
*Fotos da ação da sociedade civil em frente à Petrobras disponíveis aqui
Valor equivale a 5 anos de desmatamento. Além disso, apenas 0,06% dos recursos do petróleo no Brasil são aplicados em transição energética, o que joga por terra o argumento de que é necessário explorar a foz para bancar esse processo.
- Análise aponta que a queima dos 10 bilhões de barris estimados para a foz do Amazonas resultaria na emissão de 4,7 bilhões de toneladas de CO2 equivalente;
- Atualmente, apenas 0,06% dos recursos oriundos da atividade petrolífera são destinados à transição energética, o que contraria a justificativa do governo para explorar esta nova fronteira;
- Para denunciar tais contradições, organizações da sociedade civil realizaram uma ação com faixas e colagem de cartazes na sede da Petrobras, no Rio de Janeiro.
30 de maio de 2025 – A exploração de petróleo na foz do Amazonas elevaria em 4,7 bilhões de toneladas as emissões de CO2 equivalente na atmosfera, e o dinheiro do petróleo não financia, nem financiará, a transição energética. É o que mostram análises realizadas pelo Climainfo a partir das estimativas de reservas para a bacia, bem como para o bloco FZA-M-59, para o qual a Petrobras pleiteia uma licença de perfuração exploratória, e dos investimentos da empresa e do governo na transição energética.
Recentemente, graças a uma forte pressão política, e contrariando parecer técnico emitido pelo Ibama, a Petrobras obteve aprovação da nova versão do Plano de Proteção e Atendimento à Fauna Oleada (PPAF). Um avanço preocupante no processo de licenciamento do bloco 59.
Em toda a bacia da Foz do Amazonas, a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) estima que haja mais de 10 bilhões recuperáveis, e que as 5 bacias que compõem a Margem Equatorial contenham mais de 30 bilhões de barris.
A partir desses volumes, Shigueo Watanabe Jr., pesquisador do Climainfo, estima que queimar o petróleo e gás de todos os poços da bacia da Foz do Amazonas emitiria 4,7 bilhões de toneladas de CO2 equivalente, e queimar o petróleo e gás de toda a Margem Equatorial lançaria 13,5 bilhões de toneladas de CO2 equivalente, mais do que o país emitiu ao longo dos últimos 5 anos incluindo todo o desmatamento na Amazônia no período.
Apesar da exploração proposta ser em uma área de altíssima sensibilidade socioambiental, o processo de licenciamento para o bloco FZA-M-59 avança desde 2014 sem realizar a consulta livre, prévia e informada (CLPI) aos povos indígenas, quilombolas e pescadores artesanais na região do Oiapoque, diretamente na área de influência do projeto. Em abril, o Ministério Público Federal (MPF) do Amapá recomendou ao IBAMA e à Petrobras a revisão do Estudo de Impacto Ambiental (EIA) e a realização da consulta de forma individualizada, com atenção à cultura própria de cada comunidade tradicional, processo que já deveria ter sido feito há pelo menos 11 anos, juntamente com o primeiro EIA enviado para a solicitação da licença ao IBAMA.
Sem dinheiro para a transição
Um dos principais argumentos utilizado pela Petrobras e pelo Ministério de Minas e Energia para a exploração na Foz do Amazonas é que o dinheiro do petróleo da região – se de fato houver em quantidade comercialmente viável – poderia financiar a transição energética. Entretanto, Watanabe Jr. aponta que atualmente apenas 0,06% dos recursos oriundos da atividade petrolífera são destinados a esse fim. O que mostra que não falta dinheiro do petróleo para a transição, mas sim destinação correta.
Além disso, não há, até o momento, um plano nacional de transição energética que detalhe metas, prazos, projetos e fontes de financiamento. Tampouco há rubricas orçamentárias dedicadas exclusivamente a essa transformação.
