmente, políticos apoiam os interesses em combustíveis fósseis, negam a ciência e enfraquecem a cooperação internacional.
O fardo deve ser compartilhado
A eliminação progressiva dos gases que prejudicam o ozônio foi um baque econômico para as empresas químicas, produtoras de refrigeradores e fabricantes de spray aerosol. Países ricos lidaram com perdas de emprego, avanços tecnológicos e outras consequências econômicas internas, mas também forneceram apoio para nações mais pobres para gerir a transição. De 1991 a 2005, os compromissos totalizaram $3,1 bilhões. Planos parecidos existem para os acordos climáticos, mas a soma precisa ser ainda mais alta porque as ações são muito mais custosas, a responsabilidade das nações industrializadas é muito maior e o impacto nos países pobres é incalculavelmente pior.
Se vale a pena fazer, vale a pena melhorar
O protocolo de Montreal foi atualizado inúmeras vezes à medida que a ciência se aperfeiçoou e novas metas climáticas foram estabelecidas. Esse mês, a emenda de Kigali adicionou um plano de cortar os hidrofluorcarbonetos em 80% nos próximos 30 anos, o que reduziria o aquecimento global em 0.4ºC até o fim do século. Sob o Acordo de Paris, os governos deveriam aumentar suas promessas para cortar as emissões, mas a maioria não está nem conseguindo atingir suas metas inadequadas atuais.
Ao olhar para essa lista, muitos jovens podem ficar tentados a concluir que o protocolo de Montreal foi possível porque ele foi estabelecido numa época em que os líderes mundiais eram mais inteligentes, políticos eram mais representativos e as populações eram mais suscetíveis à persuasão científica. Mas, qualquer pessoa que estava viva em 1989 sabe que essa é uma explicação simples demais. A realidade é que a ação ambiental era mais fácil porque o mundo tinha mais espaço para respirar ecologicamente, o capitalismo era menos dominante e o retrocesso corporativo — e o controle sobre a política — era mais fraco. A camada de ozônio era relativamente fácil de resolver se comparada com o clima, que é o maior, mais complexo e multidimensional desafio que a humanidade já encarou. Uma coisa é confrontar certa quantidade de empresas químicas, outra é combater empresas de combustíveis fósseis, fabricantes de carros, cimento e o agronegócio, representando centenas de milhões de empregos, trilhões de dólares e 200 anos de desenvolvimento industrial.
Bush, Thatcher, Gorbachev e o então líder chinês, Deng Xiaoping, sabiam disso em 1989, quando as temperaturas já estavam aumentando à uma taxa fora do natural. Um ano antes, em um depoimento do congresso norte-americano relatado em todo o mundo, o cientista da Nasa Jim Hansen havia declarado “com 99% de certeza” que o aquecimento visto era resultado da atividade humana. Eles também sabiam que o problema seria muito mais fácil de resolver naquela época do que 30 anos depois. Inicialmente, Bush prometeu liderar uma resposta global às mudanças climáticas, mas, assim que os custos de curto prazo de uma solução de longo prazo começaram a aparecer, ele hesitou. Em vez de uma resposta compreensiva, ele simplesmente fortaleceu as pesquisas, abriu o caminho para um longo processo de negociação global e, de forma complacente, colocou sua fé nas inovações e no empreendedorismo futuros.
Ele pode ter se assegurado que seu legado ambiental era seguro, graças às ações em defesa do ozônio. Mas as questões climáticas que ele e outros poderiam ter avançado 30 anos atrás ainda estão passando pelos corredores das conferências globais. É muito mais enferrujado agora, mas ainda lidamos com a mesma meia-resposta a um problema que se torna maior e mais difícil de resolver a cada ano que passa.
Então, o aniversário da implementação do protocolo de Montreal desse ano não deve ser apenas para nos deixar nostálgicos, mas uma maldição sobre a primeira geração de líderes que se esquivaram da responsabilidade climática. E, como nós já estamos sofrendo as consequências do fracasso, devemos nos lembrar que cada dia de atraso tem um custo enorme e iminente. Cada fração de um grau de aquecimento global que pode ser evitado salvará vidas, espécies e dinheiro.
Ainda em nossas vidas, o buraco de ozônio será fechado na estratosfera, enquanto o clima fica cada vez mais irritado. Quão irritado depende de nós. Montreal nos lembra que nada na política é inevitável, que os lucros não precisam vir antes das pessoas, que os problemas globais podem ter soluções globais, que podemos moldar nosso próprio futuro. Isso depende do quanto estamos dispostos a fazer. Em 1989, não foi o suficiente. E não tem sido desde então. Em 2003, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, chamou o protocolo de Montreal de “talvez o acordo internacional de maior sucesso até hoje”. Infelizmente, isso ainda se aplica hoje.
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