À medida que os impactos das mudanças climáticas e da covid-19 se acumulam, políticos de diferentes lugares do mundo lançaram na segunda-feira 19 a nova Aliança Global para um Novo Pacto Verde. Fundada pela congressista Ilhan Omar, dos Estados Unidos, pela deputada brasileira Joenia Wapichana e pelo parlamentar francês Manon Aubry, entre outros, a Aliança visa levar adiante os esforços globais por políticas sociais, econômicas e ambientais colaborativas e transformadoras.

Uma série de eventos globais preocupantes precedeu o anúncio: a escala das enchentes históricas na Alemanha e na Bélgica na semana passada, que deixou mais de 170 mortos e muitos mais desaparecidos, chocou cientistas climáticos, e, nas últimas semanas, ondas de calor na América do Norte quebraram recordes. Na semana passada, estudos anunciaram que a floresta amazônica está emitindo mais dióxido de carbono do que consegue absorver — uma descoberta perturbadora que os cientistas atribuem a uma combinação de queimadas propositais para derrubada da floresta e da alta nas temperaturas e secas. Os sete anos mais quentes já registrados aconteceram a partir de 2014, e especialistas em clima estão preocupados que já tenhamos passado o limite precário a partir do qual eventos climáticos cada vez mais imprevisíveis e inéditos vão se tornar mais comuns.

Enquanto o presidente Bolsonaro era duramente criticado por encorajar o desmatamento na Amazônia, a fundadora da Aliança Global pelo Novo Pacto Verde, deputada Joenia Wapichana, enfatizou que “a Amazônia é a maior floresta tropical do mundo, e um terço dela é coberto por terras indígenas. Proteger a floresta amazônica é crucial para atingir o objetivo principal do Acordo de Paris — limitar o aquecimento global a 1,5° C”.

Os argumentos por uma Aliança Global para um Novo Pacto Verde

Apesar do ineditismo da solidariedade global que marcou a assinatura do Acordo de Paris em 2015, a necessidade de ações mais assertivas e coordenadas é evidente. Nesta semana, a Agência Internacional de Energia (AIE) divulgou previsões que revelam que 2023 deve ter os níveis de dióxido de carbono mais altos já registrados na história humana. Isso segue um relatório da AIE lançado em abril que indicou que as emissões de dióxido de carbono para produção de energia vão sofrer um aumento de 1,5 bilhões de toneladas somente em 2021 — uma dura reversão do declínio causado pela pandemia da covid-19. Isso indicaria o maior aumento anual de emissões desde 2010, durante a recuperação da crise financeira global.

Foi na sequência daquela crise, em 2009, que o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente delineou pela primeira vez o conceito de um Novo Pacto Verde Global — dizendo que o mundo experimentava então “a pior crise financeira e econômica em gerações” e recomendando uma resposta nas políticas que se centrasse em três objetivos principais: reavivar a economia global, promover o crescimento sustentável e inclusivo e reduzir a dependência do carbono e a degeneração dos ecossistemas.

O mundo vive hoje uma crise econômica de proporções similarmente lúgubres, que se soma a uma crise ecológica dramaticamente pior e a uma pandemia global histórica. Enquanto o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) alerta que o planeta está acelerando numa velocidade preocupante rumo a um aumento de 1,5° C na temperatura — o limite definido pelo Acordo de Paris para prevenir mudanças climáticas perigosas —, a Aliança chega em um momento de incerteza global significativa, acompanhada por oportunidades significativas de transformação.

Construída a partir de um conjunto de princípios definidos na Declaração Global para um Novo Pacto Verde, que inclui a necessidade de construir uma economia que leve bem-estar a todos, criar uma sociedade cuidadosa e de baixa emissão de carbono, definir um sistema multilateral justo para o século 21 e assegurar a justiça racial e ambiental através do desenho de um futuro verdadeiramente democrático, a Aliança salienta a oportunidade de tomarmos o presente como um ponto de virada para um futuro melhor.

Uma política verde centrada na justiça

No coração dos princípios que baseiam a construção da Aliança, está a ideia de transição justa — um termo que, no contexto climático, se refere à necessidade de transformações nas instituições políticas, sistemas de energia e práticas alimentares e agrícolas de maneira a trazer para o centro as comunidades que estão mais vulneráveis às mudanças climáticas e que são as menos responsáveis por elas. Segurança alimentar e de acesso à água são questões cada vez mais sérias que afetam desproporcionalmente aqueles no Sul Global, exacerbadas por um sistema alimentício industrial que se baseia desmedidamente em combustíveis fósseis e que contribui significativamente com as mudanças climáticas devido ao desmatamento.

A justiça climática propõe que as mudanças climáticas sejam combatidas através de uma transformação rumo a uma sociedade 100% descarbonizada, e que ao longo do processo repare injustiças econômicas, políticas e sociais. Ela é particularmente relevante para a Ásia, como o continente que detém mais da metade da população global em sociedades altamente conectadas com recursos naturais e com a agricultura, com cidades e regiões costeiras densamente povoadas, e que recentemente passou por um crescimento econômico rápido como resultado de desenvolvimento turbinado por combustíveis fósseis.

Já não é nenhuma polêmica que uma redução dramática na emissão de gases do efeito estufa na sociedade e uma transição de larga escala rumo a energias renováveis são necessárias, mas determinar como será o processo e as contribuições de cada país para atingir essas metas tem sido o assunto de inúmeras cúpulas internacionais, incluindo a COP26, que será realizada em Glasgow em novembro.

