Rio de Janeiro, 5 de Fevereiro – Lideranças da sociedade civil e de organizações indígenas se manifestaram nesta quarta-feira, 5/2, sobre a inviabilidade e a contradição de explorar petróleo na chamada Margem Equatorial – região que abrange as bacias sedimentares de Foz do Amazonas, Pará-Maranhão, Barreirinhas, Ceará e Potiguar.
Os posicionamentos ocorreram após as últimas declarações do presidente Lula sobre a necessidade de manter o petróleo como solução energética, sem considerar os graves riscos ambientais e climáticos, perpetuando a exploração e a utilização dos combustíveis fósseis, a maior causa do aquecimento global. “Queremos o petróleo, porque ele ainda vai existir por muito tempo. Temos que utilizar o petróleo para fazer a nossa transição energética, que vai precisar de muito dinheiro. A gente tem perto de nós a Guiana e o Suriname pesquisando o petróleo muito próximo a nossa margem equatorial”, disse Lula, durante entrevista a rádios de Minas Gerais.
Alas do governo vêm sinalizando que contam com a licença do bloco FZA-M-59, localizado na Foz do Amazonas, ainda no primeiro semestre deste ano, em que contraditoriamente o Brasil sediará a COP do Clima, em novembro.
Toya Manchineri, coordenador-geral, Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB), disse:
“A Coiab se posiciona firmemente contra a exploração de petróleo e potássio nas terras indígenas e seus entornos. Esses projetos não só ameaçam a vida dos povos originários, mas também causam danos ambientais irreversíveis, destruindo florestas, contaminando rios e comprometendo o futuro das próximas gerações. A luta pelos direitos indígenas e pela preservação da Amazônia não pode ser minada por interesses que ignoram a vida e a dignidade dos povos originários.”
Luene Karipuna, coordenadora-executiva, Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Amapá e Norte do Pará (Apoianp), disse:
O bloco FZA-M-59 fica a 150km das terras indígenas no Oiapoque, territórios que estão bem na linha de frente e que já vêm sofrendo com os impactos sociais e ambientais que esse empreendimento traz para a região. É contraditório apoiar o empreendimento que mais emite gases poluentes no mundo e acelera a crise climática após o Brasil ter apresentado na COP29 a NDC que, pela primeira vez, cita a eliminação total do uso de combustíveis fósseis no país. É contraditório também, nesse processo, não garantir o direito dos povos indígenas à consulta prévia e o diálogo direto; nos preocupa, pois a base que vai dar apoio a possíveis desastres desse projeto não está localizada e nem abrange o estado do Amapá.
Coordenação Nacional de Articulação de Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ), disse:
“A CONAQ encontra-se preocupada com a iminente exploração de petróleo na Foz do Amazonas. A estatal estuda a região há pelo menos dois anos, mas até o momento não consultou os quilombolas e demais povos que vivem próximo ao local e temem que suas comunidades sejam prejudicadas. Exigimos que os órgãos e autoridades competentes realizem a consulta pública prevista na Lei nº 9.784/1999 (Lei de Processos Administrativos), pois a biodiversidade e as vidas humanas que ali vivem podem sofrer impactos irreversíveis.”
Ilan Zugman, diretor da 350.org para a América Latina e Caribe, disse:
“A COP da Amazônia é para quem? O governo brasileiro precisa decidir se vai trabalhar para a sobrevivência do planeta e daqueles que são mais vulneráveis à emergência climática, ou vai continuar com discursos e ações contraditórias. É inadmissível que o presidente Lula, enquanto todos estamos vivendo secas e enchentes constantes e debatendo a transição energética justa, continue vendendo a Amazônia para projetos que a destroem e exploram negativamente aqueles que a habitam e protegem. Abrir as portas da Amazônia para a exploração de combustíveis fósseis, além de colocar em risco as comunidades tradicionais e povos indígenas que habitam a região, vai contra o próprio discurso de preservar a Amazônia para ajudar a regular o clima do planeta.”
Valma Teles, diretora executiva do Observatório do Marajó, disse:
“A exploração de petróleo na foz do Amazonas é um desrespeito aos direitos humanos das comunidades locais, incluindo o direito à terra, à água e à saúde. A Petrobrás querer apressar a aprovação de um projeto cheio de riscos socioambientais e que não tem legitimidade popular nos territórios para evitar se queimar na COP30 é querer fazer nós, povos das florestas e águas, e também o mundo todo de bobo. Cadê o investimento em outra matriz energética? Cadê as soluções descentralizadas? Não queremos assumir os riscos das promessas que não se cumprem e continuar adiando as políticas adequadas para uma verdadeira transição energética.”
