Artigo de Bill McKibben originalmente publicado no The Guardian e traduzido pelo blog O que você faria se soubesse o que eu sei?

CANADA ALBERTA FORT MCMURRAY 20.07.2009 - Luftaufnahme der Syncrude Aurora Oelsand Mine in einem Waldgebiet noerdlich von Fort McMurray. Die Oelsande in Alberta sind ein Gemisch bestehend aus durchschnittlich 83 % Sand, 10 % Bitumen, 4 % Wasser und 3 % Ton Aerial view of Syncrude Aurora tarsands mine in the Boreal forest north of Fort McMurray, northern Alberta, Canada. © Jiri Rezac / Greenpeace

A exploração das areias betuminosas, conhecidas como tar sands, é uma das formas mais poluentes de extração de petróleo. Sob aplausos da indústria fóssil, Trudeau faz questão de defender a atividade (Foto: Jiri Rezac/Greenpeace).

 

Donald Trump é tão espetacularmente horrível que é difícil desviar o olhar – especialmente agora que ele descobriu as bombas. Mas precisamente porque todos estão olhando boquiabertos em sua direção, outros líderes mundiais são capazes de se safar com quase qualquer coisa. Não acredita em mim? Olhe para o país ao norte, para Justin Trudeau.

Olhe tudo o que quiser, de fato – ele é bonito, o único líder soberano do planeta que parece ter abandonado recentemente uma boyband. E domina muito bem a política da inclusão: compassivo para com os imigrantes, perseverante em incluir mulheres em todos os níveis do governo. Dê-lhe um crédito grande onde é merecido: em muitos aspectos, ele é o anti-Trump, e não é à toa que os canadenses tiveram desmaios quando ele assumiu.

Mas quando se trata da questão definitiva dos nossos dias, a mudança climática, ele é irmão do velho laranja em Washington.

Não retoricamente: Trudeau diz todas as coisas certas, repetidamente. Ele não tem nenhum Scott Pruitt em seu gabinete: todos que trabalham para ele dizem as coisas certas. Na verdade, eles se especializaram em fazer com que outros também os digam – foram diplomatas canadenses, e a ministra do Meio Ambiente do país, Catherine McKenna, que pressionaram as negociações climáticas de Paris para um objetivo mais forte do que o esperado: 1,5°C.

Mas tais palavras não têm sentido se você continua a desenterrar mais carbono e vendê-lo às pessoas para queimar, e é exatamente isso que Trudeau está fazendo. Ele está trabalhando arduamente por novos oleodutos no Canadá e nos EUA para transportar ainda mais petróleo das areias betuminosas de Alberta, um dos maiores desastres climáticos do planeta.

No mês passado, em uma reunião da indústria petrolífera em Houston, ele foi ovacionado pelos empresários ao dizer: “Nenhum país poderia encontrar 173 bilhões de barris de petróleo no solo e deixá-los lá”.

Sim, 173 bilhões de barris são de fato a estimativa de óleo recuperável nas areias betuminosas. Então vamos fazer algumas contas. Se o Canadá desenterrar esse óleo e vendê-lo para as pessoas queimarem, será produzido, de acordo com os magos da matemática da Oil Change International, 30% do carbono necessário para nos levar além da meta de 1,5°C que o Canadá ajudou a definir em Paris.

Ou seja, o Canadá, que representa metade de 1% da população do planeta, está reivindicando o direito de vender o petróleo que consumirá um terço do restante do orçamento de carbono da Terra. Trump é uma deformidade, um perigo, é desagradável de olhar, mas pelo menos ele não é um belíssimo hipócrita.

Este “acender uma vela para Deus e uma chaminé para o diabo” é central para a auto-imagem da política energética do Canadá. [A ministra] McKenna, confrontada pelo veterano ambientalista canadense David Suzuki, disse com dureza: “Temos um plano incrível de mudança climática que inclui colocar um preço na poluição de carbono, também investindo em inovação limpa. Mas também sabemos que precisamos colocar nossos recursos naturais no mercado e estamos fazendo os dois.” Tá “serto”.

Fazer o segundo nega o primeiro – na verdade, o destrói por completo. Se o Canadá estiver ocupado espalhando carbono pelo mundo todo, não adianta muito se todos os Tim Horton (restaurante canadense do tipo fast food conhecido por seus cafés edoughnuts) parassem de vender rosquinhas e começassem a vender painéis solares.

O Canadá tem companhia nessa farsa. Malcolm Turnbull, da Austrália, é supostamente mais sensível do que seu antecessor, um fanfarrão como Trump. Quando sua nação assinou os acordos climáticos de Paris, disse: “É claro que o acordo foi um divisor de águas, um ponto de inflexão, e a adoção de uma estratégia abrangente galvanizou a comunidade internacional e estimulou a ação global”

O que é uma boa coisa a dizer – ou seria, se o seu governo não estivesse apoiando planos para explorar a maior mina de carvão na Terra. Essa única mina, em um país de 24 milhões de pessoas, produzirá 362% das emissões anuais de carbono que todo mundo nas Filipinas produz ao longo de um ano. Óbvio, é matematicamente e moralmente absurdo.

Trump, é claro, está trabalhando com o mesmo entusiasmo para agradar a indústria de combustíveis fósseis – ele instruiu oBureau of Land Management a tornar mais fácil a concessão de licenças para novos projetos de petróleo e gás, por exemplo. E os frackers nem sequer terão de rastrear quanto metano eles estão vomitando sob suas novas diretrizes. E por que eles deveriam? Se você acredita, como Trump aparentemente faz, que o aquecimento global é uma ilusão, uma farsa, uma miragem, você pode muito bem deixar isso de lado.

Trump está insultando o planeta, em outras palavras. Mas pelo menos ele não está fingindo o contrário.