Estudo elaborado pelo Inpe mostra que a fumaça resultante de queimadas na região afeta outros países vizinhos

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O estudo foi um pedido do Ministério Público do Estado do Acre, devido aos problemas de saúde causados pela fumaça das queimadas. Os estados do Pará, Rondônia, Amazonas e Acre tem levado a fumaça produzida pelo desmatamento por fogo para Bolívia, Peru e Paraguai, o que contribui para aumentar os níveis de poluição atmosférica nesses países vizinhos.Ao lado do Mato Grosso, esses quatro Estados também registram o maior número de focos de queimadas na América do Sul.

Essa constatação faz parte de um estudo feito pelos pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), com colaboração de pesquisadores da Universidade Federal do Acre (UFAC), que utilizaram o supercomputador Tupã, instalado na instituição com recursos da Fapesp e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). A pesquisa foi realizada a pedido do Ministério Público do Estado do Acre.

Em razão dos problemas à saúde da população causados pelo aumento dos focos de queimadas no estado a partir de 2005, o órgão impetrou uma ação civil pública em 2007 determinando a proibição do uso de fogo para o desmatamento na região e solicitou às duas instituições um estudo técnico para identificar as fontes de poluição por queimadas no estado.

– Uma das alegações era que a maior parte da fumaça resultante de queimada não era emitida aqui no Estado, mas nos países vizinhos, especificamente, a Bolívia e o Peru. Recorremos ao Inpe e à UFAC para saber se era possível determinar a origem da fumaça de queimada no estado – diz Patricia Rego, procuradora de justiça do Ministério Público do Acre.

Os resultados do estudo indicaram que a possibilidade de a fumaça produzida por queima de biomassa na Bolívia invadir o Acre era muito remota.

– Uma das únicas hipóteses para isso seria as frentes frias do sul da América do Sul transportarem o ar poluído dessa região para o norte do Brasil. Mas esse tipo de ocorrência é muito difícil – afirma o pesquisador do Inpe Saulo Ribeiro Freitas.

Alguns resultados da pesquisa foram apresentados em uma palestra sobre o impacto trinacional da queima de biomassa da fumaça na Amazônia-Sul-Ocidental, realizada durante a 66ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que ocorreu no campus da UFAC, em Rio Branco.

Segundo o pesquisador Freitas, a maior produção de fumaça resultante da queima de florestas na América do Sul é do Brasil. Para o especialista, a fumaça brasileira ajuda a contaminar os demais países da região. Na América do Sul, contudo, pode registrar mais de 5 mil focos de queimadas em um único dia.

Durante um mês, o acúmulo de vários focos de queimadas gera plumas de fumaça. Ao serem transportadas por massas de ar produzidas na região Norte e no centro do Brasil, essas plumas chegam à região sul da América do Sul e podem cobrir áreas de até 5 milhões de quilômetros quadrados, como se observou em imagens de satélite.

– O tipo de circulação de ar predominante na estação seca na região Norte do Brasil faz com que exista um corredor de exportação que canaliza a fumaça produzida pelas queimadas nessa região para o oeste da América do Sul, invadindo a área do Peru, Bolívia e Paraguai. Esse corredor pode, muitas vezes, também alcançar a Argentina. Quando essa inversão ocorre é possível observar colunas de fumaça passando sobre a cidade de São Paulo, por exemplo – diz Saulo Ribeiro Freitas.

Os pesquisadores desenvolveram nos dois últimos anos um sistema baseado em dados de satélite para estimar as fontes de emissão de fumaça por queimada na Amazônia e indicar a contribuição relativa de cada Estado amazônico e país do continente.

O sistema é capaz de identificar onde há focos de queimadas na América do Sul e estimar a quantidade de fumaça e, consequentemente, de poluentes do ar emitidos isoladamente em cada um dos estados brasileiros ou países da região.

Emissões no Acre

O sistema foi utilizado para identificar as fontes de emissão de poluentes por fumaça de queimadas, como partículas em suspensão na atmosfera ou aerossóis atmosféricos, de 2005 a 2010, no Estado do Acre.

As simulações constataram que entre 5 e 10 dias, por ano, o ar do Estado apresenta uma concentração média de aerossóis atmosféricos com diâmetro acima de 2,5 mícrons (µg) – considerado o mais relevantes em termos de impacto à saúde – na faixa entre 40 e 80 mícrons por metro cúbico (µg/m³), acima dos limites considerados toleráveis pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Durante julho e novembro, período de seca, o ar no Acre permanece por períodos de até 30 dias, com níveis de concentração média de partículas em suspensão com 2,5 µg nesta mesma faixa.

Na estiagem de 2005, por exemplo, em que as emissões por queimadas no Acre foram muito altas, a média mensal de emissões de particulados pela queima de biomassa no Estado atingiu 90 µg/m³.

– Constatamos essas mesmas variações na qualidade do ar do estado nos quatro anos simulados no estudo – conta Freitas.

Os pesquisadores calcularam o percentual de poluição atmosférica produzida pela fumaça da queima de biomassa proveniente do próprio Acre, além dos Estados e países vizinhos.

Os resultados dos cálculos indicaram que, em agosto de 2005, os maiores contribuintes de emissões de fumaça resultante da queima de biomassa foram Acre e o Amazonas. Já em novembro do mesmo ano, a maior parte das emissões foi proveniente do Amazonas e do Pará. O mesmo padrão de fontes de emissão de fumaça por queimada na região foi observado nos quatro anos de simulações, segundo o pesquisador.


Legislação trinacional

O professor José Montanez Montaño, da Universidad Autónoma Gabriel René Moreno (UAGRM), em Santa Cruz de La Sierra, na Bolívia, destacou durante a conferência que, como o problema da queima de biomassa e da fumaça na Amazônia Sul-Ocidental é transfronteiriço, é preciso que Brasil, Bolívia e Peru elaborem uma legislação trinacional para identificar e eliminar as causas.

– O Brasil é o maior emissor de fumaça, mas os problemas causados pela queima de biomassa são sentidos de igual forma pelos três países. Como somos receptores dessa fumaça – e não os emissores –, obviamente nós somos os mais afetados – observa Montaño.

AGÊNCIA FAPESP