14 março, 2020

NOTA À IMPRENSA: 350.org pede respeito à Democracia na Guiana e condena “maldição do petróleo”

RESUMO – A 350.org e mais de 80 instituições ambientais e de direitos humanos assinaram uma carta de solidariedade ao povo da Guiana, em que pedem respeito à Democracia e uma apuração justa dos resultados das eleições para a Presidência da República do país, realizada em 02 de março. As signatárias também alertam para a influência nociva da indústria fóssil sobre diversos regimes democráticos ao redor do mundo e para os riscos que a abertura de uma “nova fronteira” do petróleo pode trazer ao clima global, às comunidades locais e à biodiversidade marinha da Guiana e das nações vizinhas.

NOTA À IMPRENSA – Diante da instabilidade política nas eleições da Guiana, país sul-americano que foi às urnas em 02 de março para escolher seu Presidente da República, a 350.org junta-se ao conjunto de organizações ambientais e de direitos humanos que estão apoiando um abaixo-assinado pelo respeito à Democracia no país (mais abaixo, leia o texto completo da carta).

Observadores internacionais das eleições no país e outras instituições que estão acompanhando de perto o assunto, como a Comunidade do Caribe (Caricom), a Organização dos Estados Americanos e a Comunidade das Nações (Commonwealth), apontam incertezas sobre a correção do processo de apuração eleitoral e pedem a todas as partes que evitem declarar um resultado até que todos os votos sejam devidamente tabulados de acordo com a lei aplicável.

O abaixo-assinado que a 350.org e mais de 80 organizações endossaram expressa solidariedade com o povo da Guiana, manifesta apoio ao Estado de Direito e à integridade do processo eleitoral, exige liberdade de expressão e associação sem medo de represálias e reforça o direito de todos os seres humanos a um ambiente seguro e saudável. 

O documento também aponta que a indústria do petróleo exacerbou as tensões políticas no país. As signatárias da carta demandam que a ExxonMobil e outras empresas de petróleo que operam na Guiana, bem como o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e outras instituições que estão financiando a expansão da indústria extrativista no país, sigam o exemplo da comunidade internacional e declarem inequivocamente que somente conduzirão negócios com um governo legalmente instalado.

Além disso, o abaixo-assinado revela preocupação com a possibilidade de a “maldição do petróleo” instalar-se na Guiana, em alusão à tendência de que a corrupção e a repressão cresçam no país, a exemplo do que aconteceu em outras nações que apostaram na indústria fóssil como fonte de recursos.

“O petróleo historicamente corrói democracias, promove a corrupção e se esconde sob um falso e frágil argumento desenvolvimentista. Não há real desenvolvimento onde existe exploração de petróleo, pelo contrário, há muita isenção fiscal e incentivo do poder público. Mas à sociedade volta muito pouco ou quase nada em investimento em áreas essenciais como saúde, educação e infraestrutura”, afirma Nicole Oliveira, diretora da 350.org na América Latina.

As organizações que respaldam o documento  apontam também que “um grande derramamento de óleo nas águas da Guiana colocaria em risco o meio ambiente marinho, a segurança alimentar e a indústria vital do turismo, tanto para a própria Guiana quanto para os países vizinhos do Caribe”. Destacam, ainda,  que “o petróleo gerado exacerbará a crise climática que já ameaça comunidades em todo o país, na região e no mundo”.

Além da 350.org, apoiam o abaixo-assinado outras organizações que trabalham pela transição da América Latina rumo a uma sociedade movida a energias limpas e socialmente justas, como o Instituto Arayara, a Coalizão Latino-Americana contra o Fracking (Coesus) e o Observatório do Petróleo e Gás.

INFORMAÇÕES À IMPRENSA

Peri Dias
Comunicação da 350.org na América Latina
E-mail: [email protected] 
Telefone: +591 7899-2202

###

Leia a seguir o texto completo do abaixo-assinado.

Declaração de solidariedade com o povo da Guiana

Nós, as organizações abaixo assinadas de direitos humanos, ambientais e democráticas, estamos escrevendo para expressar nossa solidariedade com o povo da Guiana, manifestando nosso total apoio ao Estado de direito na Guiana; a integridade do processo eleitoral; liberdade de expressão e associação sem medo de represálias; e o direito a um ambiente seguro e saudável. Observamos com crescente preocupação que o processo de tabulação de votos nas eleições de 2 de março testemunhou uma onda acelerada de irregularidades processuais, discrepâncias inexplicáveis, ameaças contra observadores imparciais e a declaração prematura do partido no poder como vencedor nesta eleição vital.

