5 outubro, 2021

Leilão da ANP põe em risco áreas protegidas e “oásis” de peixes no Nordeste e no Sul do Brasil

Exploração de petróleo nas bacias Potiguar e Pelotas, incluídas no certame de 7 de outubro, pode afetar a biodiversidade e a economia local

O leilão de blocos de petróleo e gás que a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) realizará nesta quinta-feira (07/10) expõe ao risco de destruição algumas das áreas oceânicas mais importantes para a biodiversidade e a pesca no Norte, Nordeste e Sul do Brasil

Em caso de acidentes na atividade petrolífera, os danos podem afetar não só os territórios já protegidos pela legislação ambiental, como Fernando de Noronha, Atol das Rocas e Arquipélago de São Pedro e São Paulo, como também regiões que ainda não receberam proteção oficial, mas são conhecidas como “oásis” de peixes e exigem avaliações mais detalhadas dos impactos que podem sofrer.

As constatações vêm de um estudo elaborado pelo Instituto Maramar, organização de pesquisa focada na governança de bens naturais comuns, a pedido da 350.org, uma ONG global de campanhas pelo clima. 

Na 17ª Rodada de Licitações da ANP, que culminará no leilão de 07 de outubro, nove empresas estão inscritas para disputar a exploração e produção de petróleo e gás em até 92 blocos, localizados nas bacias sedimentares de Campos, Santos, Potiguar e Pelotas. É nessas duas últimas que o estudo se concentra.

O autor do levantamento, Fabrício Gandini, mestre em oceanografia pesqueira pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG) e fundador do Instituto Maramar, destaca que ambas as bacias reúnem condições especiais para a vida marinha.

Prejuízos à economia e às famílias mais vulneráveis

No caso da Bacia Potiguar, os montes submarinos elevam-se de profundidade abissal até pontos que já recebem luz. Com isso formam um relevo sub-aquático muito particular, que constitui o único mecanismo de fertilização das águas em áreas oceânicas tipicamente pobres em nutrientes. É por isso que acabam criando o efeito de “oásis”, ou seja, viabilizam a vida em regiões hostis.

Além disso, os montes nessa área conectam-se com outras regiões de relevo semelhante, como o sistema Rocas-Noronha-São Pedro São Paulo, a leste, e as bacias Ceará, e do Pará-Maranhão, a oeste.

Essas mesmas características, associadas à dinâmica de correntes na região, tornam complexa a previsão sobre as consequências de potenciais acidentes na prospecção, extração ou transporte de petróleo. A depender das condições, o óleo poderia ser levado superficialmente para a orla costeira potiguar, cearense, maranhense e paraense, afetando o turismo e a pesca. No entanto, também existe o risco de que seja carregado por correntes mais profundas. Nesse cenário, atingiria as áreas protegidas de Atol das Rocas, Fernando de Noronha e Arquipélago de São Pedro e São Paulo, mais distantes do litoral e essenciais para a conservação da vida marinha.

O relatório destaca também que se o óleo chegasse ao trecho litorâneo que vai do Rio Grande do Norte ao Pará, produziria impacto particularmente grave para a pesca artesanal e industrial de espécies grandes, como pargos, ariacós e garoupas. Os danos poderiam se estender inclusive a polos pesqueiros como Bragança (PA), que têm um papel relevante na economia e na geração de renda. 

“Nenhuma dessas externalidades foi estudada pelos órgãos ambientais antes de liberar a inclusão da Bacia Potiguar no leilão, mas são desafios que podem inviabilizar a própria exploração de petróleo depois que os blocos forem adquiridos”, aponta Gandini.

Já a Bacia de Pelotas marca o limite entre duas regiões de características bem diferentes. Do sul, chegam águas ricas em nutrientes, por influência do estuário argentino-uruguaio do  Prata, que se soma à descarga da Laguna dos Patos. Do norte, vêm as águas de áreas mais tipicamente tropicais que formam a Bacia de Santos. Essa confluência faz da região uma zona de alta concentração de espécies migratórias, importantes para a pesca do Sul e do Sudeste do Brasil.

“Por ser uma verdadeira fronteira oceanográfica, a Bacia de Pelotas é um patrimônio marinho brasileiro, que além disso presta um serviço valiosíssimo à economia de alguns dos estados mais populosos do país, mas que o governo brasileiro está oferecendo para a exploração de petróleo”, lamenta Gandini.

“Pária internacional”

O estudo identifica também contradições e insuficiências nos critérios usados pelos órgãos do governo para definir as áreas incluídas nos leilões da ANP. Gandini aponta, por exemplo, que a Bacia Potiguar possui características muito semelhantes às da Bacia do Pará-Maranhão, que foi excluída da 17a Rodada após sugestão do Ibama para que se aguardasse a realização de uma Avaliação Ambiental de Área Sedimentar (AAAS).

“Potiguar e Pará-Maranhão formam uma província única no aspecto do relevo, uma é continuação da outra. Porém, tudo é ainda mais sensível em Potiguar, porque diferentemente da Bacia do Pará-Maranhão, que recebe a fertilização fantástica da descarga do Rio Amazonas, a região é dependente dos processos atrelados aos montes submarinos, que sequer possuem proteção legal”, pondera Gandini.

Ele lembra que o Ibama chegou a emitir parecer contrário à inclusão de Potiguar no leilão, alegando a necessidade de estudos mais aprofundados, mas o órgão ambiental não foi ouvido.

Segundo o autor do estudo, essa inconsistência na inclusão de áreas para os leilões da ANP gera insegurança jurídica e torna inexplicável que Potiguar vá a leilão, pelo menos do ponto de vista técnico ambiental. 

Como solução para as incongruências, ele aponta que Pelotas e Potiguar deveriam ser excluídas do certame de 7 de outubro. Além disso, o Instituto Maramar e a 350.org pedem o fim de todos os leilões da ANP.

“Estamos a menos de um mês da COP26, com as potências globais disputando o protagonismo nos anúncios de redução das emissões, e o Brasil está entregando áreas ambientalmente valiosas para uma atividade tremendamente poluidora. O governo já disse que não vê problema em colocar o país no papel de ‘pária internacional’, mas a sociedade brasileira certamente espera algo melhor para si mesma”, afirma Ilan Zugman, diretor da 350.org na América Latina. 

O estudo ainda recomenda a inclusão das bacias Potiguar e Pelotas em estudos de avaliação sobre um possível “tombamento marinho”, ou seja, a criação de pontos de proteção ambiental e da biodiversidade nessas áreas do oceano, em reconhecimento a seu valor para a pesca e os ecossistemas oceânicos.


Informações para a imprensa

Peri Dias
Comunicação da 350.org na América Latina
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