ONGs exigem veto presidencial com base no Acordo de Paris, que entra em vigor no próximo dia 04 de novembro
Dois meses após a rápida ratificação do Acordo de Paris, na última quarta-feira (19), o Senado Federal foi na direção exatamente oposta e aprovou um Projeto de Lei que prevê a “modernização do parque energético de carvão”, estimulando a construção de novas centrais elétricas alimentadas a carvão a partir de 2023, e assegurando um mercado cativo para o carvão brasileiro, notavelmente de baixa qualidade.
O programa de estímulo ao carvão foi incluído no artigo 20 da Medida Provisória 735/2016, que foi convertida no Projeto de Lei de Conversão 29/2016. A medida foi originalmente concebida para regular as privatizações no setor elétrico, mas o lobby do carvão, forte nos estados do Sul, conseguiu incluir o artigo pró-carvão no texto.
Mais de 60 ONGs brasileiras estão pedindo o veto presidencial ao projeto de lei. Após a aprovação no Senado, o presidente Michel Temer tem 15 dias para aprovar ou rejeitar a nova legislação. No caso de um veto, o Congresso tem 30 dias para deliberar sobre ele.
Durante a sessão plenária, apenas três senadores levantaram suas vozes contra a medida: o líder do Governo Aloysio Nunes (PSDB-SP) e dois membros da oposição, João Capiberibe (PSB-AP) e Randolfe Rodrigues (REDE-AP). Os dois últimos enfatizaram que o novo incentivo ao carvão vai contra os compromissos brasileiros assumidos ao ratificar o Acordo de Paris.
“Este artigo vai contra tudo que o Brasil tem feito para limitar as emissões de CO2, e coloca o Brasil na direção oposta da que o resto do mundo tem se dirigido. Enquanto a China, o maior emissor do mundo, tem tomado medidas para reduzir o uso de carvão, hoje no Brasil criamos um programa para construir mais usinas de carvão”, disse Rodrigues.
Na quinta-feira, representantes da Frente Parlamentar em Defesa do Carvão e da Associação Brasileira de Carvão compareceram em massa à sessão do Senado.
“Ao ratificar o Acordo de Paris, o governo brasileiro se comprometeu a reduzir as emissões de gases do efeito estufa do país, por isso deveria estar sinalizando uma mudança de paradigma no seu modelo de desenvolvimento. O Brasil tem todas as condições para eliminar a nossa dependência dos combustíveis fósseis. Deveríamos estar fazendo uma completa reestruturação da matriz energética, redirecionando investimentos para projetos que promovam o uso eficiente da energia e a expansão de fontes renováveis, como eólica, solar e biomassa, acelerando a transição para uma economia de baixo carbono, com fontes de energia livres, justas e sustentáveis”, reforça Nicole Figueiredo de Oliveira, diretora da 350.org Brasil e América Latina.
O uso do carvão tem sido tradicionalmente menor a matriz energética do Brasil. Hoje, ele responde por apenas 6% da energia produzida, mas é responsável por 22% de todas as emissões provenientes da queima de combustíveis fósseis no país. Desde 2014, no entanto, o carvão tem voltado com força, amparado pela angústia do governo com a segurança energética após uma série de longas secas e esgotamento dos reservatórios das hidrelétricas – além de um lobby forte no Congresso. Em 2014, uma nova usina a carvão foi leiloada pela primeira vez em anos, e este ano uma nova planta de 600 megawatts passou pela primeira fase do processo de licenciamento ambiental.
A recessão também teve sua participação na mudança de rumos para o carvão, já que reduziu a necessidade brasileira de energia e também o dinheiro disponível para a construção de novas usinas. No início deste mês, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), anunciou que deixaria de subsidiar novas usinas a carvão e iria redirecionar seus fundos para energia solar.
Carlos Rittl, secretário-executivo do Observatório do Clima, que inclui mais de 40 organizações, enfatiza o fato de que a aprovação desta proposta pelo Congresso é um sinal negativo para a credibilidade do Brasil em negociações sobre o clima.
“O mesmo Parlamento que fez a coisa certa ao ratificar o Acordo de Paris em tempo recorde agora cria um grande constrangimento para o governo na conferência do clima em Marrakesh”, disse Rittl. “Os legisladores que aprovaram este programa parecem viver em uma realidade paralela, estimulando uma energia do século XIX, quando o país tem mais vantagens em adotar as energias do século XXI.”