Para Bill McKibben, fundador da 350.org, o principal tema de disputa na COP20 e na COP21 será o apoio dos países ricos aos países pobres para frear a extração de hidrocarbonetos

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O estadounidense Bill McKibben é uma das figuras fundamentais do movimento ambientalista mundial. Autor de livros como The End of Nature, Deep Economy: The Wealth of Communities and the Durable Future y Eaarth: Making a Life on a Tough New Planet, ele é um reconhecido professor no Middlebury College de Vermont, e também fundador da 350.org, organização que foi descrita (pela CNN) como “a mais ampla atividade política na história do planeta”. Seu trabalho e suas ideias a respeito do aquecimento global, do desenvolvimento de energias renováveis e da necessidade de transformar nossos hábitos de produção e consumo são fundamentais para entender a situação em que se encontram a humanidade e a Terra, e para desenhar as estratégias e políticas de ação. Agora que a COP20, que acontecerá em breve no Peru, traz o tema das mudanças climáticas para o centro da agenda do país, nós conversamos com eles, e aqui está o que ele nos disse.

Eu gostaria de começar com algo que tem me chamado a atenção quando leio seus artigos recentes: encontro neles uma nota de otimismo. É um otimismo muito resguardado e cauteloso, mas mesmo assim não deixa de ser otimismo. Basicamente, você diz que o terreno está preparado para uma ação decisiva em relação às mudanças climáticas, que temos os elementos necessários ao nosso alcance. Ao que você se refere?
Permita-me relativizar um pouco. Não é um otimismo muito grande, e isso é porque o que a ciência nos está dizendo é horrível. O ritmo das mudanças que estamos vivendo no aquecimento do planeta é muito maior do que se pensava, por exemplo em termos de derretimento das calotas polares. E isso é uma má notícia. Mas há, sim, um elemento de esperança a respeito do processo político, um elemento muito pequeno, e se deve a duas coisas. Primeiro, a tecnologia para a mudança que precisamos já existe. O custo dos painéis solares vem baixando inexoravelmente, e os alemães demonstraram que eles podem ser usados de maneira extensiva. O mesmo se aplica aos moinhos de vento. Mas, sobretudo, o que me provoca otimismo é o fato de que finalmente temos um movimento grande o suficiente para combater o poder da indústria dos combustíveis fósseis, e muita gente esteve lutando por muito tempo para construir um movimento que faça este contrapeso. Isso é o que estamos começando a ver.

Bom, em algum momento você escreveu que um movimento massivo precisa de inimigos, e que agora, finalmente, o inimigo está claramente identificado…
Exato. Está extraordinariamente claro para onde está dirigido o apoio político de um país após o outro… A verdade é que, em condições ‘normais’, quem tem dinheiro sempre ganha estas batalhas. Por isso nossa tarefa é fazer com que as condições não sejam ‘normais’, e isso requere construir movimentos.

E olha que é insano que estejamos obrigados a fazer isso. Os cientistas do mundo todo nos deram um aviso claro sobre o que está acontecendo, e isso deveria ser suficiente para que qualquer líder político razoável comece a trabalhar com urgência a respeito deste assunto. Mas não foi assim, e para mim este é certamente um lembrete de que as decisões políticas são tomadas menos pela razão e mais pelo poder.

 

Na sua opinião, qual ação é mais importante?
Organizar. Construir movimentos. Hoje temos movimentos em todo o mundo, e o que precisamos é seguir incluindo pessoas. Nunca teremos os mesmos recursos financeiros que a indústria dos combustíveis fósseis tem, e por isso precisamos desenvolver nossa própria forma de riqueza. E a nossa riqueza é formada por pessoas, pela paixão, pela criatividade, pela solidariedade. Se pudermos construir isso, nem tudo estará perdido.

E, como te digo, isso é exatamente o que está acontecendo. Parece-me que o principal problema que temos tido a respeito das mudanças climáticas é que, com razão, cada um de nós como indivíduo se sente muito pequeno em comparação com um problema tão grande, e nos parece difícil acreditar que podemos fazer algo para solucioná-lo. Mas acredito que os movimentos estão alcançando uma proporção crítica e muita gente começa a entender que temos, sim, opções.