Aplaudimos os membros da comunidade internacional, incluindo a Comunidade do Caribe, Organização dos Estados Americanos, países da Comunidade das Nações, e os representantes conjuntos dos Estados Unidos, Reino Unido, Canadá e União Europeia que convidaram todas as partes a:

  • Respeitar o processo democrático;
  • Evitar declarar um resultado até que todos os votos sejam devidamente tabulados de acordo com a lei aplicável; e
  • Trabalhar juntos para garantir uma transição pacífica de poder.

Concordamos e endossamos a declaração conjunta de observadores internacionais no processo eleitoral de que a tabulação dos votos nas eleições permanece incompleta e deve ser concluída em total conformidade com a lei da Guiana e com total transparência aos observadores internacionais, à comunidade internacional e à Guiana. Sem essas etapas, a legitimidade do processo eleitoral é altamente questionável.

Vitalmente, exortamos todos os envolvidos a trabalharem com agilidade para acalmar as tensões crescentes, evitar mais violências e garantir a segurança de todo o povo da Guiana, e prestar especial atenção à situação dos defensores do meio ambiente e dos direitos humanos, que muitas vezes são alvo durante períodos de turbulência social e política.

Nesse cenário de preocupação global pela legitimidade do processo eleitoral e pelo bem-estar do povo guianense, notamos o silêncio ensurdecedor do setor que mais exacerbou as recentes tensões políticas no país – a indústria do petróleo. Esse silêncio em um momento de profunda crise nacional fornece fortes evidências de que as empresas de petróleo estão mais preocupadas com o futuro do petróleo da Guiana do que com o futuro da nação e com as pessoas que possuem esse petróleo.

Convidamos a ExxonMobil e outras empresas de petróleo que operam na Guiana a seguirem o exemplo da comunidade internacional e declarar clara e inequivocamente que eles somente conduzirão negócios com um governo legalmente instalado.

Estamos ainda preocupados que esse silêncio se estenda ao Banco Mundial e outras instituições financeiras internacionais – privadas e públicas – que estão financiando a abertura da Guiana como a mais nova fronteira extrativista e promovendo ativamente a transição do país de um sumidouro de carbono global para uma grande novo emissor de carbono. Como trabalha com os advogados da Exxon para reescrever as leis que governarão a extração de petróleo no país, o Banco Mundial não assumiu posição pública sobre a agitação política de que a extração está exacerbando. Apelamos ao Banco Mundial, ao Banco Interamericano de Desenvolvimento e a todos os outros órgãos financeiros para que se juntem à comunidade internacional pedindo uma tabulação justa e transparente dos votos e a instalação do governo eleito legitimamente e democraticamente

A corrida para transformar a Guiana no mais novo estado petroestatístico contribuiu para uma situação política que ameaça os direitos humanos e a democracia, corre o risco de recompensar a corrupção e a repressão e traz as características reconhecíveis demais da maldição do petróleo. Essa maldição será agravada se a perfuração em águas profundas mal regulada e de alto risco na zona econômica exclusiva da Guiana desencadear uma explosão de poço. Um grande derramamento de óleo nas águas da Guiana colocaria em risco o meio ambiente marinho, a segurança alimentar e a indústria vital do turismo, tanto para a própria Guiana quanto para os países vizinhos do Caribe. E o petróleo gerado exacerbará a crise climática que já ameaça comunidades em todo o país, região e mundo.

Também pedimos à indústria do petróleo e ao setor financeiro que reconheçam que a Guiana pode nunca perceber a riqueza do petróleo necessária para superar esses riscos. Observamos com ironia que, mesmo que a promessa de riquezas incontáveis ponha em risco a democracia da Guiana, os principais produtores de petróleo do mundo acabam de se comprometer a inundar os mercados globais com petróleo muito mais barato do que o que a Guiana pode produzir economicamente, exacerbando ainda mais o risco de que a Guiana preso ao ciclo de dependência e empobrecimento que atormenta países ricos em petróleo há décadas. À medida que os mercados financeiros e de energia globais se afastam dos combustíveis fósseis com uma velocidade cada vez maior, os riscos de que a Guiana fique sobrecarregada com dívidas massivas e ativos de petróleo ociosos apenas aumentarão.

O fracasso em reconhecer esses riscos e a iminente transformação que enfrenta a indústria do petróleo e a economia fóssil contribuíram para a crise atual. As pessoas na Guiana estão trabalhando para garantir que seu país possa enfrentar essa crise e avançar para um futuro mais pacífico, estável, sustentável e democrático. Nossas organizações têm a honra de se juntar à comunidade internacional em seu apoio a esse esforço e ao povo guianense.

Está na hora de a indústria do petróleo e a comunidade financeira global fazerem o mesmo.