O ano mal começou e as empresas de combustíveis fósseis já arranjaram uma forma de se beneficiar da mão amiga do governo Bolsonaro, à custa da saúde e do bolso dos cidadãos.

Na quarta-feira, 5 de janeiro, o Presidente da República sancionou a Lei 14.299/22, aprovada pelo Senado em dezembro, que determina a contratação obrigatória pelo governo da energia de reserva de usinas a carvão do Complexo Termelétrico Jorge Lacerda (CTJL), em Santa Catarina, entre 2025 e 2040. 

Na prática, a lei garante que empresas do setor tenham o seu sustento assegurado por praticamente 20 anos, apesar de produzirem energia mais cara e poluente do que as de várias outras fontes existentes no mercado brasileiro.

Segundo O Globo, a associação dos grandes consumidores de energia do mercado (Abrace) estima que o presente dado pelo governo aos empresários do setor custará R$ 840 milhões para todos os clientes de eletricidade do país. 

Resultado final dessa medidas: a conta de luz, que tem peso proporcionalmente maior para as famílias mais pobres, ficará ainda mais salgada por muitos anos. Você, consumidor, pagará para assegurar a tranquilidade dos donos de minas de carvão e de usinas termelétricas. E não estamos falando de pequenos empresários locais: o Complexo Termelétrico Jorge Lacerda (CTJL) pertence à gestora de recursos Fram Capital, sediada na região da Avenida Faria Lima, em São Paulo. 

Sem contar que o Brasil ficará ainda mais distante de alcançar suas metas ambientais, já que a queima de carvão é relativamente pouco eficiente e emite mais gases causadores da crise climática do que qualquer outra forma de geração de energia em escala.

“Eliminar o carvão é uma das maneiras mais fáceis e rápidas de reduzir as emissões de um país. Não é à toa que tantos governos estão correndo para se distanciar dessa fonte de energia, que não faz nenhum sentido financeiramente e traz danos graves à saúde da população. Enquanto isso, o Brasil corre na direção contrária, rumo ao atraso”,  afirma, Ilan Zugman.Até para os padrões do governo Bolsonaro essa decisão foi surpreendentemente ruim”, ele completa.

Os impactos do carvão para a saúde da população de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, dois dos principais produtores e consumidores carboníferos do Brasil, já foram amplamente documentados por estudos científicos, documentários e reportagens. Entre os principais riscos está a geração de drenagem ácida, que leva à contaminação das fontes de água por substâncias nocivas ao organismo.

O dano climático provocado pela extração do carvão em Santa Catarina também já foi demonstrado pelos dados de emissões municipais coletados pelo Observatório do Clima. Segundo levantamento do grupo, uma das mais relevantes redes de ONGs do país, Capivari de Baixo, município de Santa Catarina onde está instalado o Complexo Termelétrico Jorge Lacerda, é o maior emissor de CO₂ do Brasil por área.

Para Renan Andrade, organizador de campanhas da 350.org, a decisão do governo ignora exemplos positivos de políticas de desenvolvimento sustentável para a região Sul do Brasil.

“O discurso do carvão como ‘mal necessário’ à economia dos estados do Sul já está ultrapassado há décadas. As vitórias recentes da sociedade civil gaúcha, como a interrupção da licença à Mina Guaíba e a declaração de emergência climática em São Sepé, mostram que existe uma forte demanda por novos caminhos de geração de riqueza e por decisões que coloquem as pessoas e o meio ambiente acima do lucro de alguns financiadores de campanha”, ele afirma.

Nos dois casos mencionados por Renan Andrade, a mobilização popular contribuiu para barrar o avanço do carvão no Rio Grande do Sul. A Mina Guaíba, projeto da mineradora Copelmi que prevê a instalação, na Grande Porto Alegre, da maior mina de carvão a céu aberto do país, teve seu licenciamento ambiental paralisado após manifestações e participações em audiências públicas de diversas organizações socioambientais, inclusive a 350.org. 

Graças a uma ação civil pública de comunidades indígenas guaranis que vivem no entorno da área onde a mina seria instalada, a Justiça Federal do Rio Grande do Sul determinou, em 2020, a interrupção do processo de instalação até que essa população seja devidamente consultada, o que ainda não aconteceu.

Já no caso de São Sepé, município de cerca de 23 mil habitantes no interior gaúcho, a Prefeitura emitiu um decreto, em junho de 2021, reconhecendo a emergência climática global e oficializando o compromisso com o desenvolvimento de fontes renováveis de energia. A 350.org apoiou a Prefeitura de São Sepé na elaboração e divulgação do decreto.

Quanto aos empregos no setor do carvão, estudos como o que pesquisadores canadenses e europeus publicaram, em julho de 2021, sobre geração de postos em diversos cenários da transição energética mostram que investimentos em energias limpas mais do que compensam as vagas fechadas pelo fim das energias fósseis, considerado o conjunto da economia. 

Obviamente, o resultado da transição varia conforme o contexto de cada região e as políticas adotadas para garantir a inserção de profissionais em setores sustentáveis. Por isso, é fundamental que os trabalhadores do polo carbonífero de Santa Catarina possam, desde já, receber apoio financeiro e de requalificação profissional, para não dependerem de uma indústria que, no mundo inteiro, está com os dias contados. 

Cabe, ainda, aos governos locais e nacional estimular novas estratégias para a economia dos municípios que contaram com o carvão por tantas décadas. Assim, teríamos uma Transição Justa, mas certamente nenhuma forma de justiça foi considerada pelo governo e pelos lobistas que articularam a aprovação dessa lei, que torna os ricos mais ricos e espreme ainda mais as contas e o bem-estar das famílias mais pobres.