Em seu Plano de Negócios 2025-2029, a Petrobras destina quase 90% dos US$ 111 bilhões que projeta investir neste período em atividades ligadas aos combustíveis fósseis. Apenas 10% do total se destina ao que a empresa chama de “energias de baixo carbono”, o que inclui a duvidosa tecnologia de captura, utilização e armazenagem de carbono (CCUS). Já o governo federal direcionou apenas 0,03% do Orçamento Geral da União deste ano para a transição energética.
Se considerarmos apenas a aplicação do Fundo Social, que é alimentado por dinheiro do petróleo e gás e recebe algo na ordem de R$ 200 bilhões anualmente do setor petroleiro, no período de 2018 até o início de 2025, o recurso destinado para projetos ligados à transição energética representa só 0,06% do total.
No dia 17 de junho, a Agência Nacional de Petróleo (ANP) fará o leilão do 5º ciclo de oferta permanente de concessão (OPC) para 332 blocos exploratórios, sendo 47 blocos na foz do Amazonas. Grandes petroleiras como Petrobras, Shell, BP e Total, estão entre as participantes do certame.
Esta semana, o MPF recomendou à Agência Nacional do Petróleo (ANP) que suspenda imediatamente o leilão ou que exclua os blocos da foz do Amazonas da oferta. De acordo com a recomendação, a decisão de expandir a fronteira de exploração petrolífera na região “representa um grave contrassenso aos esforços globais de descarbonização e aos compromissos climáticos do país”.
Ação da sociedade civil brasileira
Para mandar um recado para a Petrobras, organizações da sociedade civil realizaram uma ação com faixas e colagem de cartazes na sede da companhia, no Rio de Janeiro. Nesta sexta-feira (30), o local amanheceu com uma faixa com a mensagem “Amazônia ou Petróleo: de que lado você está?”, que aponta a incoerência do governo brasileiro de seguir apostando na exploração de petróleo na Amazônia, enquanto busca se posicionar como liderança climática global.
Cartazes com frases como “Ondas de calor Rio 60°” e “Enchentes, alagamentos e deslizamentos: um oferecimento, Petrobrás” chamam atenção para os efeitos reais da inação. A ação foi promovida por organizações da sociedade civil, entre elas 350.org, Climainfo, Coiab, Nossas, Observatório do Clima, GTA e pela iniciativa Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis.
O avanço do licenciamento do bloco FZA-M-59 é um contrassenso à pretensão do Brasil de se apresentar como líder no debate climático. É preciso escolher, Amazônia ou petróleo.
Declarações
Alcebias Sapará, vice-coordenador da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab):
“O discurso sobre usar os recursos do petróleo da Amazônia para financiar a transição energética não é apenas falso, mas escandalosamente cínico, porque ignora a gravidade da crise e a devastação causada pela exploração dos combustíveis fósseis que são, de fato, os maiores responsáveis pela atual emergência climática. Essa crise não é apenas ambiental, mas uma crise de valores e de liderança. O governo Lula precisa escolher se quer proteger a Amazônia e seus povos, ou se vai continuar abraçado ao petróleo. Não há mais espaço para contradições”.
Suely Araújo, Coordenadora de Políticas Públicas do Observatório do Clima:
“O planejamento da expansão da produção de petróleo no país tem ocorrido sem qualquer análise das consequências climáticas. Não se realizam avaliações ambientais de área sedimentar, para assegurar focos mais abrangentes, e também não se ponderam as emissões de gases de efeito estufa que serão geradas com os empreendimentos, incluindo a queima futura no uso do combustível. Isso em plena crise climática. Esse quadro na prática expõe negacionismo climático dos decisores governamentais e das empresas petroleiras. Não importa que esse petróleo em grande parte vá ser exportado. Ele vai queimar em algum lugar e contribuir para a piora da crise”.
