O desmatamento é uma ameaça ambiental das grandes, obviamente, mas o “desfaunamento” – o
sumiço de todo tipo de animal, mesmo em matas aparentemente preservadas – é um fenômeno igualmente perigoso e cada vez mais comum, alerta um estudo publicado hoje numa das maiores revistas científicas do mundo.
Os números divulgados na revista “Science” são especialmente assustadores porque dizem respeito não apenas a animais grandes, que são alvo de caçadores desde tempos imemoriais, mas também a invertebrados, como borboletas ou besouros. A maioria das populações de invertebrados que os cientistas conseguem monitorar regularmente sofreram um declínio médio de 45% dos anos 1970 para cá. No caso dos vertebrados (de mamíferos a peixes), no mesmo período de tempo, houve uma queda populacional média de 30% para todas as espécies estudadas.
“Em geral, no caso de invertebrados, que são difíceis de monitorar, esses dados na verdade se referem às espécies que eram bastante comuns. Os números provavelmente são uma subestimativa”, contou à Folha o biólogo Mauro Galetti, do Departamento de Ecologia da Unesp de Rio Claro (SP). Ele é um dos coautores do artigo na “Science”, ao lado do mexicano Rodolfo Dirzo, da Universidade Stanford (EUA), e colegas de outros países.
Na pesquisa, Galetti e seus colegas sintetizam uma vasta gama de dados sobre a defaunação (termo adotado pela comunidade científica para se referir ao declínio da fauna). Para a equipe, a preocupação com a extinção de espécies individuais, em geral as mais carismáticas, acabou obscurecendo, em parte, a diminuição drástica da população de um número muito maior de animais, ou seu sumiço em parte da distribuição geográfica original dos bichos.
Trata-se de um fenômeno insidioso, porque pode ocorrer inclusive em áreas naturais protegidas por lei e aparentemente intactas. “São lugares na mata atlântica, por exemplo, onde não tem mais bicho, ou tem muito pouco”, diz Galetti. “A gente vê muitos projetos de restauração florestal na mata atlântica, com plantio de corredores ecológicos, mas restaurar fauna é muito mais complicado.”
É claro que os motivos variam de espécie para espécie, mas a caça (ilegal no Brasil) continua tendo um papel-chave no caso dos vertebrados maiores (e mais saborosos), como porcos-do-mato, antas, veados e aves de grande porte. Por outro lado, o empobrecimento do habitat, competição com espécies invasoras, alterações climáticas e micróbios causadores de doenças são os flagelos que mais dizimam bichos menores, como anfíbios – especialmente vulneráveis, 41% das espécies deles são consideradas ameaçadas, contra 17% das espécies de aves.
EFEITO DOMINÓ
Quem se sente tentado a perguntar “e daí?” diante desses números precisa levar em consideração um grande número de observações e experimentos que mostram que “desfaunar” florestas é uma péssima ideia. Começando pelos anfíbios: a presença deles está diretamente ligada à qualidade da água, já que os bichos “limpam” de matéria orgânica os cursos d’água onde vivem. Aves, morcegos e insetos de todo tipo, em especial abelhas, são polinizadores, garantindo o sucesso de lavouras mundo afora. Comedores de insetos controlam pragas agrícolas, herbívoros evitam que a vegetação saia de controle e predadores de grande porte mantêm em níveis aceitáveis a população de uma série de outros animais. A remoção em massa dessas peças do tabuleiro ecológico tem efeitos imprevistos, numa espécie de efeito dominó.
“O que as pessoas têm de entender é que repovoar uma mata com o mico-leão ou com outra espécie tem efeitos que vão além do benefício para aquela espécie isolada – é bom para a qualidade do solo, para a água que elas bebem e para uma série de outras coisas”, resume Galetti.
FOLHA DE S.PAULO