Para conseguir cumprir o compromisso de redução das emissões de gases do efeito estufa, assumido no Acordo de Paris, o Brasil não pode focar só no combate ao desmatamento e na transição energética no setor de geração elétrica. Definitivamente, o país também precisa olhar para a mobilidade urbana e iniciar a descarbonização do transporte, investindo na redução da dependência do transporte individual e priorizando o transporte público.
Essa foi a principal conclusão do I Encontro Internacional sobre Descarbonização do Transporte, que reuniu especialistas do Brasil, Portugal, Chile e Alemanha no último dia 06 em Brasília. Realizado pelo Instituto Clima e Sociedade (ICS), Wix, Instituto de Energia e Meio Ambiente (IEMA) e Embaixada da Alemanha no Brasil, o evento proporcionou o intercâmbio de experiências entre os diferentes países e o debate sobre estratégias mais sustentáveis para o setor.
Para o economista e cientista ambiental Walter Figueiredo de Simoni, coordenador de Transporte do ICS, as Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês) do Brasil preveem uma melhora no sistema de transporte coletivo nas cidades como um dos objetivos para reduzir as emissões, mas até o momento nao foram detalhadas de forma prática as políticas a serem implementadas para tornar isso possível.
Ana Toni, diretora-executiva do ICS, defendeu a diminuição da dependência do país do modal rodoviário para o transporte de cargas. “A maior parte da carga do país é transportada através de caminhões, que funcionam usando combustíveis fósseis. Para conseguirmos reduzir as emissões do setor no longo prazo temos que ser mais eficientes na maneira de transportar as coisas”, afirmou.
Segundo ela, mais de 77% do transporte no Brasil ainda é individual, com maior foco no modal rodoviário. “Além de priorizar os combustíveis fósseis, esse é um modelo ultrapassado. O setor energético responde por cerca de 30% das emissões brasileiras, e o setor de transportes é o maior emissor do setor energético. Não é tanto uma questão de diminuir as emissões atuais, mas de como vamos evitar emissões futuras. Temos que pensar as mudanças de modais, planos de integração entre modais e eficiência energética nos modais.”
André Luis Ferreira, diretor-presidente do IEMA, ressaltou que ainda estamos muito aquém das metas globais. “O acordo de paris exige que a gente chegue a 2040 com até no máximo 3 gigatoneladas de carbono no setor de transportes. Mas com as NDCs que temos hoje chegaríamos a 8.7 Gt de CO2. Isso só com as políticas já anunciadas, mesmo que ainda não implementadas como lei. Ou seja, todo esse esforço ainda não é suficiente.”
Ele frisou também a importância da participação dos governos locais na implementação das metas. “O Brasil nao tem hoje um plano público de longo prazo para energia e transporte. No caso do transporte de passageiros a governança ainda é mais complexa. Não adianta só ficar no nível federal. O que vai acontecer nas cidades é o que vai definir. Por isso os governos subnacionais terão uma importância fundamental nessa discussão.”
O embaixador da Alemanha no Brasil, Georg Witschel, lembrou que em diversas metrópoles do mundo já se pode observar uma dinâmica nova. “Para outras gerações o automóvel foi um símbolo do sucesso. Agora esse espectro de valores é diferente. Trata-se de mobilidade urbana. O novo modelo de desenvolvimento oferece grandes desafios, mas também grandes possibilidades. As empresas que se posicionarem corajosamente no topo disso têm grandes chances de conquistar o mercado do futuro.”
Transporte ativo, o mais sustentável
Aline Cavalcante, cicloativista e coordenadora da Coalizão Clima e Mobilidade Ativa (CCMob), trouxe para o debate a importância da mudança de valores e do respeito aos pedestres e ciclistas nas áreas urbanas. “Estou aqui para falar da energia mais sustentável de todas: a energia humana. Hoje, 40% das viagens no Brasil são feitas através de transporte ativo, e isso ainda não é contemplado nas políticas públicas. Nada menos do que 36% dos deslocamentos no país são feitos a pé e 4% de bicicleta. São os principais modais de transporte e também os mais desrespeitados”, frisou.
No último domingo (10), um grupo de cerca de 3 mil ciclistas que fazia a “Tradicional Descida a Santos”, na rodovia Anchieta, em São paulo, foi impedido de continuar o passeio por uma decisão da Justiça Federal. A Polícia Militar cumpriu a ordem judicial e montou um bloqueio na altura do km 40 da rodovia, no sentido litoral. Houve confronto quando alguns ciclistas tentaram romper o bloqueio, e a Polícia Militar usou bombas de efeito moral e gás lacrimogêneo.
O evento foi proibido pelo juiz Celso Lourenço Morgado, da Vara de São Bernardo do Campo. Segundo a decisão, o passeio ameaçaria a circulação de veículos no sistema Anchieta/Imigrantes. Na liminar, o juiz diz que “não se discute, aqui, o direito de ir e vir, nem a liberdade de reunião. O que se questiona é o exercício destes direitos de forma regular e adequada, em lugar apropriado, sem que haja sobreposição a direitos alheios também reconhecidos, no caso, a locomoção.”