Deputado Amarildo Cruz fala na audiência pública, que contou com participação de Juliano Bueno Araujo, coordenador da 350.org e fundador da COESUS (Fotos: Melissa Teixeira/COESUS).

“Há muitas lacunas técnicas quando se trata do fraturamento hidráulico. A pergunta é: você assumiria esse risco em relação a seus filhos e netos? Eu certamente não.” A frase foi dita por Juliano Bueno de Araujo, fundador da Coalizão Não Fracking Brasil pelo Clima, Água e Vida (COESUS) e coordenador de campanhas da 350.org Brasil, durante a audiência pública que discutiu os impactos do fracking nesta segunda-feira (16) em Campo Grande. O debate organizado pelo deputado Amarildo Cruz (PT) na Assembleia Legislativa teve como ponto de partida um projeto de lei de sua autoria, que propõe a proibição desse método de exploração de petróleo e gás no estado por dez anos.

“Tenho acompanhado desde 2014 a discussão que vinha sendo feita principalmente nos estados do Paraná e São Paulo, na região da bacia do rio Paraná. Em 2015 a ANP [Agência Nacional de Petróleo e Gás] enviou algumas equipes ao nosso estado, na região do vale do Ivinhema, para detectar a existência do gás de xisto. Eu fiz um requerimento solicitando informações a respeito dessa sondagem, mas tive apenas respostas muito vagas. E hoje sabemos que pelo menos 26 municípios do Mato Grosso do Sul podem sofrer impactos incalculáveis relacionados à exploração por fracking“, afirmou o deputado.

Há cerca de dois meses Amarildo Cruz ingressou com um projeto de lei para suspender por 10 anos expedição de licenciamento ou autorização ambiental pelo órgão de controle às empresas detentoras dos direitos de exploração e produção de petróleo e gás natural. Se a moratória virar lei, o Mato Grosso do Sul seguirá os passos do Paraná, estado que desde 2016 já tem seu território protegido contra o fracking por pelo menos uma década.

A moratória no Paraná, bem como a proibição em mais de 380 municípios brasileiros, é fruto de intensa articulação da campanha Não Fracking Brasil, levada a cabo pela COESUS e pela 350.org junto a diversas organizações, movimentos e entidades da sociedade civil, além de parlamentares que reconhecem os perigos do fracking para suas cidades e suas populações.

“Estamos vencendo, pois a tecnologia não é comprovadamente segura, há dezenas de instituições internacionais renomadas que confirmam isso. Diversos estados e nações mundiais também já proibiram essa técnica. Na Argentina uma grande área de produção de maçãs e peras foi totalmente perdida por conta da contaminação por fracking. Eu fico pensando um estado agrícola como o Mato Grosso do Sul nessa situação. O paraná já percebeu esse risco e tomou sua decisão”, defendeu Juliano.

Reginaldo Urbano Argentino, membro voluntário da COESUS e representante da Diocese de Umuarama, afirmou ser uma “testemunha viva dos perigos do fracking“. “No ano passado fomos visitar a província de Neuquén, na Argentina, e não só não vimos nenhum progresso, como testemunhamos uma cidade fantasma. O que se vê são comércios fechados e casas abandonadas. Afinal, quem deseja ter como vizinho um poço de fracking? Nessa visita eu tive a infelicidade de absorver uma quantidade considerável de radiação, voltei gravemente doente e ainda estou em processo de recuperação. O fracking não afeta só a pessoa, mas toda a família. Por isso a Igreja está do lado de quem enfrenta esse mal.”

Gilmar Kerber, superintendente interino do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), afirmou que o órgão ainda não licenciou nenhum empreendimento relacionado ao fracking, mas mesmo assim considerou “louvável” a iniciativa da audiência. “Pelo princípio da precaução, se não sabemos o que pode acontecer, devemos analisar todas as perspectivas e encontrar a melhor forma de resolver a situação”, declarou.

Reginaldo Urbano Argentino falou em nome da Diocese de Umuarama.

Desenvolvimento sustentável

Para o prefeito de Santa Rita do Pardo, Cacildo Dagno (PSDB), o debate sobre o tema é imprescindível para informar tanto a sociedade quanto as próprias autoridades sobre o que está em jogo com a técnica. “O município precisa de desenvolvimento, mas de maneira sustentável, não a qualquer custo. Isso acarreta transtorno para nossa população, e não foi para isso que fomos eleitos. Estamos aqui em busca de informação, para podermos seguir o caminho certo.”

A Federação do Comércio do estado parabenizou Amarildo Cruz pela proposta da moratória. “Somos a ponta da cadeia e sabemos que temos que seguir no caminho da sustentabilidade. Percebemos que essa técnica pode impactar diretamente os resultados econômicos. Sendo uma região grande exportadora de commodities, temos que zelar pela imagem do nosso estado”, argumentou a representante da Fecomércio-MS.

Rosângela Rocha Gimenes, vice-presidente da Comissão de Meio Ambiente da OAB/MS, também foi favorável à iniciativa. “Esse é um tema tão importante e ao mesmo tempo tão novo. A OAB é parceira do Estado e estará acompanhando e apoiando a tramitação dessa proposta de proibição.” Ela lembrou que a competência para emissão de licenciamento é federal, do Ibama, mas que a Lei Complementar 140 traz o conceito de colaboração entre os entes federativos, e que portanto uma legislação municipal ou, no caso, estadual, deve ser respeitada e levada em consideração nas decisões federais.

Silvio Jablonski, chefe da Assessoria de Gestão e Risco da ANP, chegou atrasado e não pôde presenciar as apresentações dos demais companheiros de mesa. Sem surpresas, ele defendeu a importância do gás natural num processo de transição energética.

“Podemos mudar nosso padrão civilizatório, mas hoje precisamos produzir energia. E pelo menos 85% da energia mundial provém de fontes não renováveis. Fica aparente que temos um problema: o da transição para uma economia de baixo carbono. Alguém precise prover a energia antiga para garantir a energia nova. O gás natural tem papel importante nisso. Nós precisamos de gás”, afirmou, ignorando as colocações sobre a falta de estudos técnicos que garantam a confiabilidade do método, a falta de transparência da ANP nos editais de leilões e também a consulta à sociedade civil.

“Esse debate só está acontecendo aqui hoje por conta da iniciativa de brasileiros que tem um compromisso com a verdade. Ao contrário de estudos favoráveis, há centenas de estudos científicos que comprovam os malefícios do fracking. A transparência que fazemos nessa campanha já tem 5 anos. As mais de 5 mil audiências junto a diversos setores da sociedade não foram realizadas pela ANP, mas por nós”, frisou Juliano Bueno.

Também participaram da audiência Jaime Elias Verruck, Secretário de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico; Regiane Schio, gerente de produção da MSGás; Claudineia Lerios de Oliveira, representante da Associação dos Produtores de Orgânicos do MS; Eduardo Romero, representante dos vereadores de Campo Grande; Dr. Pedro Paulo Grubits, Procurador do Ministério Público Federal; e Dr. Luciano Furtado Loubet, Procurador do Ministério Público Estadual.