Esse é o segundo post de uma série sobre como o trabalho da 350.org e o movimento climático se conectam a momentos críticos de preocupação global.
— Naomi Klein
Centenas de milhares de pessoas encontraram uma forma de chegar à Europa nas últimas semanas, fugindo da violência. Com frequência, são recebidas com mais violência assim que cruzam nossas fronteiras, mas às vezes – e cada vez mais – são recebidas com amor e compaixão (e algumas vezes com uma garrafa de água, brinquedo ou cobertor).
Provavelmente, você já ouviu esta história: as mudanças climáticas descontroladas causam eventos climáticos extremos e escassez de recursos, exacerbando conflitos e dinâmicas socioeconômicas. Caso em discussão: Síria. Embora as causas do conflito sírio sejam principalmente políticas, algumas pesquisas recentes sugerem que uma seca prolongada logo antes dos levantes de 2011 pode ter contribuído para a guerra civil atual (ainda que isso deva ser visto apenas como mais um fator entre outros).
A Síria não é a única. O clima extremo, que tem sido mais frequente e mais intenso como resultado das mudanças climáticas, desalojou 157,8 milhões de pessoas entre 2008 e 2014. Quando as pessoas são forçadas a se mudarem devido aos impactos das mudanças climáticas, elas geralmente se mudam dentro de seu país e não cruzando fronteiras internacionais – e é provável que os padrões futuros de migração continuem seguindo essa tendência.
Então, sim, existe uma conexão entre a crise climática e as crescentes ondas de deslocamentos ao redor do mundo. Não, os refugiados sírios que chegam à Europa não são, de maneira direta, refugiados climáticos. E sim, isso não deveria importar para o movimento climático em nossa região. Mas é nossa responsabilidade apoiá-los, independente de qualquer coisa.
Não importa se isso é uma crise ou uma nova normalidade, uma coisa é certa: o sofrimento e suas causas precisam ser enfrentados agora. Um paralelo entre a crise climática e a questão dos refugiados é evidente: os governos e líderes políticos estão mal preparados para lidar com elas. E, diante desse despreparo, as elites políticas e econômicas globais, seja no norte ou no sul do planeta, continuam com seus comportamentos irresponsáveis. Como Naomi Klein também afirma: “Em cada etapa, nossas ações são marcadas pela falta de respeito aos poderes que estamos libertando, uma certeza ou pelo menos uma esperança de que a natureza que transformamos em lixo e as pessoas que tratamos como lixo não voltarão para nos assombrar.”
A crise dos refugiados é complexa, assim como a crise climática. Mas outro paralelo também é evidente: as pessoas que já estão vulneráveis e sujeitas a uma série de injustiças são as que mais sofrem e sofrerão. Pense na devastação após o tufão Haiyan ou o furacão Katrina.
— Naomi Klein
Então, se a crise atual dos refugiados não é uma crise climática (embora a próxima possa ser), por que é importante que nós, que nos dizemos ativistas climáticos, apoiemos os refugiados? Como escreveu minha ex-colega Deirdre Smith, em um texto elucidativo que conectava a justiça racial nos EUA às lutas por justiça climática: “Parte desse trabalho envolve o reconhecimento e a compreensão, por parte dos ativistas climáticos, de que nossa luta não é só contra o carbono nos céus; é também contra os poderes na terra.”
Para aqueles que, como nós, se preocupam com o clima porque se preocupam com as pessoas, chegou o momento de agir. Nas últimas semanas, em estações de trem, campos de refugiados, ilhas e fronteiras de várias partes da Europa, os cidadãos tomaram a iniciativa nos pontos em que seus governos falharam. Essa dinâmica deve parecer familiar para a maioria dos ativistas climáticos, que veem como são lentas as ações significativas por parte dos governos de todo o mundo diante do iminente caos climático e se organizam para enfrentar esses problemas com as suas próprias mãos.
— Desmond Tutu
Isso é mais do que uma simples relação de causalidade entre as mudanças climáticas e a migração. Trata-se de admitir que, na raiz das justiças climática e migratória, está o reconhecimento de que as pessoas fora das fronteiras de nossos países importam, que elas são seres humanos como nós, que a luta delas é a nossa luta.
E que a luta não termina quando o estado de emergência passa. A dura verdade é que, mesmo se resolvermos a crise climática amanhã, ainda teremos que lidar com seus efeitos nos próximos anos. A Cúpula Climática da ONU em Paris ainda nem começou, e as autoridades já começaram a silenciar as vozes dos migrantes, aqueles que já moram em nosso continente há meses ou anos – tornando suas histórias e suas vidas (que são, em muitos casos, consequências das mudanças climáticas) invisíveis. Nas últimas semanas, os arredores do centro de conferências onde será realizada a Cúpula estão sendo “limpos”, nas palavras do governo francês; ocupações de migrantes e acampamentos ciganos estão sendo despejados de maneira violenta. A hipocrisia é chocante.
— Carlos Fuentes
No sábado, 12 de setembro, dezenas de milhares de pessoas de toda a Europa se reuniram para o dia de ação #EuropeSaysWelcome (em português, “A Europa dá as boas-vindas”) e #RefugeesWelcome (em português, “Bem-vindos, imigrantes”). Se nos preocupamos tanto com o clima como dizemos, devemos unir-nos a eles. Precisamos que o movimento adote uma cultura de cuidado, independente de qual seja o problema.
Eu tenho o privilégio de passar meus dias de trabalho ouvindo e compartilhando histórias de injustiça e de coragem. Em nenhum momento pensei que compartilhar histórias não relacionadas à questão climática tiraria a atenção dos meus colegas ativistas climáticos – sempre pensei nisso como uma fonte de força para todos nós.
Estamos aqui para um esforço de longo prazo. Não podemos dizer que “lidaremos rápido com a crise climática e depois teremos tempo para as outras” e não podemos vencer a luta para manter a maior parte dos combustíveis fósseis no solo a menos que reconheçamos os valores subjacentes de humanidade compartilhada que impulsionam esse esforço. Agora é o momento de nos posicionarmos.