Sila Mesquita, Coordenadora Nacional, Rede de Trabalho Amazônico (GTA), disse:
“A liberação da exploração de petróleo na Foz do Amazonas é um grave retrocesso para a agenda socioambiental do Brasil. O bioma amazônico e as populações que dele dependem não podem ser sacrificados em nome de interesses econômicos que acentuam os problemas socioambientais e trazem mais concentração de renda para poucos. A Rede GTA se posiciona veementemente contra essa decisão e reforça a necessidade de investimentos em uma economia sustentável, que respeite a biodiversidade e os direitos das comunidades tradicionais.”
Suely Araujo, coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima, disse:
“Não deveria haver emissão de qualquer licença ambiental no grito. O Ibama já emitiu mais de 2 mil licenças de perfuração offshore. Está negando uma e ela virou bandeira para um ‘liberou geral’ na Margem Equatorial. A região do bloco 59 é ambientalmente muito sensível e com correntes fortíssimas. Os técnicos do Ibama têm apontado há anos os problemas associados a essas condições. Se o governo fizesse avaliações ambientais das áreas sedimentares, previstas desde 2012, a bacia da Foz do Amazonas já teria sido qualificada como inapta para a produção de petróleo.”
Kumi Naidoo, Presidente da Iniciativa do Tratado de Não-Proliferação de Combustíveis Fósseis, disse:
“É um escárnio que, enquanto estamos reunidos aqui para discutir como é a verdadeira liderança para a justiça climática, o governo brasileiro esteja tentando usar a COP30 para fazer greenwashing de uma decisão que está pingando óleo sujo, entregando à indústria petrolífera uma das áreas mais importantes do mundo para a proteção climática. É desrespeitoso com os cidadãos brasileiros e ultrajante com as comunidades tradicionais locais e povos indígenas em todo o país, na Amazônia e no mundo, que têm sido consistentes e claros de que a expansão de indústrias extrativas como esses projetos de petróleo ameaça sua soberania, seus territórios, suas culturas e, de fato, toda a vida na Terra. Em uma era de políticas retrógradas como a “drill, baby drill” de Trump, líderes progressistas como Lula devem se levantar e honrar em casa a imagem que desejam projetar internacionalmente. Se o Brasil quiser ser um verdadeiro líder global em 2025, deve reconhecer que os combustíveis fósseis devem ser deixados no passado – e no solo.”
Ricardo Fujii, Especialista em Conservação do WWF-Brasil, disse:
“Avançar na exploração de petróleo na Foz do Amazonas é um erro estratégico pois desvia o país de suas vantagens competitivas em energias renováveis, de baixo custo e baixo impacto ambiental, priorizando a produção de petróleo para exportação num mercado já saturado e no qual há competidores capazes de produzir a custos menores e com menor pegada de carbono, como é o caso da Arábia Saudita, Qatar e Emirados Árabes. Isso fará com que esses investimentos não se paguem e que seja desperdiçada a chance do Brasil liderar a transição energética em nível mundial. Além disso, a exploração de petróleo na Foz do Amazonas é desnecessária para atender às necessidades energéticas do Brasil dentro de uma trajetória alinhada ao limite de 1,5°C de aquecimento global. Investir na Margem Equatorial pode acarretar significativos impactos socioambientais na região, inclusive sobre a atividade de pesca artesanal e industrial, importante para a economia da costa norte do país.”
André Guimarães, Diretor executivo, IPAM (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia), disse:
“É inconcebível dar aval a iniciativas que irão piorar o colapso climático da Terra e, assim, ceifar milhões de vidas. O Brasil já liderou a valorização de florestas como parte da resposta para o equilíbrio do planeta, junto à transição para longe dos combustíveis fósseis. Portanto, podemos liderar, também, a criação de ‘royalties verdes’ visando a compensação financeira de Estados nacionais e subnacionais para não mais explorar o petróleo que está, pelas mãos da natureza, em seus subsolos, em prol desta mesma natureza, da nossa e das futuras gerações.”
Carolina Marçal – Coordenadora de projetos Instituto ClimaInfo, disse:
“O Brasil tem o potencial de moldar a agenda climática global. No entanto, enquanto o mundo precisa de um acordo global para eliminação dos fósseis, o país avança na abertura de um novo poço na Amazônia, uma área sensível para o clima e a biodiversidade que, diante do agravamento da crise climática, deveria se tornar uma zona de proteção. Ao contrário do prometido, a exploração de petróleo não traz desenvolvimento local, essa é uma atividade que historicamente concentra renda, é ambientalmente predatória e socialmente excludente. O Brasil pode ser gigante sem precisar desse óleo e se tornar uma superpotência verde ao direcionar investimentos e políticas públicas para viabilizar a expansão das renováveis de forma justa e o desenvolvimento de cadeias produtivas sustentáveis.”