Desde 2012, a cidade de Papanduva (SC) recebe visitas para que sejam realizadas pesquisas socioambientais na região. No início, os técnicos diziam estar trabalhando para a Petrobrás em busca de petróleo – existem até algumas demarcações nas terras da região. Porém, desde outubro de 2018, essas investigações vêm se intensificando, agora sob responsabilidade pública da empresa Irati Energia, empreitada no Brasil da canadense Forbes & Manhattan, que foi criada em 2011 para explorar o xisto no município e seus arredores.

Papanduva Xisto

Área demarcada pela Petrobrás na região do Palmito, Papanduva (SC)

Mesmo após a população tomar conhecimento sobre as intenções da empresa privada, foram omitidas diversas informações. Quando questionada, a equipe de pesquisa comunicava que apenas estavam sendo feitos estudos enriquecidos para analisar a qualidade da água, fauna e flora do local. “Sempre que perguntávamos se estavam trabalhando com mineração, eles saiam pela tangente, nunca respondendo a pergunta e escondendo as reais informações”, afirma R.S., produtor rural da região.

Neste período de buscas, também foi verificado o aumento de veículos de outros estados e caminhões com equipamento de perfuração em trechos da cidade. Diante dessa intensa movimentação, a comunidade se mobilizou para tentar compreender o que realmente estava acontecendo. Foi então que estabeleceram o primeiro contato oficial com a empresa, realizando uma reunião na zona rural do município.

“A gente tem uma vida bem tranquila. Na verdade, tinha. Porque agora perdemos nossa paz, nosso sossego” – M.W.

O encontro foi conduzido por uma psicóloga contratada pela Irati Energia, que respondeu os questionamentos das inúmeras pessoas presentes que exigiam explicações acerca das invasões nas propriedades rurais e perfurações sem autorização. Mesmo após esse contato, a população seguiu com posicionamento contrário às atividades e indagou a empresa sobre o que fariam diante desta resistência. A resposta obtida foi que, caso isso acontecesse, seriam judicializados, mas que não queriam atritos e provavelmente sairiam da região.

As invasões

Papanduva Xisto

Mapa de Localização

Com histórias que vêm desde fotografar animais exóticos e monitorar a qualidade da água, a Irati Energia têm se feito presente de forma infratora no dia a dia dos moradores de Papanduva (SC). R.M. tem familiares que residem na região do Palmito, na zona rural do município, e afirma que já entraram no terreno de seu irmão a fim de realizar pesquisas. “Nunca relataram que essas buscas eram para viabilizar o projeto da Irati. Sempre entravam falando que eram pesquisas de água, espécies de bichos. Só depois que fomos descobrir que não eram apenas simples pesquisas ambientais, que não era algo bom como eles falavam”.

O produtor rural G.S. afirma ter tido sua propriedade invadida mesmo após a proibição expressa. “De começo eles entraram para ver e fotografar animais, depois eu proibi e eles continuaram entrando igual. Daí mandei fechar os portões, não deixei eles entrarem, mas eles conseguiram adentrar a propriedade por outra área em que não tinha portão. Aí fechamos o colchete que tinha lá, colocamos cadeado tudo e eles tentaram de qualquer maneira”, explica.

“Em casa, inclusive, eles invadiram depois de colocadas as placas proibindo. Coloquei três placas na entrada da fazenda. Dois carros subiram lá, nós escutamos e fomos atrás, mas eles tavam lá nos fundos da porteira coletando água. Quando chegamos e falamos que estava proibido, eles alegavam que se tratava de uma estrada municipal – mas agora não é mais, foi trancada aquela estrada e eu abri para a minha lavoura”, complementa G.S.

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Placa de proibição de entrada em uma propriedade rural

R.S. conta que desautorizou a entrada na propriedade de um familiar há 8 meses e, mesmo assim, teve problemas com a equipe técnica. “O pessoal da empresa nos procurou e falamos ‘não entra, não entra, não entra’. De lá para cá, mesmo com essa solicitação, eles continuaram entrando nas propriedades e, por isso, com o dinheiro do nosso próprio bolso, desenvolvemos placas para sinalizar que a entrada era proibida e que os invasores poderiam sofrer consequências legais por isso. Nós enchemos o interior. Acho que devem ter mais de 300 placas espalhadas. Mas, mesmo assim, eles continuaram entrando”.

