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Imagem da campanha #VetaTemer, encampada por mais de 60 ONGs brasileiras desde que o projeto foi aprovado no Senado.

 

Por Nicole Figueiredo de Oliveira*

Enquanto a delegação brasileira está no Marrocos tentando convencer os líderes mundiais presentes na COP 22 – a primeira Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima após a entrada em vigor do Acordo de Paris -, de que as metas e compromissos assumidos são suficientemente ambiciosos e confiáveis, no Brasil, o presidente Michel Temer tem um importante dever de casa a fazer: não desafinar o coro, indo contra tudo que está sendo debatido ali, ao aceitar a proposta que incentiva nacionalmente o uso de carvão.

O cenário é pouco favorável: recessão econômica, queda no preço do petróleo, mudanças climáticas latentes trazendo seca e esgotamento dos reservatórios hídricos, emissões crescentes de gases do efeito estufa e, para finalizar, um Congresso conservador e retrógrado que, contraditoriamente, consegue aprovar, com a mesma velocidade, a ratificação do acordo climático global “para gringo ver” e um Projeto de Lei nacional que prevê o estímulo à construção de novas centrais termelétricas alimentadas a carvão a partir de 2023.

Aprovada no Senado em 19 de outubro, o Projeto de Lei de Conversão 29/2016 aguarda o crivo presidencial, que tem de sair nesta semana. No caso de um veto, o Congresso tem 30 dias para apreciar novamente a medida. Caso aprovada, ela não só representará mais emissões para o país, já que o carvão é uma das fontes mais poluentes, como também uma alta nos valores das contas de luz elétrica de cada brasileiro, uma vez que as usinas térmicas que geram energia a partir de fontes fósseis possuem um custo de geração mais alto do que as outras, movidas a energias renováveis.

Quando o custo de geração de energia supera o valor de R$ 211,28 por megawatt-hora (MWh) é preciso acionar a “bandeira amarela”, como classifica a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Isto foi feito na última sexta-feira (28), quando a agência anunciou, sob a justificativa de “uma condição hidrológica menos favorável”, por conta das secas, que terá que acionar térmicas fósseis e, por isso, os consumidores pagarão uma taxa extra de R$ 1,50 na conta de energia a cada 100 quilowatt-hora (kWh) consumido neste mês de novembro.  

Ou seja, nem bem o programa de incentivo ao carvão foi aprovado e os cidadãos já podem sentir no bolso os efeitos da crise energética que está a caminho caso o governo acate a medida. E a pergunta que devemos nos fazer é: termelétricas fósseis são mesmo parte da solução, como o governo quer fazer parecer, ou são parte do problema?

Vamos aos fatos. A queima de combustíveis fósseis emite gases causadores do efeito estufa, podendo elevar as temperaturas terrestres a níveis não suportáveis para a vida no planeta. O aquecimento global ocasiona mudanças climáticas extremas que afetam milhares de pessoas em todo o mundo, como o derretimento das calotas polares, o consequente aumento dos níveis do mar, o desregulamento do regime de chuvas que causa desde alagamentos e deslizamentos de terra a secas cada vez mais intensas. Estas últimas, por sua vez, colocam em risco o abastecimento dos reservatórios das usinas hidrelétricas que, no caso do Brasil, são a principal fonte da matriz energética. Isso leva o país a recorrer a fontes fósseis, o que contribui para o efeito em cadeia, agravando ainda mais a crise climática global.

Dessa forma, vemos que esse sistema não só é falho, como vai contra os compromissos assumidos nacional e internacionalmente pelos países signatários do Acordo de Paris, que passa a valer como lei no próximo dia 04. Ao ratificar o acordo, cada país se comprometeu a tornar compulsórias as metas apresentadas à convenção das Nações Unidas, com objetivo de limitar o aumento da temperatura média da Terra a 2ºC até 2100 em relação aos níveis pré-industriais. A NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) brasileira, por exemplo, prevê que 66% da matriz elétrica seja hidráulica.

Conter o aumento da temperatura global, portanto, exigirá mais políticas de descarbonização, com retirada de investimentos em combustíveis fósseis, e reforço dos recursos renováveis em todos os setores da economia. No Brasil, as más condições macroeconômicas são apontadas como principal limitante à aceleração das fontes renováveis. Junto com isso, vemos uma elevação de 3,5% nas emissões brasileiras de gases de efeito estufa em 2015, em comparação com o ano anterior. O dado é do relatório de 2016 do SEEG (Sistema de Estimativa de Emissão de Gases de Efeito Estufa), promovido pelo Observatório do Clima (OC), rede que congrega 41 organizações da sociedade civil, incluindo a 350.org.

De acordo com o sistema, o Brasil emitiu 1,9 bilhão de toneladas brutas de CO2 equivalente (que corresponde à soma de todos os gases-estufa convertidos em dióxido de carbono) no ano passado, contra 1,8 bilhão de toneladas em 2014. A elevação aconteceu num ano em que o PIB (Produto Interno Bruto) do país caiu 3,8%, numa das piores recessões da história.

O relatório também mostrou que, pela primeira vez desde 2009, houve queda nas emissões do setor de energia, segunda maior fonte de gases da economia brasileira. A redução foi de 5,3% em 2015, em comparação com o ano anterior, tendo como principal fator a desaceleração econômica, que reduziu os recursos disponíveis para a construção de novas usinas. No entanto, apesar da queda pontual, o quadro total mostra que o país não tem conseguido reduzir suas emissões apesar dos compromissos assumidos. No acumulado de 2005 até o ano passado, só as emissões do setor de energia aumentaram 45%.

Mas nem tudo está perdido. A AIE (Agência Internacional de Energia) afirmou recentemente que, nos próximos cinco anos, a participação das energias renováveis no mundo deve evoluir de 23% em 2015 para 28% em 2021. Em 2015, elas ultrapassaram o carvão como maior fonte de capacidade instalada no planeta. O aumento da taxa esperada de crescimento se dá especialmente por uma queda nos custos, que devem diminuir em 25% para a energia solar e 15% para energia eólica em terra. A tendência de queda se dará pelo avanço da tecnologia, melhores condições de financiamento e a expansão para novos mercados.

Tirar o Acordo de Paris do papel, portanto, exige uma mudança drástica no modelo de desenvolvimento. Mas as estimativas mostram que, com vontade política, essa guinada é possível. E urgente. As emissões do setor de energia caíram por ora, mas o risco de elas voltarem a subir rapidamente quando o país sair da recessão é enorme, dada a aposta nos combustíveis fósseis. Ao invés de olharmos para o futuro, como diversas outras nações têm feito, seguimos olhando para o século 19. A chance de reverter esse quadro está nas mãos do governo. Veta, Temer!

* Nicole Figueiredo de Oliveira é diretora da 350.org Brasil e América Latina, e coordenadora nacional da COESUS – Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida.

** Uma versão reduzida foi publicada no Jornal O Globo