A 350.org Brasil e América Latina vem a público explicitar seu repúdio ao Projeto de Lei nº 2145/2017-PE, apresentado em novembro passado pelo Ministério de Energia e Minas do Peru, que visa alterar a Lei Orgânica dos Hidrocarbonetos (LOH) do país (Lei nº 26221), com o objetivo de incentivar a indústria fóssil através do estabelecimento de um novo quadro regulatório que encoraja o investimento e o desenvolvimento de atividades de exploração em todo o território nacional. O projeto é fruto de uma intensa campanha política do setor para reativar os investimentos em petróleo no país.
Em consonância com outras organizações que já manifestaram sua posição contrária ao projeto, acreditamos que ao dar subsídios à indústria que mais polui o planeta, o mesmo não contribui para um ambiente saudável, para a justiça social e tampouco respeita os direitos de comunidades
tradicionais que serão diretamente afetadas por essas atividades exploratórias. Manifestamos, portanto, nosso apoio aos povos tradicionais e à sociedade civil peruana contrária a tais mudanças regulatórias, que permitiriam o uso abusivo de recursos naturais que são o patrimônio da nação e fonte de subsistência de diversas comunidades.
O projeto de lei propõe uma série de modificações nos termos do contrato, no controle e monitoramento do cumprimento das normas ambientais e sociais, no papel de instituições como o Ministério da Defesa e o Ministério do Interior, além de dar garantias fiscais, reduzir a cobrança em cima de procedimentos e licenças, entre outros benefícios às empresas petrolíferas.
Segundo análise minuciosa da organização peruana Direito, Ambiente e Recursos Humanos (DAR), um dos pontos críticos da proposta é o artigo que repassa para a Perupetro, agência reguladora peruana encarregada dos contratos de exploração de hidrocarbonetos, a competência de “levantar informações relacionadas aos aspectos físicos, biológicos, sociais e culturais dos lotes a serem promovidos, na medida em que seja disponibilizado aos investidores interessados”. Entretanto, tal incumbência não deve caber à Perupetro.
A geração de informações socioambientais deve ser enquadrada dentro de uma estratégia abrangente e intersetorial adotada pelo Estado, servindo não só para promover a atividade de exploração de hidrocarbonetos, mas também o zoneamento territorial, a garantia de direitos humanos fundamentais e a conservação das áreas naturais protegidas, além de orientar os Estudos de Impacto Ambiental de outros tipos de empreendimentos, como mineração, usinas hidrelétricas, recursos renováveis, etc.
E isso deve ser liderado pelas instituições competentes em questões socioambientais, como o Ministério de Meio Ambiente (MINAM), o Serviço Nacional de Certificação Ambiental para Investimentos Sustentáveis (SENACE), e em consulta aos povos indígenas. Mas, ao contrário, a intenção por trás da medida é enfraquecer o processo de licenciamento ambiental e facilitar a obtenção de licenças e autorizações de operação por parte das empresas.
Em concordância com manifestações de organizações parceiras, consideramos que os argumentos carecem de justificativa técnica sobre como esta medida irá beneficiar não só os investidores, mas também trazer bônus suficientes em questões fiscais, econômicas e ambientais. Além disso, acreditamos que qualquer reforma na Lei deve ser acompanhada de planos abrangentes para a prevenção de problemas socioambientais, a melhoria da qualidade de vida das pessoas e o cuidado com os recursos naturais. Mas o que o projeto de lei é feito a partir de uma perspectiva puramente econômica, sem expressar interesse ou preocupação com os impactos socioambientais advindos de tais atividades.
Outro artigo propõe a “renegociação das regalias”, o que se contrapõe ao da segurança jurídica, implícito na Constituição do Peru. Tais “regalias” a que a lei se refere são as contrapropostas entregues pelas empresas ao Estado pelo uso de recursos como gás, petróleo e minérios. Estamos de acordo que uma possível alteração desse artigo pode gerar riscos de corrupção nos processos de renegociação.
O artigo 31 menciona que o contratante tem direito à livre entrada e saída das áreas previstas no contrato, e que a Perupetro garantirá a necessária coordenação com as entidades competentes, a fim de salvaguardar o exercício do referido direito. Além disso, o artigo 36 menciona que o Ministério da Defesa e o Ministério do Interior fornecerão “as medidas de segurança necessárias” ao contratante. A este respeito, o Sistema Nacional de Avaliação de Impacto Ambiental (SEIA) observa que o trabalho do Ministério da Defesa deve se limitar à salvaguarda de equipamentos que colocam a integridade das pessoas em risco, mas não deve ser utilizado como segurança pessoal da empresa.
No entanto, a Comissão Internacional de Direitos Humanos (CIDH) tem enfatizado que o serviço prestado estado às empresas extrativistas intensificou os conflitos e tem gerado mais violações aos direitos dos povos indígenas e cidadãos que defendem seus territórios, os recursos naturais e o meio ambiente. Portanto, a aprovação de tais artigos colocará em risco a vida e a integridade das populações locais e dos povos indígenas.
Finalmente, consideramos necessário realizar uma análise exaustiva da norma levando em conta os impactos sociais, ambientais e econômicos negativos que poderia causar, especialmente na região amazônica e aos direitos das populações indígenas. Ao mesmo tempo, consideramos que esta norma exige um processo de consulta prévia com as populações envolvidas, bem como um processo de participação cidadã efetiva e ampliada.
Embora tenham sido realizadas audiências públicas em janeiro nas regiões de Loreto e Cusco, estas não foram convocadas com um tempo de antecipação adequado, divulgadas amplamente e com a inclusão de mecanismos interculturais, o que gerou a falta de participação da maioria dos cidadãos, especialmente os povos indígenas que são diretamente afetados por projetos de hidrocarbonetos.
Devido às deficiências e lacunas mencionadas, portanto, concordamos que esta Lei não deve ser aprovada pelo Congresso peruano. A 350.org acredita que a era dos combustíveis fósseis chegou ao fim, e que fontes poluidoras como o carvão, petróleo e gás não devem ser incentivadas em nenhum país em nenhum continente, e seus investimentos devem ser transferidos para energias alternativas como solar e eólica. Um mundo Zero Fósseis é possível, e já está em construção.
Veja aqui a análise completa da proposta, enviada pela DAR ao Congresso da República, ao Ministério de Energia e Minas e à Defensoria dos Povos.