Leilão da Aneel Nesta sexta-feira, 25 de junho, o Brasil mostrou que em termos de política energética está vivendo uma relação bem tóxica com o carvão e o gás. O país precisa urgentemente ouvir os conselhos sinceros das amigas, de abandonar de vez esses “boys lixo”, que é como “xs jovens de hoje” chamam aqueles caras que só trazem ruínas e trevas para quem se envolve com eles.

A novidade de hoje foi a realização de mais um leilão de compra de energia de termelétricas a gás e a carvão. Tratou-se de um evento virtual, realizado pela Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEL) e coordenado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), em que distribuidoras de energia puderam contratar das geradoras o fornecimento de energia suja para abastecer sua demanda por 15 anos, a partir de 2025 ou 2026. 

Sim, em um momento em que dezenas de países correm para ver quem faz os anúncios mais ambiciosos de transição rumo a fontes renováveis, o governo brasileiro convida empresas a se amarrarem por 15 anos a uma energia gerada por fontes que comprovadamente agravam a crise climática global, encarecem a conta para o consumidor nacional e geram mortes e riscos de saúde para as comunidades locais.

Parece, mesmo, uma daquelas situações em que todo mundo vê que a pessoa está se envolvendo com alguém que faz muito mal a ela, mas, por algum motivo, infelizmente não consegue sair dessa enrascada. 

Nessa caso, porém, a razão pela qual o Brasil não se livra dos seus “boys lixo” está bem clara: uma mistura de interesse pessoal de indivíduos que já acumulam muito dinheiro, mas querem sempre mais, com uma visão ultrapassada de parte da sociedade sobre o que é desenvolvimento.

Diante de um mercado global que já rechaça o carvão e o gás e que tende a banir essas energias nas próximas duas ou três décadas, o pequeno grupo de acionistas, investidores e executivos de empresas que atuam nesses setores precisa correr para garantir que não perderá nem um centavo antes que a janela de oportunidade se feche. Não importa se, ao longo do caminho, vão tornar o clima da Terra insuportável para boa parte da população mundial. O importante é assegurar bônus e dividendos, para ampliar o patrimônio individual. 

Para isso, propagam o discurso de que é perfeitamente possível conciliar lucros e conservação ambiental e de que precisamos dos combustíveis fósseis para o desenvolvimento nacional. 

Em relação ao carvão, seus defensores dizem que é impossível abrir mão dessa fonte de energia imediatamente, ainda que energias como a solar e a eólica sejam mais baratas, eficientes, limpas e, em geral, socialmente mais justas. 

A necessidade do carvão no mundo atual é uma mentira deslavada, cada vez mais difícil de emplacar. Nem mesmo o argumento dos empregos gerados pelo setor se sustenta, frente às muitas experiências que já mostraram que as energias limpas criam mais e melhores postos de trabalho. O carvão é aquele “boy lixo” que nem consegue disfarçar seus graves defeitos. 

Já o papinho para justificar o gás é um pouco mais sofisticado. As empresas que produzem, distribuem e compram gás dizem, com outras palavras, que ele é “menos pior” do que o petróleo e o carvão. O engraçado é que essas comparações quase sempre omitem que as alternativas mais limpas já existem e estão, em muitos casos, mais baratas do que a energia proveniente de combustíveis fósseis. O gás é como o “boy lixo” que até tenta usar um verniz de cara legal, mas que em pouco tempo se revela tão ruim quanto o “boy lixo” sujão. E, do alto da sua hipocrisia, ainda diz: “Você não vai encontrar ninguém melhor do que eu”.

Seguir apostando nessa dependência de carvão e gás é a maior roubada, especialmente quando se trata de compromissos até 2040, quando muitas das maiores empresas do mundo e vários dos países de maior economia já estarão em patamares elevados de descarbonização. Por isso, leilões como o que a Aneel e a CCEL realizaram nesta sexta-feira são, por definição, um fracasso em termos de políticas públicas de energia e uma condenação ao isolamento do Brasil frente ao mundo.

Passou da hora de o nosso país dar uma chance a relações mais saudáveis com suas fontes de energia. Carvão e gás precisam virar personagens daquelas histórias que, depois de alguns anos, a gente relembra e pensa: “Nossa, como eu pude achar que isso ia dar certo?”.

 

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Peri Dias – Comunicação da 350.org