 

Algo que acontece com o movimento, no entanto, é que ele é muito localizado. E por isso acaba sendo disperso. Esta não é uma debilidade?
Ao contrario, este é um dos seus melhores aspectos. Olha, se tivéssemos um grande líder como Nelson Mandela ou Martin Luther King, é claro que as pessoas se reuniriam ao seu redor. Mas está bem que não o tenhamos. A indústria dos combustíveis fósseis também é assim, é dispersa e espalhada. Por isso, é positivo que a resistência a essa indústria também o seja. Pessoas lutando contra maus projetos em todas as partes, campanhas pelo desinvestimento em suas comunidades, etc. E quando precisamos nos unir, podemos fazê-lo de formas como nunca antes se havia reunido tanta gente. Nova York em setembro foi um bom exemplo disso.

Falando da indústria dos combustíveis fósseis, um tema fundamental sobre o qual você também tem insistido é que as reservas de hidrocarbonetos existentes no subsolo devem permanecer no subsolo.
Este é um problema imenso. Se sabemos que a emissão de 565 gigatoneladas de dióxido de carbono é o limite para que o aquecimento médio do planeta se mantenha abaixo dos 2ºC, e que as reservas confirmadas representam 2.795 gigatoneladas, ou seja, cinco vezes mais que este limite, fica claro que explorá-las é a pior coisa que podemos fazer.

A boa notícia é que a campanha de desinvestimento dos combustíveis fósseis está ganhando força, o tema foi trazido à tona e a batalha está acontecendo, e isso é muito mais do que poderíamos projetar um ano ou dois atrás. O fato de que até mesmo a família Rockefeller tenha anunciado que vai retirar seus investimentos em combustíveis fósseis representa um momento histórico significativo. Trata-se da maior fortuna em combustíveis fósseis da história. Se eles acreditam que seguir investindo nisso é tão insensato quanto imoral, penso que muitos seguirão seus passos.

 

Em um país como o Peru, cujas esperanças de desenvolvimento econômico e social estão tão associadas à extração dos recursos naturais, esta ideia é, na verdade, muito difícil de ser articulada como um projeto político. Na América Latina, de fato, mesmo os programas que se consideram de oposição ao neoliberalismo seguem apegados à exploração destes recursos, com os hidrocarbonetos ocupando uma posição central. Este é o caso da Venezuela, é claro, mas também do Equador, da Bolívia, do Brasil… O que se pode dizer frente a esta situação?
O que eu diria, para começar, é que a situação é absolutamente injusta, porque estamos falando do aspecto físico da questão. E que, é claro, países como o Peru são aqueles que vão pagar o preço mais alto pelas mudanças climáticas se não formos capazes de controlá-las no mundo todo. Infelizmente, neste ponto todos os países precisam fazer absolutamente todo o possível para manter o carbono no subsolo. Da mesma maneira como países como o Brasil e o Peru devem fazer todo o possível para impedir a destruição da Amazônia. O mundo não poderá seguir funcionando se não o fizerem. É o que diz a ciência e, como te digo, é injusto, mas é a realidade.

Agora, tendo dito isso, fica claro que os países ricos devem aos países em desenvolvimento um apoio econômico real na forma de financiamentos para ajudá-los a saltar da era dos combustíveis fósseis para o que venha depois. Acredito que o principal tema em disputa na reunião de Paris, em 2015, para a qual a COP20 é uma preparatória, será esse: o financiamento para os países pobres.

De fato, no ano passado, na COP19 de Varsóvia, este foi um dos motivos de protesto por parte das organizações civis, incluindo a 350.org, quando 800 participantes abandonaram as sessões subitamente, cansados dos poucos avanços.
Isso mesmo. Esta foi uma das preocupações constantes, o fato de que as necessidades e as requisições dos países mais pobres sejam ignoradas sistematicamente. E o tema continuará no centro da agenda neste ano em Lima, e no próximo ano, em Paris.