Ilan Zugman, diretor para a América Latina e Caribe da 350.org:
“Às vésperas da COP30, é inaceitável que o governo brasileiro tente posar como liderança climática enquanto defende a exploração de petróleo na Foz do Amazonas – Uma das área mais críticas para o clima, comunidades indígenas e biodiversidade do planeta. Essa escolha, endossada pelo presidente Lula, revela uma perigosa contradição. Em vez de empurrar o país para novas fronteiras fósseis e espalhar desinformação ao dizer que precisamos do dinheiro do petróleo para financiar a transição energética, o governo deveria focar em apresentar um primeiro plano de como fazer essa transição, com metas concretas para o acesso universal às renováveis. Em vez disso, o ministro Alexandre Silveira prefere atuar como lobista da Petrobras, pressionando o Ibama em vez de planejar o futuro energético do Brasil”.
Clara Junger, coordenadora de campanha no Brasil do Tratado de Não Proliferação de Combustíveis Fósseis:
“A concessão da licença para o bloco 59 é uma ameaça direta à vida em todo o planeta, mas principalmente aos povos indígenas, quilombolas e às comunidades tradicionais que vivem na Amazônia, não só no Brasil, como em toda a Pan-Amazônia. As pressões políticas ao IBAMA para aprovar a licença e para seguir investindo na expansão de uma indústria tão contaminante na região avança sem sequer fazer a devida consulta prévia, livre e informada aos povos e comunidades tradicionais ao longo da margem equatorial, especialmente na região do Oiapoque. Já vimos o que aconteceu na região do pré-Sal, sabemos que o impacto do offshore não fica somente à 100, 200 ou 300 km da costa, ele impacta diretamente todo o litoral com fortes contaminações e violações aos modos de vida dos povos tradicionais. Este ano teremos a COP30 em Belém do Pará e o governo a promove como uma COP da Amazônia, uma COP para que a “Amazônia fale para o mundo”, mas quais serão as vozes ouvidas pelo mundo se nem o Brasil ouve seu povo? É impossível para um país se posicionar enquanto liderança climática querendo aumentar o maior problema que temos para enfrentar hoje que é a produção e queima de combustíveis fósseis, não adianta falar sobre transição energética se seguimos expandindo o problema com essa velocidade”.
Sila Mesquita, presidente Nacional do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA):
“A exploração de petróleo na Foz do Amazonas ameaça um dos maiores berçários de vida marinha do planeta, colocando em risco as comunidades costeiras e ribeirinhas que dependem desse ecossistema. Além de ampliar as emissões de gases de efeito estufa, agrava a crise climática e viola direitos de povos que vivem da pesca e dos recursos naturais. Não há transição energética financiada por petróleo — há apenas mais destruição e retrocesso. Insistir nos combustíveis fósseis é condenar a Amazônia, seu povo e o clima global. Precisamos de investimentos na vida, não na morte”.
Carolina Marçal, coordenadora de projetos do Instituto Climainfo.
“O tempo que temos para reduzir as emissões de gases do efeito estufa está cada vez menor, e neste momento o Brasil deveria estar discutindo como fazer uma transição energética justa, e não avançando nos planos para extrair mais petróleo e em um ambiente de altíssima sensibilidade socioambiental, que deveria ser uma área prioritária para a conservação da biodiversidade e para a agenda climática global, uma zona livre de petróleo. É um grande erro de percurso que pode nos custar muito”.
Lucas Louback, gestor de campanhas e advocacy do Nossas, organização de mobilização política
“Já são milhares de pessoas dizendo ‘não’ à exploração de petróleo na foz do Amazonas. O mundo vive uma emergência climática que exige escolhas corajosas e urgentes. Insistir no modelo de combustíveis fósseis é insistir em um modelo que empurra o mundo, sobretudo vulneráveis, para o colapso climático. O discurso de que o petróleo vai financiar a transição energética não se sustenta: hoje, menos de 1% dos recursos do setor são destinados a isso. O governo precisa abandonar as contradições e investir, de fato, em presente baseado na justiça climática e no bem viver.
Contatos para a imprensa
Lucas Louback, NOSSAS
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Nathalia Clark, Fossil Fuel Non-Proliferation Treaty
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