Na madrugada desta terça-feira (19), a polícia argentina realizou um despejo violento na comunidade Lof Fvta Xayen (Spotting Trajeyen), a 80km da cidade de Neuquén, na área conhecida como Vaca Muerta, uma das maiores reservas de gás de xisto do mundo, localizada na Patagônia argentina. Mais de 60 furgões da UESPO (Unidade Especial de Polícia) entraram violentamente destruindo o portão e detendo lideranças Mapuche, entre eles o porta-voz (werken) da comunidade, Diego Rosales, e dois outros jovens.
A comunidade Mapuche reivindica a propriedade das terras de Vaca Muerta e, juntamente com os agricultores da região, também se opõe à exploração de petróleo e gás pela técnica do fraturamento hidráulico – ou fracking -, que impacta as plantações de maçãs e peras, principais produtos da região. Eles criticam a falta de atenção das autoridades com a contaminação da água que irriga o solo e com a crescente especulação das terras.
“Mais uma vez, o governo e a Justiça de Neuquén tentam resolver através de violência um conflito que é puramente político-territorial. Nossas demandas são claras e nós as mantemos por décadas na frente de um governo que não quer cumprir as leis, só se preocupa em beneficiar as multinacionais e garantir os negócios das famílias que ocupam o governo, como é o caso de Ferracioli” , apontam os representantes da comunidade Mapuche. As comunidades também denunciam a intenção da polícia de plantar falsas “evidências” contra os Mapuche, como armas e drogas, para criminalizar os indígenas.
“Há uma tentativa de vincular a luta pacífica dos Mapuche com métodos violentos. Esta estratégia está sendo testada pelo governo nacional e provincial, através dos meios de comunicação de massa. Não cairemos nessa provocação e continuaremos a defender as práticas que nos permitiram defender nossos direitos sem violar ninguém. Suportamos por anos, mas sobretudo nos últimos meses, a campanha de racismo institucional que busca legitimar a repressão que está ocorrendo hoje. Vivemos sob cerco pela polícia”, acrescentaram os representantes.
Jorge Nahuel, da Confederação Mapuche de Neuquén, afirmou que a comunidade Mapuche buscou por diversas vezes proteção junto à Justiça, mas nunca recebeu uma resposta. “Durante décadas, estamos denunciando situações de poluição grave, situações de abuso territorial, mas parece que toda essa ilusão que nos vendem é mais forte, toda essa mentira midiática que nos faz acreditar que a indústria vai trazer felicidade e, no entanto, para as comunidades Mapuche trouxeram apenas poluição, destruição territorial e processos judiciais.”
Segundo Nahuel, esse bem-estar só existe para os setores que lidam com a tecnologia e para a indústria, que tem milhões de dólares, com toda uma série de vantagens fiscais. “Mas para a população como um todo, a situação socioeconômica está se tornando cada vez mais alarmante, a situação de desemprego só vem piorando. E ainda nos vendem o discurso de que temos de apostar na felicidade que este modelo nos traz. A verdade é que é uma verdadeira zombaria a situação de pobreza e ameaça em que vivem as comunidades Mapuche. Eles acreditam que gerando uma situação de violência e despejo irá mudar a realidade, mas isso é um absurdo”, disse ele.
Para Nicole Figueiredo de Oliveira, diretora da 350.org Brasil e América Latina, organização que apóia movimentos locais, povos indígenas e grupos políticos na luta contra o fracking, este ataque reforça o poder da indústria do petróleo e a permissividade das autoridades.
“É muito preocupante que essas empresas continuem a tomar conta do território e sigam com suas atividades exploratórias sem o consentimento prévio das comunidades locais. Eles dependem diretamente dos recursos naturais que existem em seus territórios, e por isso os protegem. Sua voz precisa ser ouvida. Vemos isso acontecendo com líderes que defendem o meio ambiente em várias partes do mundo. Conceder novas licenças para a exploração de petróleo e gás sem a participação das comunidades locais só atrai mais violência, colocando-as em risco constante”, disse Nicole.
O coordenador de campanhas climáticas da 350.org Argentina, Juan Pablo Olsson, reforça que a Justiça não pode atuar garantindo a impunidade para a indústria do petróleo, em favor do saque e da contaminação dos territórios tradicionais. “Por trás desses violentos episódios de repressão e despejo das famílias Mapuche há uma discussão profunda sobre uma política que tende a criminalizar os protestos sociais, especialmente dos movimentos ambientais e das comunidades que lutam por seus direitos e territórios”, enfatizou.
Para Olsson, “existe um modelo político que busca garantir os interesses das corporações para que possam extrair recursos estratégicos da Argentina e da América Latina com um alto custo social e ambiental para as populações e os territórios, como é o caso das companhias de petróleo.”
Da comunidade, conclui-se que “esta campanha busca limpar a terra do povo Mapuche e de qualquer pessoa que valorize a vida, para garantir os negócios das companhias de petróleo, que só geram morte e poluição. A solução para este conflito é dialogar politicamente e assumir que é ilegal a forma como eles instalam o extrativismo em nossos territórios. É urgente e necessário que os direitos alcançados através da nossa luta se tornem uma realidade. Marici wew! Dez vezes vamos ganhar!”