9 outubro, 2019

ANP realiza nesta quinta-feira o “leilão do dolo eventual”

A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) planeja realizar, nesta quinta-feira (10), o “leilão do dolo eventual”. Para a diretora de Campanhas da 350.org, Nicole Oliveira, é assim que deveria se chamar a 16ª Rodada de Licitação de Blocos para Exploração e Produção de Petróleo e Gás Natural, que leiloará para empresas do mundo todo o direito de explorar 36 blocos, localizados em sete setores de cinco bacias sedimentares. 

Em pelo menos uma dessas bacias, a de Camamu-Almada, um eventual vazamento pode afetar seriamente um patrimônio ambiental do Brasil, o Parque Nacional Marinho dos Abrolhos, região com a maior biodiversidade marinha do Atlântico Sul, e prejudicar no mínimo 55 mil famílias que dependem da pesca artesanal possibilitada pelo ecossistema do parque.

Dolo eventual é o termo que se usa, por exemplo, para caracterizar o comportamento da pessoa que dirige embriagada e atropela alguém, porque ainda que a intenção do motorista não seja a de matar, ele assume o risco de cometer um assassinato, ao dirigir sob efeito de álcool. Juridicamente, não existe essa implicação no caso da ANP, mas o comportamento dos executivos da agência segue a mesma linha, segundo Nicole.

“A ANP admite, em seus documentos, que existe o risco de acidente nessa área e sabe que isso geraria um desastre ambiental e humano em poucas horas, mas mesmo assim escolheu prosseguir com o leilão, em nome do lucro de algumas multinacionais gigantescas do setor de petróleo” afirma a diretora de campanhas.

Embora os técnicos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) tenham recomendado que a região seja protegida do risco de acidentes, o presidente do próprio instituto, Eduardo Fortunato Bim, e o diretor-geral da ANP, Décio Oddone, assinaram a autorização para o leilão – inclusive reconhecendo o risco de derrames acidentais atingirem “em curto espaço de tempo importantes áreas com espécies endêmicas e ameaçadas”, bem como pesqueiros “relevantes para a pesca artesanal”. De acordo com o mesmo documento, um derrame no inverno provocaria impactos físicos, biológicos e socioambientais no litoral norte da Bahia, enquanto um derrame no verão alcançaria todo o litoral sul do estado e também o Espírito Santo.

“Os baianos poderão escolher se querem que o petróleo acabe com suas praias mais ao norte ou mais ao sul. Já os capixabas, não. Para eles, a torcida é para que o derrame ocorra no inverno, porque se for no verão, não tem jeito”, ironiza Juliano Bueno, que também é diretor de Campanhas da 350.org. “Será que queremos mesmo correr o risco de mais uma tragédia ambiental no Brasil, depois das que assistimos nos últimos anos?”, ele questiona.

 

  • Impactos para Abrolhos e a população

 

Segundo as Cartas de Sensibilidade Ambiental a Derramamentos de Óleo do Ministério do Meio Ambiente, numa escala de 1 a 10, em termos dos estragos que o vazamento de óleo pode causar, a região que engloba o sul da Bahia e Abrolhos fica em 9.

Segundo o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o Parque Nacional Marítimo de Abrolhos, o primeiro do tipo a ser criado no Brasil, há 36 anos, abriga 1,3 mil espécies, das quais 45 estão ameaçadas de extinção. O órgão do próprio governo federal também informa, em sua página, que a proteção do local gera renda para cerca de 20 mil pessoas e que a pesca nas regiões vizinhas ao Parque movimenta mais de R$ 100 milhões ao ano, representando 10% da receita da atividade no Brasil.

Esse número não abrange, porém, as comunidades que se beneficiam indiretamente da riqueza e do volume de peixes que o parque ajuda a manter. Segundo o consultor de comunidades tradicionais da 350.org Brasil, Luiz Afonso Rosário, pescadores localizados em uma faixa que vai de Macaé (RJ) a São Luís (MA) reportam se beneficiar da existência de Abrolhos. Segundo Rosário, mesmo a estimativa feita por ele – de que pelo menos 55 mil famílias seriam afetadas por um vazamento na região –, é bastante conservadora.

 

  • Turismo e exportações também seriam afetados

 

O turismo no Nordeste brasileiro e a exportação de alimentos de origem marinha também sofreriam danos consideráveis em caso de acidente. Por exemplo, na Costa da Baleia, como é conhecido o litoral do extremo sul da Bahia, área que poderia ser diretamente afetada em caso de acidente com a extração de petróleo, o turismo representa 20% do PIB dos municípios

Exemplo desse impacto é a contaminação atual do litoral nordestino por manchas de óleo. Um volume equivalente a mais de 500 barris de petróleo já foi encontrado nas praias da região, com redução da presença de turistas e risco a rios fundamentais para a população, como o São Francisco. Passado mais de um mês desde o primeiro alerta de manchas, ainda não se sabe a origem do derrame e o óleo segue se espalhando.

Em caso de vazamento de óleo, as autoridades de saúde também recomendam a suspensão do consumo de peixes e crustáceos das regiões afetadas. Dado o impacto cumulativo das substâncias químicas sobre o organismo dessas espécies, os danos econômicos e ambientais dos vazamentos podem perdurar por décadas, de acordo com pesquisadores do tema.

Já os ganhos para o país, mesmo do ponto de vista estrito da arrecadação imediata para os cofres públicos, são bastante modestos. Os quatro blocos da Bacia Camamu-Almada representam apenas R$ 10,8 milhões da arrecadação mínima esperada pelo governo, o equivalente a 0,3% do bônus de assinatura previsto com a 16ª rodada de licitações.

 

  • Como se mobilizar

 

Para proteger Abrolhos da irresponsabilidade do setor petrolífero e exigir que a ANP e o Ibama voltem a cumprir seu papel institucional, a 350.org está convidando os brasileiros a participar de um abaixo assinado pelo cancelamento das licitações. Cerca de 50 mil pessoas já incluíram seus nomes no documento. Somados, os abaixo-assinados pela mesma causa, iniciados tanto por organizações quanto por pessoas físicas, já coletaram mais de um milhão de assinaturas. 

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