Para impedir as invasões, estão sendo tomadas diversas medidas preventivas. O.P., também produtor rural e morador da região do Palmito, conta que a comunidade está fechando os portões, emplacando as propriedades e impedindo que as pessoas andem sozinhas nas estradas. “Todos estão sempre acompanhados por motos e carros para que não aconteçam essas invasões. Estamos mantendo eles (a Irati Energia) vigiados sempre”. “É importante ressaltar que está acontecendo uma batida de frente forte entre a população e a empresa. A empresa está insistindo de todos os lados, se não é por um lado do município, é por outro, e nós estamos na luta. Estamos tentando parar eles a todo custo”, reforça O.P.

Menina solicita ajuda após ter sua propriedade invadida durante a noite

Voos de insegurança

Após a mobilização da comunidade, os levantamentos da Irati Energia foram dificultados no município, o que fez com que eles adotassem a utilização de drones para seguir com as pesquisas. “Foi a partir do dia 6 de março que começaram os relatos dos drones, principalmente na região do Arroio Fundo, e por isso iniciamos rondas noturnas para acompanhá-los”, conta R.M. “Isso tem se intensificado. Inclusive, temos visto dois drones por noite na região. Eles sobrevoam casas, tudo. Pegam uma área grande e filmam as pessoas de perto. Se eles tiverem equipamentos com infravermelho, conseguem filmar pessoas, placas de carro. Nós, com certeza, já fomos filmados”, complementa.

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Folhelho pirobetuminoso (xisto) encontrado na região

“A minha propriedade foi sobrevoada no último dia 7 de março e, inclusive, registrei um boletim de ocorrência. Nessa mesma noite, após o trabalho, me desloquei até o Rio da Ponte, sentido Arroio Fundo, e fui seguida por um drone em uma distância razoável. Em um momento, ele se aproximou e eu pude ver, sem nenhuma dúvida, que era um drone. Não se era para filmar o ocupante ou a placa, mas não estava com nenhuma intenção de se esconder”, relata M.W., também produtora rural e moradora da região.

“A empresa está insistindo de todos os lados, se não é por um lado do município, é por outro, e nós estamos na luta. Estamos tentando parar eles a todo custo” – O.P.

A comunidade relata que desde o início do monitoramento aéreo, perderam ainda mais sua tranquilidade e o sentimento de proteção. “Algumas pessoas estão com muito medo por eles estarem trabalhando durante a noite. O povo está se sentindo intimidado pois os caras até chegam a falar que tem mandato judicial, mas não se identificam e não apresentam documentos e acabam entrando (nas propriedades) por conta disso”, diz O.P. “Estamos acompanhando, cuidando, mas não tá fácil. Eles trabalham à noite, de madrugada e não tem horário – eles começam às 21h e vão até a madrugada. Mas afim do que eles estão filmando a gente, a vida das pessoas? Não os autorizamos a fazer isso nas nossas propriedades, terrenos e, sobretudo, na nossa privacidade”, complementa R.M.

 

Onde eu moro é bem deserto, a gente deixava as portas abertas, ligava as luzes à noite, não se preocupava pois não temos nenhum vizinho por lá. A gente tem uma vida bem tranquila. Na verdade, tinha. Porque agora perdemos nossa paz, nosso sossego. Depois que as atividades da empresa foram proibidas, estamos fazendo vigilância à noite. Assim como eles intensificaram as pesquisas, nós intensificamos o cuidado. Aí ninguém mais dorme, ninguém mais tem sossego. A gente ouve um cachorro latir e já levanta para ver o que está acontecendo. Criou uma insegurança total”, finaliza M.W.

A exploração

A população de Papanduva (SC) possui motivos de sobra para se opor às pesquisas da Irati Energia na região. A resposta é simples: a extração do óleo de xisto é extremamente danosa ao meio ambiente e, por mais que muitos pensem que pode gerar impostos e alavancar a economia da região, a atividade traz prejuízos para a saúde das pessoas e animais, além de colocar em risco a água, o ar e o solo da região.

*Os nomes das fontes foram preservados para evitar maiores problemas no local.

Paulinne Rhinow Giffhorn — jornalista da Fundação Internacional Arayara e da Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida (COESUS).

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