Enquanto a maioria do público brasileiro e a mídia estão ocupados com os jogos da Copa do Mundo 2018, o Congresso Nacional tenta, na surdina, aprovar legislações que trarão claros prejuízos à população, aos cofres públicos e ao esforço global para conter as mudanças climáticas. Para alguns parlamentares e multinacionais do petróleo, esse é o momento perfeito para votar projetos indigestos para a sociedade, mas caros aos seus interesses, com vistas às eleições de outubro. Se essa tentativa for bem sucedida, o custo econômico e climático dessas medidas pode ser desastroso para o Brasil.
Um exemplo dessa manobra política é o Projeto de Lei (PL) 8.939/2017, que teve seu texto-base aprovado na última quarta-feira (20) pela Câmara dos Deputados. Proposto pelo deputado federal José Carlos Aleluia (DEM/BA), o PL pretende liberar a Petrobras para negociar e transferir a titularidade dos direitos de exploração nas áreas do pré-sal cedidas onerosamente pela União em 2010, desde que preservada uma participação mínima de 30% na operação.
De acordo com o autor, a proposta se justifica pela possibilidade de, com o repasse dos direitos de exploração, a companhia estatal obter recursos para compensação da dívida adquirida ao longo dos últimos anos. No entanto, para alguns críticos, esse projeto se soma a uma série de medidas propostas e aprovadas nos últimos anos que favorecem excessivamente os interesses de empresas multinacionais petrolíferas no Brasil, com prejuízos ao Tesouro Nacional e às metas brasileiras de redução de emissões de gases de efeito estufa.
“Enquanto muitos brasileiros estão assistindo à Copa do Mundo, o Congresso faz mais um passe multimilionário em favor das petroleiras, lesando o cidadão comum como faz um árbitro com interesses escusos”, aponta Juliano Bueno de Araújo, coordenador de campanhas da 350.org Brasil.
‘Gol contra’ os cofres públicos
O impacto fiscal da mudança na legislação que regulamenta o contrato de cessão onerosa entre União e Petrobras para exploração do pré-sal é um ponto sensível. O contrato foi permitido a partir da Lei 12.276, aprovada em 2010, que autorizou o governo federal a ceder áreas localizadas no pré-sal para a estatal, com produção limitada a um volume máximo de 5 bilhões de barris equivalentes de petróleo. Nesse contrato, o regime fiscal se limita à cobrança mensal de royalties de exploração de 10% sobre a produção, sem o pagamento da chamada “participação especial”, um valor que é distribuído para Estados e municípios adjacentes às áreas de exploração.
Esse regime fiscal foi definido dentro de um quadro maior de esforços da União, Estados e Municípios para facilitar a capitalização da Petrobras a partir de 2010. Isso permitiu à companhia angariar aproximadamente R$ 120 bilhões à época, a maior operação de capitalização já realizada, que colocou a petrolífera brasileira na condição de quarta maior empresa do mundo em valor de mercado. Para o governo, o fortalecimento da Petrobras era uma questão estratégica, considerando a necessidade de investimentos para pesquisa e exploração do pré-sal e seu peso dentro da economia brasileira.
Na prática, o PL 8.939/2017 pretende ampliar a aplicação das facilidades criadas pelo governo federal à Petrobras para outras empresas petrolíferas que venham a assumir os direitos de exploração dessas áreas. De acordo com Paulo César Ribeiro Lima, advogado e ex-consultor legislativo da Câmara dos Deputados, a proposta afronta a própria lei que ela pretende modificar, a Lei 12.276/2010, e o contrato entre a União e Petrobras, que estabelece inequivocamente que apenas a Petrobras será a cessionária.
A extensão do regime de cessão onerosa a outras empresas reduziria muito a participação governamental na renda petrolífera, mesmo que haja o pagamento de bônus de assinatura de R$ 100 bilhões. Considerando os cinco bilhões de barris previstos no contrato entre Petrobras e União, o valor líquido presente foi estimado em R$ 173,3 bilhões; se calcularmos considerando o potencial máximo estimado de exploração dessas áreas, em torno de 15 bilhões de barris, esse montante pode chegar a R$ 500 bilhões. Assim, o bônus representa apenas 1/5 do valor presente líquido da produção das áreas de cessão.
O não pagamento da participação especial nas áreas da cessão onerosa atinge particularmente o Estado do Rio de Janeiro e seus municípios, que amargam a pior crise financeira de sua história. Se houvesse pagamento de participação especial, 25% dos R$ 500 bilhões seriam destinados ao Estado e municípios fluminenses, o que corresponde a R$ 125 bilhões. As perdas fiscais potenciais poderiam chegar a R$ 62,5 bilhões para os cofres estaduais e municipais no Rio de Janeiro.
Vitória das empresas fósseis, derrota do planeta
O setor de óleo e gás natural vem sendo bastante favorecido por medidas do governo federal nos últimos anos, em especial a Lei 13.856, sancionada pelo presidente Michel Temer em dezembro passado a partir da aprovação pelo Congresso da Medida Provisória (MP) 795/2017. Apelidada de “MP do Trilhão”, ela formalizou uma renúncia fiscal para empresas petrolíferas com valores estimados em R$ 1 trilhão até 2040.
A receita perdida com essa renúncia fiscal poderia, por exemplo, garantir o financiamento do Programa Bolsa Família por mais 30 anos ou, apenas com o montante tirado dos Estados e Municípios (cerca de R$ 338 bilhões), instalar pelo menos 22,5 milhões de sistemas de energia solar fotovoltaica de 2,2 Kwp para residências médias com três a quatro moradores.
Ao visar a exploração total do petróleo das áreas de pré-sal, o PL 8.939/2017 também desconsidera as metas e obrigações nacionais e internacionais assumidas pelo Brasil no esforço global para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e, consequentemente, combater a mudança do clima. Em vez de investir no desenvolvimento de fontes renováveis de energia, o governo brasileiro insiste em depositar seu investimento em matrizes fósseis poluidoras e com alto impacto sobre as populações e o clima global.
Estima-se que os campos do pré-sal contenham o equivalente a 176 bilhões de barris de petróleo bruto, ou 74,8 bilhões de toneladas de CO2 equivalente (tCO2q), o que representa 7% do total de gases de efeito estufa que podem ser emitidos pela humanidade ao longo deste século, considerando o objetivo de conter o aquecimento global em 2 graus Celsius com relação aos níveis pré-industriais até 2100. Se extraído, todo esse petróleo tornará praticamente impossível alcançar as metas globais do Acordo de Paris.
“Em um momento de escolhas globais, o Brasil deve jogar para golear no caminho da transição energética e das oportunidades que as energias renováveis com justiça social e ambiental oferecem. O país já está perdendo feio para as mudanças climáticas, que têm impactado diretamente nossa economia e meio ambiente. E o aumento da temperatura do planeta colocará a todos em um risco cada vez maior”, afirma Nicole Oliveira, diretora da 350.org América Latina.