Outro tema sobre o qual você tem escrito muito é que, na realidade, o planeta mudou muito, que o mundo físico que habitamos hoje já não é o mesmo que habitávamos há duas décadas – para não mencionar a revolução industrial. Algumas mudanças são irreversíveis. Quais são as consequências disso?
Temos que nos adaptar às mudanças que temos causado e ao que já não podemos evitar. Isso significa viver em um mundo diferente, um mundo, por exemplo, com muito mais tempestades e furacões, com mais secas. Estamos obrigados a dar todos os passos necessários para poder viver nesse mundo. O problema é que se continuarmos jogando carbono na atmosfera, a temperatura média subirá tanto que já não será possível nenhuma adaptação. Até agora, fizemos com que a temperatura aumentasse 1ºC, e isso já bastou para causar os problemas reais que estamos vivendo. A mesma ciência que nos disse que isso aconteceria, nos diz que a temperatura aumentará entre 4 e 5 graus durante este século se não fizermos nada. Nenhum país, nem o mais rico de todos, poderá se adaptar.

Você acredita que já passamos irreversivelmente do limite dos 2ºC de aumento médio da temperatura estabelecido pela comunidade internacional?
Infelizmente, minha leitura deste assunto é que, mesmo que façamos tudo o que devemos fazer, de todas as formas chegaremos muito próximos dos 2ºC. O que temos que fazer é nos esforçarmos para não ultrapassar este limite. Essa é a nossa missão.

Há quem diga que isso significa, basicamente, frear subitamente a economia mundial…
Não, eu não acredito nisso. O que é necessário, por exemplo, é fazer o que está fazendo a Alemanha, que talvez seja a economia de mais sucesso no mundo. Houve dias neste verão em que a Alemanha gerou até 75% de sua energia através do sol e do vento. E se trata de um país com muito menos sol que, digamos, o Peru.

Então é um assunto de políticas públicas, não tanto de estilo de vida ou decisões individuais.

Exato, é um assunto de vontade política. Sabemos como fazê-lo, a pergunta agora é se o faremos ou não. Nossos líderes estão acostumados a fazer as coisas de uma forma, e o que é necessário é romper com essa inércia.

O investimento em energias renováveis é a solução?
Há muitas soluções. Colocar um preço sobre as emissões de carbono, por exemplo. A indústria dos combustíveis fósseis nunca teve de pagar pela forma como lida com seus resíduos, simplesmente os joga no meio ambiente. Isso é uma vantagem da qual nenhum outro setor da indústria disfruta. E isso precisa mudar. Em geral, a solução é qualquer ação que contribua para uma transição da era dos combustíveis fósseis.

Tudo isso implica, como você já disse muitas vezes, que repensemos conceitos fundamentais sobre a forma como está organizada a economia mundial. Em essência, que passemos de uma economia de crescimento e expansão para uma de “manutenção”. Isso, para muita gente, é algo muito difícil de imaginar. Que aspecto teria um mundo assim?
Olha, hoje vivemos em um mundo em que alguns países estão desenvolvidos e outros subdesenvolvidos. Ao enfrentarmos as mudanças climáticas, temos a oportunidade de pensar realmente sobre isso em profundidade, de formas que não fizemos antes.

Acredito que o mundo que surgirá quando levemos as mudanças climáticas realmente a sério será muito mais local e menos globalizado. Terá menos a ver com a ideia de que alguns países sejam unicamente provedores de recursos, e mais com que as pessoas sejam capazes de resolver suas necessidades localmente. Acredito que a arquitetura desse mundo se parecerá, de certo modo, com a da Internet, com pessoas que contribuem com o sistema e se beneficiam dele de acordo com o que necessitam – e isso é muito distinto do velho modelo. Mas tudo isso ainda está por vir. O primeiro passo é que cheguemos o mais rápido possível à era das energias renováveis, que tende a ser muito local – e aí ver o que acontece. E temos que fazê-lo, porque a outra opção é que o futuro se torne infactível.

É claro que ninguém sabe que forma terá tudo isso em última instância. O que sabemos é que não podemos seguir com o que temos agora. Temos que nos mover em outra direção, e logo se verá exatamente como se parece o porto de chegada.

O que posso dizer é que, sim, será diferente em casa lugar. Os combustíveis fósseis tenderam a homogeneizar o mundo, a fazer com que todos os lugares fossem a mesma coisa. Acredito que as energias renováveis farão o contrário.