A Agência Nacional do Petróleo e Gás (ANP) realiza nesta quinta-feira (29) a 15ª Rodada de Licitações de blocos para exploração de petróleo e gás. Finalmente com espaço garantido, representantes da Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida (COESUS) e da 350.org Brasil estarão novamente presentes, para mostrar aos investidores e ao governo que o modelo energético baseado na total dependência de combustíveis fósseis, que pode levar o planeta à falência múltipla em muito pouco tempo, não é a escolha da sociedade brasileira.
“A população já disse ‘não’ ao fracking. Desde 2012 estamos presentes em todos os leilões da ANP combatendo arduamente a exploração não convencional de gás e petróleo através dessa técnica, que nós apelidamos no Brasil de ‘gás da morte’. O investidor que se aventurar a concretizar essa empreitada vai encontrar pela frente uma forte resistência nos tribunais, por parte do próprio Ministério Público Federal, que nos apoia, nos poderes legislativos locais e nos setores organizados da sociedade. O fracking, definitivamente, não é uma boa opção. Não é viável economicamente, vide o caso americano, onde quase 70% das empresas faliram, e tampouco é sustentável do ponto de vista socioambiental”, afirmou Juliano Bueno de Araujo, fundador e coordenador nacional da COESUS.
Vinte empresas estão confirmadas para o leilão. Destas, quatro estão sendo processadas pelo governo de Nova York por sua responsabilidade no aquecimento global: as gigantes BP, Exxon, Chevron e Shell. A americana Murphy Oil, uma das inscritas, é parceria da Exxon em dois blocos de águas profundas nas bacias de Sergipe e Alagoas, e já realiza atividades de exploração não convencional através do fracking nos Estados Unidos.
O leilão, a ser realizado no Hotel Pullman, no Rio de Janeiro, será dividido em duas etapas: a parte da manhã contemplará os blocos marítimos e, à tarde, os terrestres. Seriam oferecidos no total 70 blocos em sete bacias sedimentares, abrangendo uma área total de 95,5 mil km². Mas na véspera, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou a retirada dos blocos exploratórios Saturno e Titã, por entender que, dadas as suas localizações nos limites do polígono do pré-sal, poderia acarretar prejuízos aos interesses da União.
Os blocos ofertados em terra estão localizados nas bacias do Parnaíba, nos estados do Maranhão e Piauí, e do Paraná, nos estados do Mato Grosso do Sul e Goiás. A ANP acredita que a arrecadação do governo com os leilões deste ano – a 15ª Rodada e a 4ª Rodada de partilha do pré-sal, prevista para junho – pode superar a previsão inicial de R$ 3,5 bilhões.
A ameaça do fracking
Desde que, fruto de intensa mobilização e pressão da sociedade, a Justiça Federal no Paraná decidiu cancelar os efeitos da 12a Rodada, em 2013, a ANP não explicita mais o uso do fraturamento hidráulico, mais conhecido como fracking, nos editais. Porém, muitos dos blocos ofertados no leilão de hoje, por exemplo, estão localizados em grandes profundidades no subsolo, o que pode indicar a intenção de utilização dessa técnica.
Trata-se de um método não convencional que realiza perfuração vertical e horizontal para extração de petróleo e gás de rochas de xisto. Por utilizar centenas de solventes químicos em sua atividade, e a proximidade com as águas superficiais e subterrâneas, o fracking é altamente contaminante, podendo causar graves prejuízos não só a rios e aquíferos, como também ao ar, ao solo, às atividades agrícolas e à saúde de pessoas e animais.
Além dos impactos socioambientais, a técnica também utiliza milhões de litros cúbicos de água doce que poderiam estar sendo direcionados para consumo, e intensifica as mudanças climáticas, uma vez que libera sistematicamente o gás metano, um dos causadores do efeito estufa e que, no curto prazo, é 86 vezes mais danoso que o CO².
Desde 2012 a COESUS, que reúne entidades civis e religiosas, sindicatos rurais, comunidades tradicionais, povos indígenas, cientistas, representantes da academia e outros, tem levado para diversos estados do país a Campanha Não Fracking Brasil. Hoje mais de 380 municípios já aprovaram leis que proíbem o fracking em seus territórios. O Paraná já conta com uma legislação estadual e o Estado de São Paulo está no mesmo caminho, já tendo aprovado o projeto de lei na Câmara Legislativa.
Nos últimos anos, a campanha tem se expandido para outros estados e regiões, e até países vizinhos, como Uruguai, Argentina e Paraguai, que compartilham com o Brasil a guarda de uma das maiores reservas de água doce subterrânea do mundo e a mais importante da América Latina, o Aquífero Guarani. Com capacidade para abastecer 400 milhões de pessoas, ele vem sendo constantemente ameaçado de contaminação por atividades exploratórias transfronteiriças como o fracking, e isso tem preocupado as populações nos quatro países.
“O governo brasileiro tentou por várias vezes, utilizando de diversos artifícios, calar a nossa voz. Mas a sociedade simplesmente não pode ser silenciada. A campanha tem ganhado cada vez mais força e apoio de diversos setores. Vamos mostrar que, apesar de as grandes empresas do setor petrolífero não quererem enxergar isso, a era dos combustíveis fósseis acabou. Ao estabelecer que o mundo precisa combater urgentemente o aquecimento global, o Acordo do Clima de Paris, de 2015, colocou um prazo de validade na indústria do petróleo. Para cumprir as metas, todo o nosso óleo e gás precisam permanecer no chão – não há outra opção”, defendeu Nicole Figueiredo de Oliveira, diretora da 350.org no Brasil e América Latina.
Participação da sociedade civil
Diferente do cerceamento de participação que vinha ocorrendo nas últimas rodadas, dessa vez membros da COESUS e da 350.org terão um espaço de fala durante a sessão pública de ofertas da ANP. Sete representantes de diversos estados e regiões do Brasil ameaçadas pelo fracking levarão às empresas investidoras e às autoridades governamentais a mensagem da população brasileira. A oratória será realizada na abertura da parte da tarde, e foi garantida pelo diretor-geral da ANP, Décio Oddone, durante reunião fechada com a coordenação nacional da coalizão no final de fevereiro.
Além de Juliano Bueno e Nicole Figueiredo, outros cinco membros da COESUS falarão em nome da sociedade civil. São eles: Kretã Kaingang, cacique do Paraná e membro da coordenação-executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib); Jardel Miranda, coordenador da Campanha Não Fracking Brasil no Maranhão; Reginaldo Urbano Argentino, representante da Diocese de Umuarama e integrante do Grupo de Trabalho da Mineração da Conferência Nacional do Bispos do Brasil (CNBB); Luís Adalberto Lunitti, agricultor e ex-prefeito de Toledo (PR), primeiro município a aprovar legislação contra o fracking no Brasil; e Suelita Rocker, coordenadora da Campanha Não Fracking em Santa Catarina e Rio Grande do Sul.