Na COP26, os governos terão que atualizar suas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs), o mecanismo pelo qual reduzirão suas emissões anuais e que precisa incluir sistemas detalhados de monitoramento e relatórios. Ainda que no presente as economias desenvolvidas sejam responsáveis por movimentar a maior parte dos fundos para energias renováveis, espera-se que os países com as maiores emissões assumam uma liderança decisiva e se comprometam com o apoio monetário e tecnológico para as economias menos desenvolvidas, que têm menos capacidade de contribuir e que estão mais vulneráveis ao clima.

A dinâmica pela justiça climática estava evidente na cúpula do G7 em junho, quando os sete países membros, que são responsáveis por um quarto das emissões, se reuniram para discutir caminhos colaborativos e sustentáveis. De acordo com um relatório do Instituto pelo Desenvolvimento Sustentável divulgado em junho, os Estados Unidos, Japão e China financiaram 48% dos investimentos em projetos de extração de combustíveis fósseis entre 2017 e 2019 no Sul Global.

No mundo todo, os grupos sociais mais vulneráveis aos efeitos das mudanças climáticas, como as mulheres e os povos indígenas, também precisam ser levados em conta no desenvolvimento de soluções que priorizem seus direitos e seu ativo engajamento nos processos de transição. Ainda que a justiça climática seja frequentemente enquadrada em termos de países com maiores e menores emissões, é importante ressaltar que as disparidades no interior dos países às vezes são tão pronunciadas quanto aquelas observadas entre países, no que diz respeito à vulnerabilidade a um clima em mudança e às responsabilidades pelas emissões daquele país. Isso demonstra o quão oportuna é essa Aliança Global, que é translocal, unifica comunidades através de fronteiras nacionais e contribui para a formação de um movimento interseccional pela descarbonização.

O impacto adicional da covid-19 sobre a crise climática

A pandemia criou uma oportunidade para mudanças transformadoras em uma escala sem precedentes, destacando a necessidade de uma transição justa para uma economia e sociedade global mais sustentável e equânime. Ainda que ela tenha trazido um momento inédito de incertezas e problemas para o mundo como um todo, ela demonstrou e exacerbou muitas desigualdades que já existiam antes de sua chegada.

A conexão entre as mudanças climáticas e a saúde humana está mais clara do que nunca. Pessoas vivendo em países em desenvolvimento estão mais suscetíveis a ameaças e riscos à saúde devido a desastres naturais e eventos climáticos extremos, assim como estão mais expostas à poluição atmosférica e à água imprópria para consumo. A Organização Mundial da Saúde estima que entre 2030 e 2050, as mudanças climáticas causarão um aumento de 250 mil mortes por desnutrição, malária, diarreia e devido ao calor. Além disso, o acesso a serviços de saúde e tratamentos médicos costumam ser mais escassos nas áreas mais vulneráveis ao clima.

Enquanto países na Ásia cambaleiam para se recuperar dos impactos da pandemia e estruturas governamentais fracas e infraestrutura inadequada pioram a situação, grandes instituições financeiras asiáticas continuam expandindo o desenvolvimento baseado em combustíveis fósseis, ao passo que os governos na região demoram a cumprir seus compromissos em atingir o equilíbrio entre emissões e absorção de carbono. Pelo contrário, estão mantendo planos de desenvolvimento com altas emissões — particularmente aqueles movidos a gás de origem fóssil — através de pacotes de estímulo disfarçados de recuperação da crise do coronavírus.

O carro-chefe da AIE, Sustainable Recovery Tracker, lançado esta semana, revela que governos no mundo todo gastaram a quantia inédita de US$16 trilhões para reconstruir suas economias em resposta à pandemia e seus consequentes prejuízos econômicos, mas apenas 2% deste montante foram alocados em energias limpas. O diretor executivo da AIE, Dr. Fatih Birol, afirmou que “os investimentos em energias limpas não só estão longe do que é necessário para colocar o mundo no caminho para atingir o equilíbrio entre emissão e absorção de carbono na metade do século, como sequer são suficientes para prevenir que as emissões globais atinjam um novo recorde”.

Organizações sem fins lucrativos estão promovendo campanhas por uma recuperação justa da pandemia desde maio do ano passado, quando mais de 500 organizações exigiram que a resposta à crise priorize um conjunto de princípios centrado na saúde econômica, que garanta que as medidas de socorro financeiro cheguem diretamente às pessoas, assegure que os estímulos econômicos levem em conta as mudanças climáticas, e fortaleça a solidariedade na sociedade civil através da proteção da democracia.

Dando eco a esses princípios, a Aliança Global para um Novo Pacto Verde reúne políticos de 21 países ao redor do mundo, que acreditam que a única forma de efetivamente combater as mudanças climáticas é através de uma abordagem coordenada e cooperativa, que defenda políticas justas enquanto os países planejam suas trajetórias econômicas pós-pandemia. Enquanto os membros da Aliança trabalham no nível doméstico para dar seguimento a políticas que contribuam para lidar com a “crise dupla” do coronavírus e do clima, a coalizão pretende angariar o apoio global que será necessário para atingir a necessária transformação sistêmica e “construir um novo internacionalismo baseado em cooperação e colaboração”.”.

O Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA)já havia apontado que os pacotes de recuperação da pandemia do coronavírus oferecem uma oportunidade para transformações nas políticas que levem em conta o clima — e enquanto os líderes globais aguardam a COP26 que acontecerá em Glasgow em novembro para sinalizar para uma colaboração global sobre vacinas e programas de reestruturação de dívidas para as economias em desenvolvimento, a Aliança Global para um Novo Pacto Verde está demandando que ações contundentes sejam tomadas agora. “Essa é nossa hora da virada”, disse a parlamentar britânica Caroline Lucas. “Trata-se de criar uma vida melhor aqui na Terra e a única forma de fazer isso é trabalhar juntos como nunca fizemos antes.”